quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

La que "Nunca tuvo novio"

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


La que Nunca tuvo novio. A melodia nostálgica, suave e doce deste tango de 1930 (Augustín Bardi e Enrique Cadícamo) me levou a encontrar a mulher que nunca teve namorado, que triste!

E a vi horas sem fim na janela, olhando a calle desierta, onde algum moço passava de vez em quando, e ela então sonhava. Mas o moço apenas passava diante de sua janela, todos os moços passavam e se iam para outras moças em outras calles.

Ela morava com a mãe, cuidava da casa e dos sobrinhos. Numa calle com casas coloridas e flores humildes nas janelas, num bairro distante.

Uma ruazinha perdida em Buenos Aires, um lugar escondido de Deus, um ermo esquecido ao sul do planeta. Igual a tantos no mundo. Lá ela morava.

Aos sábados, la que nunca tuvo novio se enfeitava com um vestido florido que ela mesma fizera e se ia pelas ruas do barrio com a sombrinha lilás doendo sob o sol. Olhava as vitrines, conversava na praça com as vizinhas, tomava refresco do vendedor ambulante. Saboreava algodão doce. Esperava.

Depois voltava sozinha pra casa por ruas estreitas. Assim passaram-se os anos. As amigas de infância se casaram, depois as filhas delas. A vida passou. E as vizinhas diziam: la que nunca tuvo novio. Pobrecita!

Essas coisas eu vi e senti enquanto ouvia o tango portenho. Caminhei pela calle triste da pobre moça que nunca teve namorado.

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Texto revisto, publicado em 24 de janeiro de 2015.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

Enchendo o saco de Deus

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


AS BARBARIDADES que o ser humano faz todos os dias. Seremos nós um ato falho da criação? Fico pensando nessas coisas que me perseguem desde os tempos do Dilúvio.

Está escrito em Gênesis 6: 5-8: "Por conseguinte, Jeová viu que a maldade do homem era abundante na terra e que toda inclinação dos pensamentos do seu coração era só má, todo o tempo. E Jeová deplorou ter feito os homens na terra e sentiu-se magoado no coração."

"De modo que Jeová disse: "Vou obliterar da superfície do solo os homens que criei, desde o homem até o animal doméstico, até o animal movente e até  a criatura voadora dos céus, porque deveras deploro tê-los feito." Mas Noé achou favor aos olhos de Jeová."

O Dilúvio veio, choveu durante quarenta dias e quarenta noites, destruiu tudo, salvo Noé, sua família e os animais que levou junto na famosa arca. A vida recomeçou.

A solidão e a tristeza de Deus me comovem. Não se sentirá Ele muito sozinho, sem ter com quem conversar, em tempos de tanta maldade e incompreensão como agora? Terá o Criador alguém com quem desabafar nas horas difíceis?
 
Refiro-me àqueles dias em que Ele olha para a Terra e assiste ao deplorável espetáculo que continua sendo apresentado por homens e mulheres. Como se sente um Pai ao ver os filhos nos descaminhos da perversidade, do puro egoísmo, sem falar na solene indiferença ao sofrimento dos outros? Deve ser muito doloroso.

Espero que Deus perdoe a minha intromissão em seus assuntos de foro íntimo. Ainda mais partindo da milionésima parte de um grão de areia como eu.

O pensamento é o parque de diversões de filósofos, poetas e outros seres inúteis. Essa gente que passa os dias obstinada em encher o saco de Deus como se o Criador não tivesse mais o que fazer.

Eu aqui nessa puta solidão a querer falar da solidão do Todo Poderoso. Tem gente que não se enxerga.
 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

A propósito do Troféu Apolinário Porto Alegre 2020

 Niamara Pessoa Ribeiro

Graduada em Letras e Especialista em Teoria Literária. Porto Alegre.


Niamara Pessoa Ribeiro


Caro amigo Finatto.


Um brinde ao seu sucesso pelo Prêmio Troféu Apolinário Porto Alegre 2020, da Academia Rio-Grandense de Letras. 

A homenagem da Academia ao seu talento não surpreende, mas sim enaltece e envolve a todos os leitores na alegria de ver o que o seu coração e o seu intelecto já sabem, quando, com todas as entranhas, o senhor elabora as letras do alfabeto, que surgem novas em suas mãos.

Também não surpreende a distinção ao seu livro, pois observei que “Navegador”, incluso no título de sua premiada publicação, já prenunciava o destino de que estamos falando.

Comecei a comparar o que é dito de certos símbolos e suas prováveis dicas herméticas ... assim ... divagando ...

