Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.
João Cabral de Melo Neto¹
O silêncio é tão profundo que dá para ouvir a névoa se espalhando no jardim, entre as rosas.
Quatro e meia da madrugada de domingo. Ele adormeceu no sofá do escritório.
Não quis atravessar a casa e ir pro quarto. Madrugada fria nos Campos de Cima do Esquecimento.
As pinturas e os retratos na parede, a luz branca e opaca na escada.
O sobrevivente escreve para habitar o território do amanhecer.
Ler já era estar banhado em luz. Escrever é um clarão.
(A treva não dá trégua.)
ele precisará sempre de outros galos.
João Cabral de Melo Neto¹
O silêncio é tão profundo que dá para ouvir a névoa se espalhando no jardim, entre as rosas.
Quatro e meia da madrugada de domingo. Ele adormeceu no sofá do escritório.
Não quis atravessar a casa e ir pro quarto. Madrugada fria nos Campos de Cima do Esquecimento.
As pinturas e os retratos na parede, a luz branca e opaca na escada.
O sobrevivente escreve para habitar o território do amanhecer.
Ler já era estar banhado em luz. Escrever é um clarão.
(A treva não dá trégua.)
O vento lambe a face das montanhas cobertas de verdes pinheiros e basalto.
O som imemorial do vento cortando os contrafortes.
O som imemorial do vento cortando os contrafortes.
Abril costuma ser um tempo de desolação.² Seria preciso acender fogueiras em todas as esquinas da cidade, convocar os amigos
fazer vigília e beber até que a manhã se erguesse no horizonte e se derramasse nos telhados.
Um galo canta na aurora.
O sobrevivente dorme no sofá enrolado na manta xadrez.
O sobrevivente dorme no sofá enrolado na manta xadrez.
A única coisa que se ouve agora, no silêncio, é o canto do galo.
Um canto anunciador e translúcido, na antessala do dia.
Por um momento ele ouve o canto. Mas não abre os olhos. Se enrola mais ainda na manta, afunda no sofá. O livro caído no tapete.
O canto do galo vai sumindo, distante, sumindo.
Ele caminha por uma estrada de chão batido, silenciosa, vai andando, sumindo, andando, sumindo até desaparecer na aquarela ao lado da estante.
No jardim, lá fora, só se escuta a névoa.
_______________
¹Do poema Tecendo a manhã. Poesias Completas, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1979.
²Um suspiro, um silêncio
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/03/um-suspiro-um-silencio.html
photo: j.finatto |
¹Do poema Tecendo a manhã. Poesias Completas, Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1979.
²Um suspiro, um silêncio
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/03/um-suspiro-um-silencio.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário