Jorge Adelar Finatto
Alvaro Moreyra |
Se um dia tiver de escolher um cronista pra levar para a ilha deserta (essa pequena ilha imaginária que todo mundo tem, de náufrago, com uma só palmeira, perdida no meio do oceano), este cronista será o porto-alegrense Alvaro Moreyra (1888 - 1964).
O Brasil tem cronistas de valor, o sempre lembrado Rubem Braga é, com justiça, um bom exemplo. Mas nenhum tem a sintaxe tão refinada, natural, despojada e poética de Alvaro Moreyra. Não será exagero dizer que ele fundou a moderna crônica brasileira, conforme afirmou Guilhermino Cesar:
Alvaro Moreyra teve o privilégio de criar a crônica moderna no Brasil. Chegou a ser o mais lido dos nossos cronistas. A influência que exerceu é perceptível em muitos autores que vieram depois. Rubem Braga, por exemplo, parece dever alguma coisa ao autor de Um sorriso para tudo.¹
As palavras parecem gostar de ser tocadas pela mão do escritor. Passeiam com ele, brincam, mergulham, saltam da página, seduzem e se deixam seduzir. Adoram estar perto do senhor Moreyra (ele acrescentou o y ao nome em lugar do i).
Não há sobras nem há faltas no texto do autor (principal influência literária de Carlos Drummond de Andrade, nos anos de formação, entre os escritores brasileiros).
São breves composições que têm a invulgar capacidade de traduzir sentimentos, pensamentos, estados de espírito, aquarelas da alma que normalmente são difíceis de pintar.
A leveza, o humor, a bondade, a delicadeza e a ironia inteligente (que nunca se confunde com grosseria) são sua marca.
Dele disse Drummond:
Uma impressão de magia singela: com poucas e leves palavras, um y e algumas reticências, ele soube dizer finas coisas, que nos tocaram.²
Um olhar amoroso sobre os seres e a vida é o traço deste artesão do verbo.
A injustiça e o sofrimento das pessoas não passam despercebidos nas páginas deste comunista devoto de São Francisco de Assis.
Poeta, cronista, diretor de revistas importantes onde publicou autores como Oswald de Andrade e Carlos Drummond, produtor e apresentador de programas culturais de rádio, teatrólogo (iniciou o movimento de renovação do teatro em nosso país junto com a mulher, Eugênia Moreyra, através do Teatro de Brinquedo), Alvaro Moreyra sempre levou Porto Alegre e o Guaíba no coração por onde andou.
Estas impressões vêm a propósito de ter descoberto agora a edição de uma antologia de crônicas do escritor, recolhidas dos vários livros que publicou no gênero. É a primeira publicação desta natureza dedicada ao autor de Havia uma oliveira no jardim. A obra faz parte da Coleção Melhores Crônicas, da editora Global, com seleção e prefácio de Mario Moreyra.
Tomo a liberdade de sugerir aos meus dois leitores que não deixem de levar para casa este livro. Estou certo de que viverão momentos de felicidade na companhia do senhor Arlequim da Silva (pseudônimo de Alvaro).
... E fico a ver navios. É um passatempo. O mar, por ser sempre o mesmo, é diferente sempre. Às vezes, verde, com franjas de espuma. Outras vezes, azul, parado, imóvel. Em certas manhãs, parece uma cauda de pavão... Eu gosto do mar. Paro, horas esquecidas, na areia da praia, olhando as ondas, marujamente, cheio de uma nostalgia deixada em mim pelos portugueses meus ancestrais... E fico a ver navios...
É o que tenho feito em toda a minha vida...³
Alvaro Moreyra *
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Foto de Alvaro Moreyra: reprodução de fotografia do escritor publicada na revista Para Todos, de 19 de março de 1927 (coleção do autor do blog).
¹Alvaro Moreyra, Jorge Adelar Finatto. Tchê e RBS. Porto Alegre, 1985. p. 65.
²Cadeira de Balanço, Carlos Drummond de Andrade. Livraria José Olympio Editora, 8ª ed., Rio de Janeiro, 1976.
³Alvaro Moreyra, Coleção Melhores Crônicas, p. 54. Seleção e prefácio de Mario Moreyra. Global Editora, São Paulo, 2010.
Leia mais sobre Alvaro Moreyra:
A memória do coração:
Páginas de velhas revistas:
Teatro de Brinquedo:
Este post foi revisto e ampliado, tendo sido publicado pela primeira vez em 07 de março, 2012.
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