quinta-feira, 16 de agosto de 2018

Paixão de outono

Jorge Finatto

 
NINGUÉM ESTÁ IMUNE a uma paixão de outono. Supõe-se, contudo, que um cara na minha idade tenha anticorpos suficientes para evitar recaídas e armadilhas.
 
Afinal, já levou rasteiras, deu com a cara no chão, apanhou bastante. Deve ter aprendido a não brincar com fogo. O tempo arrefece emoções violentas, vive-se mais espiritualmente (digamos).
 
Não por outra razão inventaram as religiões, a literatura, a filosofia, as artes, as palavras cruzadas e os blogs. Quireras, quireras, raro leitor. Não passamos de uns pobres diabos. Veja o que me aconteceu.
 
Ontem, saí de Passo dos Ausentes às 7 da manhã em direção a Nova Petrópolis. Depois de 8 horas viajando serra abaixo na intrépida Linguilingui, contornando sinistros abismos, cheguei ao destino e fui ao café da tarde (costume ainda em voga entre serranos da antiga). Logo em seguida, me dirigi ao Recanto das Azaléias, floricultura do meu agrado. Foi aí que tudo começou.

photo: ipoméia azul. jfinatto, 14/10/2016
 
Numa curva da aléia, entre vasos e flores, encontrei-a, de repente. Ela nem sequer percebeu a minha existência. Não tirei mais os olhos dela. O coração acelerou. Por instantes esqueci quem eu era. Toda minha vã filosofia caiu por terra. Eu só tinha tenção pra ela. Indefeso, encantado, só fiz admirá-la. Pura visão.
 
Apaixonei-me, em suma. Seu nome, de remoto sabor grego: Ipoméia.
 
Todo Quixote encontra um dia sua Dulcinéia. Intrépido,vencido embora, levei-a pra casa.

Ao anoitecer, a divina donzela enclausurou-se em si mesma, recolhendo-se em seus secretos aposentos. Ao amanhecer, inaugurou o suave e delicado tecido das inefáveis flores.
 
Não podia imaginar que Deus me reservava essa beleza, que eu não mereço, em plena secura do tempo. Mas aconteceu.

Sentimento azul.
 
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Texto revisto, publicado antes em 15/10/2016. Escrito sob a boa grafia antiga, vigorante antes do (des) acordo ortográfico.  

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