Cristo, “Pastor” (do rebanho humano).

Maçons, “Pedreiros” (buscando construir sociedades igualitárias).

São José, “Carpinteiro” (entalhando modelos de qualificação humana).

Apóstolos, “Pescadores” (de almas).

Deus ultérrimo, “Pai” (Modelo original ao qual retornaremos).

E... “Navegador”... Mestre Supremo, designação abrangente, ocultando função além-náutica...

E o senhor, Navegador do fazer literário, já no título da obra prognosticou a vitória do Barco de Papel.

Parabéns pela merecida homenagem. Parabéns, Navegador, Mestre Supremo na segurança com que conduz as palavras ao longo de ondulações, ventos, da imensidão do mar de ideias e sentimentos.

Navegador preciso, o senhor e seu Barco nos conduzem mais além.

E vamos navegar, pois o senhor, Doutor Finatto, autor/comandante, se mostra preciso, mesmo atravessando águas da vida nas quais precisão alguma acena para os que saem da imobilidade terrena para se alçar sobre a líquida mobilidade de águas perigosas e atraentes.

Esses são os navegadores que vão a distâncias e de lá nos trazem o fruto de suas observações.

Esses são os bravos navegadores que nos permitem ser maiores por meio de seus barcos repletos de poéticas criações.

Creio representar a voz coletiva de leitores ao dizer o quanto sou grata pelo fato de o senhor aportar suas naves em nossos ancoradouros.

Os grandes navegadores se lançam aos mares, e os mais corajosos o fazem pela filosofia poética, arrojando-se em barcos de papel. O senhor é um deles. Sabe dominar esses mares.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020

Prêmio Academia Rio-Grandense de Letras 2020

 Jorge Finatto


O livro Navegador de barco de papel conquistou nessa segunda-feira, 14 de dezembro, o Prêmio Academia Rio-Grandense de Letras 2020, na categoria crônica, recebendo o Troféu Apolinário Porto Alegre. 

Em cerimônia virtual, foram divulgados os vencedores do concurso que destacou, também, as categorias romance, narrativa curta, tese acadêmica ou dissertação, poesia e livro infantil.

Sensibilizado e muito feliz pelo reconhecimento, agradeci à notável instituição cultural que é a Academia Rio-Grandense de Letras, fundada em 1901. Trata-se de um grande estímulo para seguir neste difícil caminho da literatura.

Dediquei o prêmio aos poetas e escritores que, através do trabalho solitário e silencioso, contribuem para a humanização da nossa sociedade. 

A bela capa e as ilustrações do livro foram concebidas por Clara Finatto, minha talentosa filha.

Agradeço de coração a honrosa distinção.

domingo, 13 de dezembro de 2020

Em busca da rosa

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


Não suspiro
pelo tempo
que passou

não planejo
navegações
em solitário
através do oceano

não almejo a fuga
até a constelação
de Rio Erídano

tudo isso
eu fiz
e foi em vão

quero ficar
contigo
íntimo como
um segredo

como gotas
de chuva
sobre a rosa

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Os sintomas da alegria

 Jorge Finatto

photo: jfinatto



Acordou com uma insuportável vontade de viver. Foi no tempo da peste covid-19. Abriu a janela do quarto e recebeu no corpo o ar fresco do amanhecer. Respirou fundo. Olhou o Contraforte dos Capuchinhos ao longe. Suspirou, fechou os olhos. 

Descobriu que as velhas mágoas e dores já não doíam como antes. Passaram porque tudo tem que passar. Porque o perdão é talvez  o melhor dos remédios. 

A peste também haveria de passar.

Sentiu uma terrível vontade de agradecer. Estava vivo, respirava e olhava as montanhas junto à janela. A morte, esse injusto evento, nunca teria a palavra final. Era apenas uma mudança de capítulo. Uma passagem para algo desconhecido e, provavelmente, melhor. 

A vida é um milagre que germina do encontro de dois ermos. O tempo não é inimigo, antes um aliado. Uma estrada. Uma estrela em movimento na escuridão. Há beleza até nas marcas que o tempo esculpe na face. 

Existe um universo inteiro de perguntas. Mas as respostas essenciais não estão disponíveis.

Somos parte do mistério. 

Somos o mistério.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

Açores

 Jorge Finatto

No meio da noite oceânica de Angra do Heroísmo, um passeio pela rua deserta. Onde se ouvem as histórias do mar e a conversa de velhos fantasmas de marinheiros em navios afundados.


Sé de Angra do Heroísmo. Açores.
photo: jfinatto