Jorge Adelar Finatto
A rua São João era a nossa Ilha de Patmos. Ali todos eram prisioneiros de um tempo e de um lugar e o nosso destino era comum: afundar no esquecimento.
Exilados do mundo, todos alimentavam o sonho secreto de um dia fugir. Fugir para sempre, para qualquer lugar, ainda que fosse o último ato da vida.
A família espiritual de A eram os livros. Os poucos que havia na casa, quando era menino, e depois os outros, que foi amealhando feito formiga, migalha a migalha, com tenacidade e alumbramento.
Exilados do mundo, todos alimentavam o sonho secreto de um dia fugir. Fugir para sempre, para qualquer lugar, ainda que fosse o último ato da vida.
A família espiritual de A eram os livros. Os poucos que havia na casa, quando era menino, e depois os outros, que foi amealhando feito formiga, migalha a migalha, com tenacidade e alumbramento.
A família dos livros tinha uma vantagem. Nenhum de seus membros morria ou desaparecia como acontecia com freqüência com os familiares de carne e osso.
Os livros retirados da biblioteca pública, por empréstimo, eram parentes longínquos. Traziam a aura de quem passou por muitas casas, iluminando solidões diurnas e noturnas. Guardavam o cheiro misturado dos ambientes que tinham freqüentado.
Na casa antiga, havia muitos silêncios. Vultos moviam-se calados. Um relógio velho de parede tentava acompanhar a passagem do tempo, mas nele as horas tinham enlouquecido.
De uma espécie particular de eternidade eram feitos os livros.
O mundo de tinta e papel espantava os fantasmas que habitavam o sótão. O menino sabia que, mais dia, menos dia, acabaria só, como todos.
Havia um gato na casa, porque gatos gostam de histórias assombradas. No porão gelado e sombrio, coisas velhas eram esquecidas.
Um retrato de Getúlio Vargas, "o pai dos pobres", ocupava o centro da parede da sala de jantar.
A janela do quarto de dormir olhava o mundo e o mundo era um lugar muito distante.
Um retrato de Getúlio Vargas, "o pai dos pobres", ocupava o centro da parede da sala de jantar.
A janela do quarto de dormir olhava o mundo e o mundo era um lugar muito distante.
João era o nome do apóstolo que teve as visões na Ilha de Patmos, no mar Egeu, onde esteve exilado por falar de Deus e dar testemunho de Jesus. Nela escreveu o livro bíblico Apocalipse (Revelação).
A rua São João era a ilha do nosso apocalipse.
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Texto revisto, publicado no blogue em 27, out, 2011.
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