Uma antologia de poesia brasileira e uma máquina de costura. Que relação têm essas coisas? Nenhuma aparentemente. Mas foi através desse inusitado encontro que li, pela primeira vez na vida, um poema de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987).
Gosto de lembrar e contar essa história. Numa casa de gente pobre como era a nossa, livro raramente entrava, era artigo de luxo. Eu tinha 15 anos e minha mãe comprou a máquina de costurar pra cuidar das roupas da família.
Por feliz iniciativa do fabricante (ou da loja que vendia o produto, nunca soube), junto com a máquina vinham duas antologias: a de poesia brasileira e uma outra de poetas portugueses. Os dois volumes eram pequenos e grossos (trago-os até hoje na estante, são os livros que estão comigo há mais tempo).
A força viva da palavra apresentou-se diante de meus olhos quando li Cantiga de viúvo do bardo de Itabira. Algo estremeceu dentro de mim, uma porta se abriu e nunca mais fechou.
Como podia alguém escrever aquelas coisas, daquele jeito?
Havia tanto sentimento e beleza naqueles versos que me emocionei com a viuvez do poeta. Drummond tinha só 28 anos quando publicou Alguma Poesia, em 1930, seu primeiro livro, no qual está incluído o poema. Ele não era viúvo, pelo contrário, estava na flor da juventude e trilhava o caminho do conhecimento amoroso. A comovente história do poema tinha brotado da imaginação e da sensibilidade do escritor.
O texto drummondiano transmutou invenção em realidade na alma do adolescente leitor que eu era. Me tocou fundo a solidão do homem perplexo e sofrido ante a perda do seu amor.
Concluí que, se era possível dizer tais coisas com palavras tão simples, então valia a pena escrever. Despertar emoção e capacidade de sentir dor e alegria faz parte da missão dos poetas.
Fiquei para sempre com aquela impressão de força e limpeza da expressão escrita do poeta mineiro, confirmada depois de travar conhecimento com sua obra.
Drummond é uma lição perene de poesia.
Cantiga de viúvo²
A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo.
Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.
Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada...
acabou.
________________
¹Foto colhida na internet. O crédito será dado tão logo conhecido o autor.
²Poema do livro Alguma poesia, da antologia Reunião, 10 livros de poesia de CDA. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1977.
Também sobre Drummond: A memória do Coração:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04/memoria-do-coracao.html
Gosto de lembrar e contar essa história. Numa casa de gente pobre como era a nossa, livro raramente entrava, era artigo de luxo. Eu tinha 15 anos e minha mãe comprou a máquina de costurar pra cuidar das roupas da família.
Por feliz iniciativa do fabricante (ou da loja que vendia o produto, nunca soube), junto com a máquina vinham duas antologias: a de poesia brasileira e uma outra de poetas portugueses. Os dois volumes eram pequenos e grossos (trago-os até hoje na estante, são os livros que estão comigo há mais tempo).
A força viva da palavra apresentou-se diante de meus olhos quando li Cantiga de viúvo do bardo de Itabira. Algo estremeceu dentro de mim, uma porta se abriu e nunca mais fechou.
Como podia alguém escrever aquelas coisas, daquele jeito?
Havia tanto sentimento e beleza naqueles versos que me emocionei com a viuvez do poeta. Drummond tinha só 28 anos quando publicou Alguma Poesia, em 1930, seu primeiro livro, no qual está incluído o poema. Ele não era viúvo, pelo contrário, estava na flor da juventude e trilhava o caminho do conhecimento amoroso. A comovente história do poema tinha brotado da imaginação e da sensibilidade do escritor.
O texto drummondiano transmutou invenção em realidade na alma do adolescente leitor que eu era. Me tocou fundo a solidão do homem perplexo e sofrido ante a perda do seu amor.
Concluí que, se era possível dizer tais coisas com palavras tão simples, então valia a pena escrever. Despertar emoção e capacidade de sentir dor e alegria faz parte da missão dos poetas.
Fiquei para sempre com aquela impressão de força e limpeza da expressão escrita do poeta mineiro, confirmada depois de travar conhecimento com sua obra.
Drummond é uma lição perene de poesia.
Cantiga de viúvo²
A noite caiu na minh'alma,
fiquei triste sem querer.
Uma sombra veio vindo,
veio vindo, me abraçou.
Era a sombra de meu bem
que morreu há tanto tempo.
Me abraçou com tanto amor
me apertou com tanto fogo
me beijou, me consolou.
Depois riu devagarinho,
me disse adeus com a cabeça
e saiu. Fechou a porta.
Ouvi seus passos na escada.
Depois mais nada...
acabou.
________________
¹Foto colhida na internet. O crédito será dado tão logo conhecido o autor.
²Poema do livro Alguma poesia, da antologia Reunião, 10 livros de poesia de CDA. Livraria José Olympio Editora, Rio de Janeiro, 1977.
Também sobre Drummond: A memória do Coração:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2010/04/memoria-do-coracao.html
__________
Texto republicado, editado antes em 31.10.83
Nenhum comentário:
Postar um comentário