segunda-feira, 5 de julho de 2010

Poesia de Vinicius de Moraes na internet

Jorge Adelar Finatto


Para os que admiram a obra de Vinicius de Moraes (1913 - 1980) - e não somos poucos neste vasto mundo -, eis que surge uma bela notícia: a sua poesia completa agora está disponível na internet para leitura e o acesso é livre.  O mérito da iniciativa é da Universidade de São Paulo, através da Brasiliana  Digital , e das pessoas que detêm os direitos autorais sobre a obra do poeta, que autorizaram a publicação no meio virtual.

Os quinze livros que tiveram textos e imagens digitalizados reúnem a produção poética do autor e são provenientes da biblioteca do bibliófilo José Mindlin.

A Brasiliana Digital integra o projeto Brasiliana USP, que reúne notável coleção de livros e documentos de e sobre o Brasil . O trabalho, de imenso valor cultural e social, está em permanente construção. A Brasiliana Digital parte da digitalização do acervo de José Mindlin, que ele construiu ao longo de 80 anos e doou, juntamente com sua família, à universidade , e se estende a outros acervos da USP. É uma documentação preciosa que começa a ser colocada na rede mundial de computadores, já contando com vários títulos. O endereço é: www.brasiliana.usp.br.

No dia 09 de julho completam-se 30 anos da morte de Vinicius, um dos grandes poetas da língua portuguesa. Também por isso, vem em boa hora a edição digital de tão importante obra.
 
Cumprimentos à USP e a todas as pessoas envolvidas nessa extraordinária iniciativa.

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Foto: Vinicius de Moraes. Divulgação. Fonte: O Estado de S. Paulo (www.estadao.com.br), edição de 23/6/2010.

sábado, 3 de julho de 2010

Cresce interesse pela poesia de Henrique do Valle

Jorge Adelar Finatto


Tenho recebido mensagens de pessoas interessadas em conhecer a vida e a obra do poeta Henrique do Valle. Na busca de informações, acabam encontrando o post que publiquei sobre Henrique, em 1º de fevereiro passado.

Recomendo a todos a leitura dos livros que ele publicou, editados pela Editora Movimento, de Porto Alegre.

Esse crescente interesse pela obra do Henrique é algo que me deixa muito feliz. Acredito que essa luz crescerá cada vez mais, ocupando o espaço que lhe cabe pela qualidade dos versos que deixou.

Falar da poesia do Henrique é também recordar um ser humano muito especial, que vivia numa outra dimensão, à margem da sociedade materialista. Não sei como explicar. A obra que ele escreveu até os 21 ou 22 anos, idade em que morreu, é mesmo impressionante. 

Guardo os textos que ele  deixou comigo no envelope antes de partir, no qual creio existem diversos inéditos. Tínhamos quase a mesma idade.   Atravessamos juntos a chuva e o frio do inverno de Porto Alegre. Às vezes acabamos em algum barzinho perdido, bebendo alguma coisa e conversando. Mas era talvez no silêncio onde mais nos encontrávamos.
 
O Henrique esteve no mundo por breve tempo, e o que deixou escrito veio de uma experiência que não cabia no curto tempo que ele viveu.
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Foto: Henrique do Valle. Fonte: contracapa do livro Do Lado de Fora, Editora Movimento, Porto Alegre, 1981.

sexta-feira, 2 de julho de 2010

De mal en peor

Jorge Adelar Finatto

"Cuando Dios hizo la luz, 
 yo ya debía
 tres meses."

Um dos encantos na vida de quem sai a caminhar pelas ruas das cidades que visita é descobrir a maneira de ver  o mundo dos habitantes do lugar através de coisas como as inscrições feitas nos muros e paredes. Os famosos grafites. Em Porto Alegre, no mais das vezes, nada mais são do que poluição visual lançada no cenário urbano, agressivos, grotescos, sem sentido. Nem sempre é assim. Em Montevidéu, por exemplo, é diferente. É comum encontrarmos na capital do Uruguai inscrições com algum teor de filosofia, política, crítica social, poesia e até humor, como a que se vê acima.

Fundação José Saramago propõe Baltasar Garzón para Prêmio Nobel da Paz

 


Por estar envolvido na defesa dos Direitos Humanos e por nunca ter baixado a cabeça diante de nenhum estratagema e de nenhum poder, porque acreditou na justiça universal para as vítimas, em qualquer continente e em qualquer país.

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Notícia publicada ontem, 1º de julho, pela Fundação José Saramago em seu site:

http://www.josesaramago.org/

Foto: Baltasar Garzón e José Saramago, Lisboa, dezembro de 2008. Arquivo da FJS.

Baltasar Garzón*

 José Saramago

O juiz Baltasar Garzón deixou em Lisboa uma lição do que é ou deve ser o Direito. A verdade é que, em sentido estrito, do que se falou no acto organizado pela Fundação foi de Justiça. E de sentido comum: dos delitos que não podem ficar impunes, das vítimas a quem tem de ser dada satisfação, dos tribunais que têm de levantar alcatifas para ver o que há por baixo do horror. Porque muitas vezes, por baixo do horror, há interesses económicos, delitos claramente identificados perpetrados por pessoas e grupos concretos que não podem ser ignorados em Estados que se proclaman de direito. Quem sabe se os responsáveis dos crimes contra a humanidade, que de outra forma não posso chamar a esta crise financeira e económica internacional, não acabarão processados, como o foram Pinochet ou Videla ou outros ditadores terríveis que tanta dor espalharam? Quem sabe?

