terça-feira, 19 de agosto de 2014

Somos os que estão por aí

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto
 
O mundo é um hospício sem muro. Estão todos soltos. A loucura é herança bem dividida entre os humanos. As partilhas registradas nos cartórios do desassossego.

A pessoa precisa ter reservas de luz pra suportar tanta escuridão.

Somos os que estão por aí. Os por enquanto. A gente mói e é moído. O que acha? O moinho triste da vida. Tem vivente que passa a existência sem receber um afago, um ora-veja. Os que. Pra eles não existe vem-aqui-meu-bem-me-dá-cá-um-beijinho. Só pedras, perdas.

Os esquecidos jazem no fundão do abismo. O mundo não presta atenção nos sem-afeto. Os outros, a turma dos contentes, dos bem amados, quando muito vivem pra si. Os que se acham. As almas leves. Corações secos.

O moinho pesado gira no esconso. Caminho de sombras.

Às vezes um resolve resilir o contrato com o eterno. Quase ninguém nota o último ato do infeliz. Nenhuma flor se colhe em sua difícil memória. Nenhum pensamento, nenhuma ternura. As indiferenças. Os giros insensíveis da roda de fazer pó e esquecimento.

Assim se afunda o coração dos bonecos de ventríloco.

Viver são uns suspiros, uns carinhos desaparecidos.

Alguns poucos levam a lanterna na mão. Esses, ao menos, ainda choram, se comovem, não se conformam, lutam, amam. Fazem os caminhos.
 
Por eles a aurora tece os fios rosados da manhã.

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Texto revisto, publicado antes em 13 de abril, 2010.

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