segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Presença

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
Me tens aqui lutando
com secas palavras
para iluminar a treva
que nos reúne
em torno do lume
do poema

me tens aqui solidário
beirando a primavera
beirando os trintanos
com raros bens materiais
e nenhum privilégio
de credo ou classe

às vezes louco
às vezes patético
com poucos seres humanos
pra repartir
alguma coisa

me tens aqui poeta
num país injusto e sofrido
caminhando à beira de um rio

a sujeira flutua nas águas
os pobres equilibram-se
em perigosas palafitas

me tens aqui poeta lírico
cada dia mais lúcido

como a primavera
eu invado de repente
a sala adormecida
o coração desabitado

não tenho uma saída
para os dramas
que andam por aí

sequer possuo soluções
plausíveis
para os atrapalhos
cotidianos

o que posso oferecer
e ora ofereço
é essa canção discreta
para dissipar a sombra

um braçada de flores
no inverno

______

Do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990.

2 comentários:

  1. Adelar, este poema tem uns 25 anos e continua tão atual!
    Depois desta ressaca eleitoral, onde não foi possível iluminar a mente das pessoas, seguimos fazendo nossa parte. A poesia dá seu testemunho e tenta sensibilizar os corações duros e as mentes escuras. Abraço. Ricardo Mainieri

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    1. Já vai tempo, Ricardo. A gente continua aí. É preciso ter paciência com o Brasil, berço de tantos sofrimentos e tanto cinismo. O povo merece coisa muito melhor do que isso que se apresenta. Espero que venham as mudanças - dentro de cada um e a urgente alternância no poder. Um abraço.

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