Jorge Finatto
Olhai, as árvores são; as casas que habitamos, resistem. Somente nós passamos (...)
fragmento da Segunda Elegia de Duíno. Rainer Maria Rilke ¹
NA CIDADEZINHA DE SIERRE, sul da Suíça, no Cantão do Valais, hospedei-me num pequeno hotel 3 estrelas. Perto da estação de trem, tem comida caseira regional e bom vinho. O imóvel é do século XVIII e, segundo seus registros, recebeu no passado, como hóspedes, Goethe (1749 - 1832) e Rilke (1875 - 1926), dois grandes da literatura de língua alemã.
O Hôtel de la Poste passou por reformas ao longo do tempo, claro. É simples, caprichoso e as pessoas são acolhedoras. Ocupei um quarto no segundo andar, imaginando se Rilke ou Goethe teriam ficado nele alguma vez. Será que escreveram na mesinha junto da janela, atrás da cortina cor-de-rosa?
Enquanto me acomodava, a neve tecia caminhos de úmido algodão lá fora.
Enquanto me acomodava, a neve tecia caminhos de úmido algodão lá fora.
Hôtel de la Poste.Sierre. photo: jfinatto |
vista do quarto. Sierre. photo: jfinatto |
A razão de minha visita à pícola cidade, cercada pelo maciço rochoso coberto de neve dos Alpes, era percorrer os passos de Rilke em seus últimos cinco anos de vida. Na região de Sierre terminou de escrever as Elegias de Duíno, iniciadas na Itália em 1912. E verteu para o francês parte de seus poemas, além de outras criações e de cultivar a extensa correspondência.
Entre 1921 e 1926, viveu no castelo de Muzot, emprestado por alguém da aristocracia local. O imóvel situa-se mais exatamente na pequena e calma localidade de Veyras, ao lado de Sierre. Nele escreveu e recebeu muitas cartas, fez poemas, traduziu, conviveu, amou, planejou viagens, foi feliz e chorou em silêncio sentado no banco sob a parreira do quintal.
Muzot pouco lembra um castelo, não é grande nem suntuoso. Trata-se na verdade de uma construção que lembra uma torre. Não se pode entrar no local, pois é propriedade particular. Não sei se possui objetos do poeta, não há informações a respeito. Mas o fantasma de Rilke deve perambular por seus espelhos.
Em Muzot compôs o poema-epitáfio. E mandou construir seu túmulo ao lado da igrejinha que costumava freqüentar, em Rarogne, a cerca de 30 quilômetros de Sierre, engastada na encosta alpina, depois que se descobriu com leucemia, na época incurável.
Aquele lugar tinha para Rilke um sentido místico. Situado sobre uma colina, com ampla visão dos alpes a leste e oeste, a passagem do rio Ródano no meio dos vales, nos remete ao sagrado. Há algo nesta paisagem que não se explica. Uma visão mágica que inspira um forte sentimento de transcendência.
Aquele lugar tinha para Rilke um sentido místico. Situado sobre uma colina, com ampla visão dos alpes a leste e oeste, a passagem do rio Ródano no meio dos vales, nos remete ao sagrado. Há algo nesta paisagem que não se explica. Uma visão mágica que inspira um forte sentimento de transcendência.
Igreja de Rarogne, ao lado da qual está enterrado Rilke. photo: jfinatto |
túmulo de Rilke. Rarogne. photo: jfinatto |
A cidade de Sierre, na qual cultivou relações, mostra interesse pela memória do poeta, a começar pela Fundação Rilke² ali existente. Numa livraria, porém, os livreiros mal conheciam seu nome, o que me causou certo espanto. Talvez por ser um devoto da poesia rilkeana esperava mais. Encontrei poucos livros dele na estante, comprei seus poemas franceses.
Já escrevi no blog sobre como descobri seu túmulo solitário e coberto de neve e da emoção que senti ao ler o famoso epitáfio inscrito na rósea e gelada pedra tumular.³
epitáfio do poeta. photo: jfinatto
Rosa, ó pura contradição,
volúpia,
de ser o sono de ninguém
sob tantas
pálpebras. 4
|
Caminhei ao léu nas ruas solitárias e geladas de Sierre. Admirei da estrada o castelo de Muzot com seu quintal, a parreira e o banco.
Memórias de um poeta que me acompanha desde a adolescência, a quem sempre serei grato pelas lições de vida e poesia em seus livros. Cartas a um jovem poeta é um dos grande livros já produzidos pelo homem em todos os tempos. O poeta genial, humilde e cordial que nunca se cansou de tentar desvelar os mistérios de nossa passagem pelo mundo.
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¹ Elegias de Duíno. Rainer Maria Rilke. Tradução e comentários de Dora Ferreira da Silva. Edição bilíngüe alemão-português. Editora Globo, São Paulo, 2001.
² Fundação Rilke:
http://fondationrilke.ch/la-fondation/
³ O epitáfio de Rilke:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2014/12/o-epitafio-de-rilke.html
4 Tradução de Manuel Bandeira, em sua Antologia Poética, Livraria José Olympio Editora, 7ª edição, Rio de Janeiro, 1974.
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Texto revisto, publicado em 13 de novembro, 2016.
Amo este escritor. E que lírico foi tua caminhada.
ResponderExcluirValeu, Adriana.
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