Jorge Adelar Finatto
Depois de tudo ele quer só um banho. Não o tagarela e desajeitado das enfermeiras. Anseia um banho demorado, com direito de ficar só, recolhido, senhor de seus domínios. Durante o tempo em que esteve longe do mundo e do próprio corpo, viajando na nuvem de morfina, sonhava em sentar debaixo de uma cachoeira e ali ficar um dia inteiro sentindo a água cair.
Havia muitas árvores nesse lugar, camélias brancas, pássaros, um ar carregado de fragrância de mato, bom de respirar. Havia também uma mesa larga e comprida, onde gente da família e amigos se encontravam para o café da tarde. Até os desaparecidos se chegavam na mesa para conversar com ele. Até mesmo o pai, imemorial ausência, surgiu no sonho e o abraçou calidamente, como nunca antes fizera.
Reencontrou o córrego da infância, entre os pinheiros. Caminhou sobre os seixos, olhou o movimento ligeiro e colorido dos peixes na água. Recordou o jeito da saíra entrar e sair do ninho. A suave luz de maio a tudo envolvia.
Agora está de novo em seus domínios, o hospital ficou pra trás. Embaixo do chuveiro, a água morna escorrendo na cabeça, no corpo, ninguém pra segurá-lo, virá-lo dum lado pra outro feito joão-bobo. Sob a água, sentindo os seixos nos pés, o vento leve na face, os peixes no córrego, conversas na mesa larga dos afetos, ele celebra a dádiva de estar vivo.
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Foto: J. Finatto
Sincronicidade, Adelar.
ResponderExcluirHá pouco tempo reelaborei um poema que falava do ser humano, nesta última quadra da vida, e seus percalças e dores.
Fiz a postagem no blog e creio que nos preocupamos com este momento. Tu numa abordagem mais íntima, eu num tom mais social.
Precisamos, mesmo, banhar nossos corpos e almas numa cascata de purificação...
Abraço.
Ricardo Mainieri