quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Abacaxi-rei

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


VALEI-NOS, Abacaxi-Rei, Soberano Ananás, do alto da tua coroa espetada. A ti, em última instância, recorremos.

Quem vai embraçar a bromeliácea? Quem terá a fineza de arrancar-lhe a injusta crosta para que possamos, todos, após o generoso gesto, degustar a doce infrutescência à mesa solidária?
Enquanto não aparece a alma gentil pra fazer o serviço, ficamos todos a admirar a fruteira sobre a mesa com o hermético fruto dentro. Como um bebê em berço esplêndido.
De novo e sempre, a indigesta pergunta nos assola: quem vai empalmar o rude naná e desvelar-lhe a dolce polpa?
Valei-nos, Magnífico Abacaxi! Não nos deixeis à mercê do canto solerte e fatal de sectárias sereias, pois não passamos de indefesas criaturas à sombra de solenes palmeiras nessas praias onde o mar verde balança.
Mostrai-nos, Augusto Ananás, o caminho da obscura e indizível doçura por trás da terrível realidade que nos fecha ao paladar da dignidade, da esperança e da alegria.

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excerto do texto publicado no livro Navegador de barco de papel.

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