Jorge Adelar Finatto
photo: j.finatto |
Não vivi até o fim o meu bocado terrestre.
Sobre a Terra
não vivi o meu bocado de amor.
(...)
(...)
Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!
Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!
Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!*
Maiakóvski
É como se ele tivesse entrado num túnel e saído dele cinqüenta anos depois. E é também como se entre a entrada e a saída do túnel não tivesse acontecido nada de mágico e impressionante, a não ser trabalhar, trabalhar, trabalhar, trabalhar.
Um longo tempo de recolhimento, suor e silêncio.
Sempre ouviu dizer que tinha de ser assim. Agora ele se olha no espelho e vê os cabelos crespos em tom cinza. O olhar azul meio opaco. A boca como um risco inexpressivo.
Parece um boneco de madeira que teve na infância, um bonifrate com os olhos fixos num lugar vazio em frente e um sorriso sem graça.
Claro que os retratos na parede, com risos e olhos que já partiram, fazem com que ele exagere nos traços e nas tintas.
Parece um boneco de madeira que teve na infância, um bonifrate com os olhos fixos num lugar vazio em frente e um sorriso sem graça.
Claro que os retratos na parede, com risos e olhos que já partiram, fazem com que ele exagere nos traços e nas tintas.
Durar não é viver. Viver não é só durar. É ser um pouco feliz a cada dia. É pedir perdão antes que os laços se cortem, para não haver remorsos depois. Antes que as pessoas desapareçam de nossas vidas e só restem retratos. E o olhar parado do bonifrate entre os livros na estante.
De modo que é preciso ter uma nova oportunidade, muitas, para acertar a vida e o sentimento. Ver a casa cheia de gente na Manhã de Páscoa. Ouvir a conversa e o riso das mulheres na cozinha e na sala. Beber uma taça de vinho olhando pela janela.
Ficar em paz no Domingo de Páscoa, vendo a névoa se espreguiçar lá fora.
E, no coração, essa vaga esperança de Ressurreição, como a do Cristo.
Porque só uma vida é muito pouco.
____________
*O poeta-operário. Antologia poética. Vladímir Maiakóvski. pp. 154-156. Tradução e estudo biográfico de Emílio Carrera Guerra. Cìrculo do Livro S.A., São Paulo, 1991.
E, no coração, essa vaga esperança de Ressurreição, como a do Cristo.
Porque só uma vida é muito pouco.
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*O poeta-operário. Antologia poética. Vladímir Maiakóvski. pp. 154-156. Tradução e estudo biográfico de Emílio Carrera Guerra. Cìrculo do Livro S.A., São Paulo, 1991.
Maiakóvski e a última esperança:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/08/maiakovski-ultima-esperanca.html
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2013/08/maiakovski-ultima-esperanca.html
Ao ler o texto não resisti em dizer que: Desejar oportunidades para acertar a vida e o sentimento, deve ser o início de uma Ressurreição. Um muito bom Domingo de Páscoa!
ResponderExcluirDeve ser mesmo. Tem de ser. Acho que o nosso personagem também sente dessa forma. Ou vai sentir ao travar conhecimento com teu sensível comentário. Um abraço!
ExcluirPreciso dizer: Linda poesia. Belo texto. Me identifico com o personagem, pois vem ao encontro de pensamentos, e preocupações atuais. Só agora compreendo na prática o que significa aposentadoria. Funcionamos como parte de uma engrenagem, e a necessária rotina se transforma em segurança. Status social. Vestir a camiseta todos os dias. Ser solicitado. Aprender, por repetição, a funcionar “perfeitamente”. Ser importante. E um dia, quando a juventude, as forças, a visão já não são as mesmas. Estou aposentada. Largada num oceano de liberdade. E agora? Eu não sei nadar num oceano. Eu não conheço o idioma falado nas pracinhas. Eu não sei sentar à tarde na varanda para tomar café com bolinhos de chuva. Eu preciso de pendengas para resolver. De chefe. De horários. De limites. Com o passar do tempo o corpo e o cérebro fazem uma reunião e entendem que agora serão atendidos, decidem em fila começar as reclamações. Os médicos começam a ser visitados. Nova dieta alimentar. Exercícios físicos. Quem sabe uma nova agenda? Toda nova! Com direito a críticas. Resumindo; é subir no monte mais alto, quebrar o bico, arrancar as penas e assim por diante. Eu não tive escolha, precisei me aconselhar com a águia. E agora olhando prá traz estou começando a achar que já fui mais velha. Eu tenho um blog meio paradão no momento. Em função de uma agenda toda nova, meio sem tempo. Abraço, http://caminhosnoutono.blogspot.com.br/
ResponderExcluirSer dono do próprio tempo é um privilégio de poucos (conquista, na verdade) É algo raro. E também assusta às vezes. Mas eu vejo como um enorme presente que a vida nos oferece. Chegar com saúde a esse estágio é uma grande felicidade. Poder dialogar com os habitantes das praças deve ser um luxo. Vou visitar o Caminhos do Outono. Um abraço,
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