terça-feira, 6 de setembro de 2016

Taça de café, pão com manteiga e cinema

Jorge Finatto

Cartaz do filme
 
Olho a chuva pela janela do café da praça enquanto bebo a inefável taça de café com leite acompanhada de pão com manteiga. Agora chove grosso aqui em Gramado, abriram-se as torneiras do céu. É setembro e isto é sempre assim, fim de inverno.
 
Acabou no sábado o Festival de Cinema de Gramado. Tinha me programado para assistir filmes do Uruguai, Argentina, Chile e Cuba. Comprei os ingressos. (A chuva engrossou mais ainda.) Acabei indo ver o cubano Espejuelos Oscuros (óculos escuros, ou, numa outra acepção, armadilha, chamariz, ardil, trampa obscura), um filme muito interessante.

Escrito e dirigido pela jovem diretora Jessica Rodríguez, a história trata de uma mulher cega que mora numa casa isolada nas cercanias de Havana. Sozinha, ela tem apenas a companhia de um gato. Até o dia em que vê a residência invadida por um criminoso fugitivo do presídio. Para defender-se da indesejada visita, ela passa a contar-lhe histórias.
 
Espécie de Sherazade de As Mil e Uma Noites, distrai seu interlocutor com três casos, três sub-histórias em que os atores são os mesmos da trama principal. O recurso narrativo é bastante criativo, sendo que os três relatos contêm elementos da história cubana contemporânea.
 
Do território da imaginação ela traz histórias que vão tecer a teia deste inusitado encontro. O desfecho disso tudo é surpreendente. Os atores Laura de la Uz e Luis Alberto García são muito bons.
 
O filme não ganhou nenhum prêmio no festival, mas tem substância e mérito. A começar por ser um filme cubano que não fica restrito ao elogio da Revolução de 1959, seus personagens e suas conquistas, transformada numa ditadura que já dura (muito dura!) há 57 anos. Pelo contrário, revela até uma certa impaciência e repulsa com bordões revolucionários. Ou estarei vendo coisas?
 
A película tem mais de uma leitura e pretendo vê-la outra vez quando entrar no circuito das salas de Porto Alegre. Creio que o grande escritor e cinéfilo cubano Guillermo Cabrera Infante (presente no blog) gostaria do filme.

Pois este foi o único longa-metragem que assisti. Tive de viajar logo no segundo dia e não pude acompanhar  mais nada. Os outros ingressos ficaram na gaveta, não deu tempo sequer de oferecê-los a alguém.
 
Escrevo essas linhas na tela do celular, novo brinquedo que me dei. Não utilizei o Word (deverei fazê-lo em breve). Escrevi com a canetinha que vem acoplada no aparelho, servindo a tela do celular como bloco de anotações. Mas não vou aposentar o calepino nem a caneta de tinta. Ainda sou um dinossauro da Era de Gutenberg.

Conversa entre pedras na rua.

- O planeta está lotado?
- Não, existe espaço pra todo mundo. Mas os donos de tudo cobram alugueres cada vez mais impossíveis.

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