O Cavaleiro da Bandana Escarlate
Marilyn Monroe (Norma Jeane) |
Após meses recolhido ao seu humilde solar da Praça Maurício Cardoso, em Porto Alegre, única casa do bairro Moinhos de Vento em que habita um frondoso e mais que centenário pinheiro, O Cavaleiro da Bandana Escarlate volta a publicar um texto no blog. É uma página íntima do nosso crítico de cinema. Confessional e desbragada. Mas, como explicou na carta em que me enviou o texto, um homem, na minha idade, pode bem se dar ao luxo de mandar os salamaleques ao Guaíba. Não quero levar para o túmulo esse segredo. Com os senhores, pois, a prosa do nosso original Cavaleiro*.
J.Finatto
J.Finatto
Olho a fotografia de Marilyn Monroe no porta-retrato sobre a estante. Me dou conta de que fui o último homem a cair de amores pela Diva no fim do século XX. Faz 15 anos. Eu me apaixonei por ela num tempo em que ninguém mais ousa apaixonar-se. Os medos do sentimento, os medos do ridículo. Assisti a todos os seus filmes e li livros a seu respeito. Foi uma paixão fatal e tardia.
No início não levei a sério. Achei que aquelas caras e bocas que ela fazia nos filmes, cartazes e revistas eram mera promoção e mercantilização da imagem. Só depois descobri que não, eram e sempre foram apenas para mim...
O último homem a apaixonar-se por Marilyn Monroe.
Norma Jeane (1926-1962), prefiro chamá-la pelo nome verdadeiro, mais de acordo com nossa intimidade, sempre soube da minha existência mesmo antes de eu existir. Sempre soube que meu sentimento seria o mais casto sentimento que alguém lhe devotou, se isso é possível em se tratando de mulher tão bela.
Todos os outros fãs esqueceram-na depois da morte. Só eu permaneci constante em meus amores impossíveis.
Como esses cães que definham à porta da casa quando o dono já não volta.
O último homem a apaixonar-se por Marilyn Monroe.
Norma Jeane (1926-1962), prefiro chamá-la pelo nome verdadeiro, mais de acordo com nossa intimidade, sempre soube da minha existência mesmo antes de eu existir. Sempre soube que meu sentimento seria o mais casto sentimento que alguém lhe devotou, se isso é possível em se tratando de mulher tão bela.
Todos os outros fãs esqueceram-na depois da morte. Só eu permaneci constante em meus amores impossíveis.
Como esses cães que definham à porta da casa quando o dono já não volta.
Teve um tempo que senti ciúme de Norma Jeane. Um ciúme retroativo e doloroso. Não suportava ver aqueles animais babando por ela nos filmes e páginas de revista. Queriam seu corpo, os seios, o colo, as pernas, a nuca, os braços, o olhar atrevido e indecifrável com que atraía suas vítimas. Venturosas vítimas de sua beleza angelical.
Ninguém escapava quando ela lançava a rede lilás da sedução.
Eu fui daqueles raros que conseguiram ver a menina triste no fundo dos seus olhos.
Ninguém escapava quando ela lançava a rede lilás da sedução.
Eu fui daqueles raros que conseguiram ver a menina triste no fundo dos seus olhos.
Viveu em orfanatos na infância. Sofrer muito, e em secreto, era com Norma Jeane, a criança solitária que nunca deixou de ser. Mas o encanto estava com ela e sabia como usá-lo. Era preciso não sucumbir ao mundo terrível dos humanos. Queriam ilusão? Ela lhes dava. Mas a que preço!
Morrer aos 36 anos de uma possível overdose de barbitúricos, num suposto mas discutível suicídio (as circunstâncias da morte são controvertidas),** foi a antítese de uma vida radiante de beleza e de uma desconhecida e intensa atividade poética e intelectual.
O mundo sempre quis o rótulo. Não está interessado no conteúdo.
No excelente livro Fragmentos***, com prefácio do escritor italiano Antonio Tabucchi, vêm à tona, pela primeira vez, os textos de Norma Jeane. Esses textos são, na verdade, estilhaços de uma sensibilidade que explode diante dos mistérios, maravilhas e sofrimentos da vida. Nele se lê, por exemplo, o grito calado de uma alma profunda e delicada:
Sozinha!!!!!
