domingo, 5 de julho de 2020

O jeitinho brasileiro diante da tragédia

Jorge Finatto

photo: jfinatto. rosa amarela: esperança


A estimativa de que o Brasil poderá chegar a 100 mil mortos pela covid-19 nos próximos dois meses está se confirmando. O número diário de óbitos passa de mil e, seguindo assim, ultrapassará aquela projeção feita por especialistas. Uma catástrofe.

O que se percebe é uma quase indiferença em relação ao assunto. Quando a pandemia se instalou na Europa, houve comoção. Agora que está aqui, em números muito maiores, parece que não nos diz respeito. 

A falta de coesão no enfrentamento da doença é alarmante. O pouco caso de parte da população às orientações sanitárias é inacreditável. A maioria sabe o que precisa ser feito para impedir a propagação da doença. Mas muitos reagem como se se tratasse de uma gripezinha apenas, como a relativizou há algum tempo o Presidente da República. Aliás, um capítulo especial caberá a este senhor, quando for contada a história da pandemia no Brasil.

O que falta ao nosso país é amor social. Não nutrimos apreço pela vida em sociedade, a lei que vale é a famosa "quem pode mais chora menos". Não temos sentimento de coletividade. Somos capazes de atos solidários no varejo, aqui e ali, mas não alimentamos a empatia como um valor necessário e indispensável.

Claro que existem pessoas solidárias e envolvidas com o bem comum. Mas a média dos que praticam tais virtudes é insuficiente. A indiferença em relação às muitas tragédias que nos atingem pode ser observada quando olhamos para o número anual de assassinatos, para  as favelas, presídios, para a falta de saúde, educação, saneamento, moradia, para os elevados níveis de corrupção, devastação da natureza, etc.

Não formamos propriamente uma nação, mas um amontoado de gente sem direção, os "espertos" puxando brasa para o seu assado, achando que isso é o certo. O resultado é o que se vê. 

Somos uma sociedade autofágica, que não se comove com a dor do próximo. Não fomos educados para desenvolver ideia de pertencimento que reforce nossos vínculos com a comunidade na qual estamos inseridos e da qual bem ou mal dependemos. Ao contrário, o mantra desse modus vivendi é: cuide de si, leve vantagem, suba na vida, não olhe para os lados.

Uma sociedade com esse nível de desunião é incapaz de acusar o golpe ante as mais de 100 mil mortes anunciadas (hoje esse número chegou a 64.365*, sendo o primeiro óbito em março passado).

É um triste espetáculo para o mundo. Um atestado de frieza moral. Um péssimo legado para nossos filhos e netos.

_______
O Globo:
https://oglobo.globo.com/sociedade/coronavirus/brasil-registra-64365-mortes-por-covid-19-informa-consorcio-de-veiculos-da-imprensa-em-boletim-das-20h-24515993

18 comentários:

  1. Jorge, o teu texto - muito bem escrito - me levou a pesquisar a palavra indiferença. O velho Aurélio nos traz uma passagem de Trindade Coelho: "As estrelas bocejavam, dormentes, numa criminosa indiferença por aquela dor suprema de que eram as únicas testemunhas." (Meus Amores, p.202). Abraço, meu amigo.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Que belo poema, Atapoã!
      Não conhecia este poeta. Vou atrás.
      Muito obrigado.
      Um abraço!

      Excluir
  2. Ele foi magistrado, também.
    Olha, estou compondo "Passo dos Ausentes".
    Poderias mandar algumas fotos por e-mail?
    É para ajudar a Inspiração...
    Obrigado.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Vou mandar, sim, Atapoã. Que bela notícia! Um abraço.

      Excluir
    2. Jorge, desculpe-me pela insistência. Por que "Passo dos Ausentes"? Já vi que escreveste, aqui mesmo,"...lugar perdido nas álgidas alturas dos Campos de Cima do Esquecimento."

      Excluir
    3. É que fica a mais ou menos 100 km dos Campos de Cima da Serra. Mas muito mais acima, a 1873 m de altitude. Uma aldeia-refúgio para onde se dirigiram vários grupos de perseguidos ou expulsos de seus lugares de origem. Começou em 1756 com um grupo de índios guaranis e padres jesuítas sobreviventes ao massacre de São Miguel das Missões.

      Excluir
  3. Obrigado, pela paciência. Já tenho, praticamente, a estrutura da música. De sorte que não há mais necessidade das fotos. A não ser que tenhamos de postar um vídeo no YouTube, mas para isso as fotos devem ser de alta resolução. A tua resposta me fez lembrar de "O Mito de Sísifo". Aliás, há muito tempo que penso em homenagear o rei lendário de Corinto que tentou enganar os deuses e escapar da morte...

    ResponderExcluir
  4. Eu que agradeço, Caro Atapoã! Um grande abraço, amigo.

    ResponderExcluir
  5. Não postei, ainda, no YouTube. Estou aguardando as imagens...

    ResponderExcluir
  6. Podem ser nos mesmos moldes daquela que me enviaste. Abraço.

    ResponderExcluir
  7. O vídeo Passo dos Ausentes já está no Youtube.
    Encaminhei o link por e-mail.
    Abraço

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Caro Atapoã.

      Muitíssimo obrigado pela bela música! É a primeira vez que Passo dos Ausentes é homenageada musicalmente. O trabalho no youtube ficou excelente.
      O Maestro foi muito feliz!
      Parabéns!

      Um grande abraço.

      Excluir
    2. Obrigado eu. Os teus relatos sobre esse lugar fascinante me levaram a compor "Passo dos Ausentes". Abraço.

      Excluir
    3. Um grande abraço. Juan Niebla pede que te envie um cumprimento especial, de músico para músico.

      Excluir
    4. Obrigado, Jorge, pelo carinhoso cumprimento de Juan Niebla. Ele já deve ter uns 95 anos...O que nos autoriza a acreditar na previsão de Dom Eleutério, segundo a qual nosso amigo chegará bem aos 100 anos. Abraço.

      Excluir