O juiz Baltasar Garzón fez-nos compreender a importância de não cair na vileza uma vez para não ficar para sempre vil. Quem conculca uma vez os direitos humanos, em Guantánamo, por exemplo, atira pela borda fora anos de direito e de legalidade. Não se pode ser cúmplice do caos internacional com que a administração Bush infectou meio mundo. Nem os governos, nem os cidadãos.

Um auditório multitudinário e atento seguiu as intervenções do juiz com respeito e consideração. E aplaudiu como quem ouve não verdades reveladas, mas sim a voz efectiva de que o mundo necessita para não cair em na permissividade da abjecção.

A Fundação está contente: fizemos o que pudemos para recordar que há uma Declaração de Direitos Humanos, que estes não são respeitados e que os cidadãos têm de exigir que não se tornem em letra morta. Baltasar Garzón cumpriu a sua parte e tê-lo posto a claro esta tarde em Lisboa só pode fazer com que nos felicitemos.

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*Publicado com autorização da Fundação José Saramago
http://www.josesaramago.org/
Texto extraído do blog O Caderno de Saramago
http://caderno.josesaramago.org/.
Publicado originalmente em 12 de dezembro, 2008.
A grafia é a de Portugal.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Depois de tudo

Jorge Adelar Finatto


Depois de tudo ele quer só um banho. Não o tagarela e desajeitado das enfermeiras. Anseia um banho demorado, com direito de ficar só, recolhido, senhor de seus domínios. Durante o tempo em que esteve longe do mundo e do próprio corpo, viajando na nuvem de morfina, sonhava em sentar debaixo de uma cachoeira e ali ficar um dia inteiro sentindo a água cair.

Havia muitas árvores nesse lugar, camélias brancas, pássaros, um ar carregado de fragrância de mato, bom de respirar. Havia também uma mesa larga e comprida, onde gente da família e amigos se encontravam para o café da tarde. Até  os desaparecidos se chegavam na mesa para conversar com ele. Até mesmo o pai, imemorial ausência, surgiu no sonho e o abraçou calidamente, como nunca antes fizera.

Reencontrou o córrego da infância, entre os pinheiros. Caminhou sobre os seixos, olhou o movimento ligeiro e colorido dos peixes na água. Recordou o jeito da  saíra entrar e sair do ninho. A suave luz de maio a tudo envolvia.

Agora está de novo em seus domínios,  o hospital ficou pra trás. Embaixo do chuveiro, a água morna escorrendo na cabeça, no corpo, ninguém pra segurá-lo, virá-lo dum  lado pra outro feito joão-bobo. Sob a água, sentindo os seixos nos pés, o vento leve na face, os peixes no córrego, conversas na mesa larga dos afetos, ele celebra a dádiva de estar vivo.

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Foto: J. Finatto

terça-feira, 29 de junho de 2010

Queremos bem a Goethe

Jorge Adelar Finatto


Não tenho tempo nem a necessária disposição para, a essa altura, aprender alemão gótico. O muito pouco que sei do idioma de Goethe aprendi com Púbi Mann, o maior germanófilo vivo de Passo dos Ausentes. O Púbi esteve ontem aqui em casa, bastante preocupado com uma notícia publicada na Folha de São Paulo, edição de 26 de junho passado, de autoria de Lucas Ferraz. Diz  a matéria que um acervo com mais de seis mil volumes, reunindo obras de autoria de Johann Wolfgang  von Goethe (1749-1832) e outras a seu respeito, está guardado sem o devido cuidado na biblioteca do Ministério da Justiça, em Brasília.

Trata-se, conforme o adido cultural da Alemanha, Holger Klitzing, de uma coleção impressionante. Talvez seja o mais importante conjunto de livros sobre o grande escritor alemão na América latina. Há obras do final do século 17, entre elas algumas artesanais e ilustradas a ouro. A maior parte foi editada entre 1780 e 1860 e está escrita em alemão gótico seiscentista. Outras foram escritas em alemão contemporâneo, inglês, francês, italiano, espanhol e português.

Os livros foram comprados pelo governo brasileiro há cerca de 40 anos, quando era Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, que gostou muito da coleção, à venda na livraria Kosmus, do Rio de Janeiro. Segundo livreiros, o preço pago então, Cr$ 80.000,00 - equivalente hoje a quase R$ 70.000,00 - estaria muito abaixo do valor real.

Conforme noticiado, o governo diz que irá restaurar a rara coleção até 2011.

Púbi Mann está inconformado, porque os livros apresentam  mofo, estão em estado sofrível, desorganizados e sem possibilidade de consulta pelo público.

- Os livros estariam melhor cuidados aqui em Passo dos Ausentes - , disse Púbi, que é o guardião da nossa pequena biblioteca.

Dom Sigofredo de Alcantis, nosso filósofo, inteirou-se de tudo o que estava se passando. Ele e Púbi são os únicos da cidade que entendem alemão gótico. Em certas tardes, reúnem-se para ler, em voz alta, textos de Goethe na Praça da Ausência, na presença de estudantes, para os quais, em seguida, fazem a tradução , transmitindo noções do idioma alemão.

Depois de planejar uma ida a Brasília para tentar influir no destino e na salvação do importante acervo, Púbi Mann e Dom Sigofredo desistiram da ideia, devido às peculiares condições atmosféricas reinantes aqui nos Campos de Cima do Esquecimento. 

A chuva, a neblina, a geada, o vento e o frio não nos dão trégua  o ano inteiro. Vivemos, a duras penas, a 1.800 metros de altitude, nem sequer estamos no mapa do Rio Grande do Sul. Somos poucos e invisíveis. Ninguém chega, ninguém sai.  A única estrada que nos liga ao mundo está, como sempre, intransitável. Em suma, não há nada de novo sob as névoas eternas de Passo dos Ausentes. Mas queremos bem a Goethe.

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