Eu estou sozinha. Eu estou sempre
sozinha
não importa o que aconteça. (p. 57)
O dramaturgo Arthur Miller, que esteve casado com ela entre 1956 e 1960, resumiu:
Para sobreviver, seria preciso que ela fosse mais cínica ou, pelo menos, mais próxima da realidade. Em vez disso, ela era uma poeta na esquina, tentando recitar seus versos a uma multidão que lhe arrancava as roupas. (p. 37)
Morrer aos 36 anos de uma possível overdose de barbitúricos, num suposto mas discutível suicídio (as circunstâncias da morte são controvertidas),** foi a antítese de uma vida radiante de beleza e de uma desconhecida e intensa atividade poética e intelectual.
O mundo sempre quis o rótulo. Não está interessado no conteúdo.
No excelente livro Fragmentos***, com prefácio do escritor italiano Antonio Tabucchi, vêm à tona, pela primeira vez, os textos de Norma Jeane. Esses textos são, na verdade, estilhaços de uma sensibilidade que explode diante dos mistérios, maravilhas e sofrimentos da vida. Nele se lê, por exemplo, o grito calado de uma alma profunda e delicada:
Sozinha!!!!!
Eu estou sozinha. Eu estou sempre
sozinha
não importa o que aconteça. (p. 57)
O dramaturgo Arthur Miller, que esteve casado com ela entre 1956 e 1960, resumiu:
Para sobreviver, seria preciso que ela fosse mais cínica ou, pelo menos, mais próxima da realidade. Em vez disso, ela era uma poeta na esquina, tentando recitar seus versos a uma multidão que lhe arrancava as roupas. (p. 37)
Norma Jeane deixou muitos escritos e foi uma leitora voraz de grandes autores como Dostoievski, Whitman, Milton, Hemingway, Beckett, Kerouac, James Joyce, entre outros. Aproveitava o escasso tempo livre para ler e fazer breves cursos de história da literatura e da arte, ela que não conseguiu terminar os estudos regulares.
Muitos caíram ante os encantos dessa mulher-sonho. Reis, presidentes, industriais, marinheiros, artistas, intelectuais, astronautas, operários, boxeadores, caçadores de tesouros e pobres diabos em todos os lugares em que houvesse uma tela de cinema. Poucos, porém, viram nela a mulher sensível, estudiosa, criativa e poeta que queria ir fundo no sentimento dos seres e das coisas.
Norma Jeane está feliz e me sorri no retrato sobre a estante. Sou seu último apaixonado.
Norma Jeane. Que nome tão lindo para um barco! Uma solitária nuvem branca num céu tão azul! Ó, Norma Jeane, as estrelas do universo te contemplam!
____________
*Existem vários textos do Cavaleiro da Bandana Escarlate no blog, como este:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04/o-cavaleiro-da-bandana-escarlate.html
Muitos caíram ante os encantos dessa mulher-sonho. Reis, presidentes, industriais, marinheiros, artistas, intelectuais, astronautas, operários, boxeadores, caçadores de tesouros e pobres diabos em todos os lugares em que houvesse uma tela de cinema. Poucos, porém, viram nela a mulher sensível, estudiosa, criativa e poeta que queria ir fundo no sentimento dos seres e das coisas.
Norma Jeane está feliz e me sorri no retrato sobre a estante. Sou seu último apaixonado.
Norma Jeane. Que nome tão lindo para um barco! Uma solitária nuvem branca num céu tão azul! Ó, Norma Jeane, as estrelas do universo te contemplam!
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*Existem vários textos do Cavaleiro da Bandana Escarlate no blog, como este:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04/o-cavaleiro-da-bandana-escarlate.html
**Wikipédia:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marilyn_Monroe
***Fragmentos. Poemas, anotações íntimas e cartas de Marilyn Monroe. Organização de Stanley Buchthal e Bernard Comment. Prefácio de Antonio Tabucchi. Editora Tordesilhas, São Paulo, 2011.
http://pt.wikipedia.org/wiki/Marilyn_Monroe
***Fragmentos. Poemas, anotações íntimas e cartas de Marilyn Monroe. Organização de Stanley Buchthal e Bernard Comment. Prefácio de Antonio Tabucchi. Editora Tordesilhas, São Paulo, 2011.
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