Jorge Finatto
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photo: Walt Whitman, em 1887 . Autor: George C. Cox. Fonte: Wikipédia. |
Faz muitos anos morei numa cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul. O lugar se resumia a uma igreja católica e outra protestante, duas escolas, um hospital, algumas ruas e casas e pouca coisa mais. Em volta, a natureza. Em certas tardes, eu saía a andar por estradas de terra, solitárias e com aroma silvestre.
Caminhar assim é como andar dentro de si mesmo.
Num dia de sol e frio, eu percorria um desses caminhos. Um córrego prateado corria na margem. Numa curva em frente, entre os altos plátanos que se erguiam nos dois lados da estrada, apareceu um homem. Quando nos cruzamos, ele me cumprimentou, em silêncio, fazendo um aceno de cabeça, que eu retribuí.
Ele tinha uma barba branca abundante, uns olhos pequenos muito azuis, o cabelo na altura dos ombros. Usava um chapéu escuro com largas abas, a face um tanto rosada. Vestia um velho casaco, a camisa abotoada até o pescoço. Trazia um livro na mão esquerda.
Eu tive certeza de que se tratava do poeta norte-americano Walt Whitman (1819 – 1892).
Fiquei orgulhoso e feliz de estar ali, pisando o mesmo chão que o grande Walt.
Seria o espectro do poeta aquele homem que eu vira? Seria alguém muito parecido?
Encontrei-o em outras duas caminhadas. Como da primeira vez, éramos só nós, a estrada verde, a brisa e o rumor do córrego. Fiquei observando o poeta. Ele entrou num desvio lateral da estrada, subiu uns cinquenta metros em direção a uma pequena casa de madeira.
A casa era muito branca e delicada. Sozinha, lá no alto, mostrava cortinas azuis nas janelas abertas, e flores, muitas flores da estação no breve jardim em volta.
Walt entrou pela porta dos fundos e desapareceu.
Uma chaminé de alumínio saía pelo telhado, soltando minúsculos círculos de fumaça.
Pensei em conversar com o poeta da última vez em que o encontrei. Talvez ele parasse um momento num remanso, conversasse um pouco comigo e até dissesse alguns versos de Folhas da Relva, sua obra-prima. Mas não. Achei melhor não incomodar. Afinal, os poetas trabalham enquanto caminham em silêncio por estradas de chão.
Um dia chegou a minha hora de ir embora da cidade pequena.
A vida seguiu, muitos caminhos eu percorri depois. Mas nunca esqueci que, em certas tardes, numa cidadezinha do interior, eu caminhei na mesma estrada por onde andava Walt Whitman.
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Transbordante de Vida
Walt Whitman
Agora, transbordante de vida, sólido, visível,
No ano quarenta de minha existência, no ano oitenta e três dos Estados,
A alguém que viverá dentro de um século, ou em qualquer número de séculos,
A vós, que ainda não haveis nascido, dedico estes cantos, esforço-me por
alcançar-vos.
Quando lerdes, eu que sou agora visível, hei-de ter-me tornado invisível; então sereis vós, denso e visível, quem lerá os meus poemas, quem se esforçará por compreendê-los,
A imaginar quão felizes seríeis se me fora dado estar ao vosso lado e converter-me em vosso camarada;
Que seja, pois, como se eu estivesse. (Não duvideis demasiadamente que não esteja então ao vosso lado).
Poema extraído de O Livro de Ouro da Poesia dos Estados Unidos, coletânea de poemas organizada por Oswaldino Marques, edição bilíngue, Ediouro, tradução de Manuel Ferreira Santos.
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Texto revisto, publicado no blog em 17, abril, 2010.