segunda-feira, 2 de setembro de 2013

A casa de Federico García Lorca em Granada

Jorge Adelar Finatto

 
photo: j.finatto. Sierra Nevada, Espanha

A viagem de trem de Sevilha a Granada dura cerca de três horas. Quando nos aproximamos da cidade, surge na janela a visão de Sierra Nevada, um quadro maravilhoso.

Viajar de trem é uma das belezas desta vida. No tempo de menino, lembro dos percursos entre Porto Alegre e Caxias do Sul. O trem subia a serra lentamente, à beira de córregos e pinheirais, contornando abismos. Havia aqui e ali uma cascata se derramando na encosta de uma montanha.

 
photo: j.finatto. Casa-Museu FGL, Granada
 
(Infelizmente, o transporte ferroviário foi extinto em nosso país a partir da década de 1950, com a implantação da indústria automobilística e a expansão de setores da economia ligados ao transporte rodoviário. Um erro colossal. Um país com as dimensões do Brasil sem uma rede de trens de passageiros e de cargas é algo inconcebível. O pouco que existe é absolutamente insuficiente. Por conta disso, estradas saturadas e mal conservadas levam a milhares de mortos todos os anos em virtude de acidentes, sem falar nas pessoas que ficam com sérias sequelas físicas. Embora com atraso, o governo federal retoma (dizem) o investimento nos caminhos de ferro.)

 
photo: j.finatto

Casa-Museu Federico García Lorca
photo do poeta: Fundación Federico García Lorca

A noite tornou-se íntima
como uma pequena praça.
(Romance Sonâmbulo)

Volto à Espanha. Ao chegar à Granada, a atenciosa taxista informou-me onde se situa a casa em que Federico García Lorca (1898-1936), uma das minhas devoções literárias, viveu por largos períodos de sua vida. Instalei-me o mais rápido que pude no hotel e fui a pé em direção ao parque que leva o nome do poeta, no qual se situa a Casa-Museu Federico García Lorca. A bela propriedade conserva o nome original, Huerta de San Vicente (homenagem à mãe do escritor, Vicenta). A área do Parque García Lorca é formada por terrenos que pertenceram à família do poeta.

 
photo: j.finatto
 
A casa está localizada a cerca de um quilômetro e meio da região central de Granada. O pai de Lorca adquiriu-a para ser residência de verão (a família tinha outro domicílio no centro da cidade). Foi ocupada pelos Lorca entre 1926 e 1936. Nela o poeta escreveu algumas de suas obras mais importantes. Ali passou os dias que antecederam sua prisão e assassinato, em agosto de 1936, no início da Guerra Civil Espanhola.

Huerta de San Vicente acolheu muitas reuniões e saraus frequentados por artistas e intelectuais. Os dois pavimentos abrigam diversos móveis daquela época, além de quadros e outras obras de arte. Há também manuscritos de Lorca em exposição. Nas paredes, quadros de pintores como Salvador Dali (amigo do poeta), entre outros.

Na sala do piano, apresentaram-se músicos como o próprio Federico (tocava violão e piano) e o também espanhol Manuel de Falla (1876 - 1946), grande compositor, amigo do escritor que tentou em vão impedir seu assassinato.

 
photo: j.finatto. O quarto de Lorca

O quarto do poeta, no qual escreveu parte significativa de seus textos, no pavimento superior, ainda conserva sua escrivaninha e objetos pessoais.

Não é permitido fotografar no interior da casa-museu, que pertence ao município desde 1985. A visita é guiada. O preço varia entre 3 euros (mais ou menos 9 reais) para adultos e 1 euro, havendo também ingressos gratuitos para estudantes e nas quartas-feiras.

 
photo: j.finatto
 
Numa sala anexa à casa, há exposição e venda de livros e de objetos relacionados ao poeta andaluz.
 
Um lugar acolhedor com pátio florido, árvores e bancos para sentar. Bom para ler, respirar e pensar, em meio à fragrância do roseiral que cerca a casa. Um lugar que faz lembrar a força terrível, desumana e avassaladora do fascismo que ceifou, sem qualquer razão além do ódio injustificado, a vida de Lorca.

 
photo: j.finatto

Neste lugar de memória, história e arte, parece que a qualquer momento vamos escutar a risada do poeta, sua fala e seu violão gitano.

Alguém, em Granada, perguntou o que, afinal, me levou àquela cidade. Ora, respondi, vim para visitar o poeta Federico em sua amada casa. E para ler seus poemas neste jardim de silêncio.

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Leia mais sobre Federico García Lorca:

A memória em busca do poeta:
 
 
Texto publicado originalmente em 12 de janeiro, 2012.
 

sexta-feira, 30 de agosto de 2013

É dura a vida de pássaro

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

Nesses dias de frio, chuva, neblina e neve (às vezes esses fenômenos ocorrem num mesmo dia em Passo dos Ausentes), os pássaros encontram dificuldade em se alimentar. Parece que a oferta de alimentos na natureza diminui para eles (ou a possibilidade de acesso torna-se mais difícil). Este é um conhecimento empírico que tenho do assunto.
 
Quando a última neve caiu (entre segunda e terça passadas), coloquei os potes com banana na sacada do escritório sobre a neve que se acumulava numa espessura de três a quatro centímetros. Fiz isso depois que vi um passarinho na árvore diante da janela com todo aquele frio. Não demorou muito, vários vieram comer (como fazem todos os dias), pisando na borda dos potes.

photo: j.finatto

Me impressionou a quantidade de passarinhos que se chegaram, mesmo com tempo tão adverso. Renovei três vezes a porção de bananas durante o dia. Estavam mais famintos do que o normal. Talvez o frio excessivo.

Aqui ainda tem verde, espaço pra voar, fazer ninhos e criar os filhotes.
 
photo: j.finatto

Nas grandes cidades, porém, a vida das aves passa por imensas dificuldades. No ambiente hostil, a sobrevivência delas é tarefa muito complicada.
 
Onde vão achar árvores para construir suas casas? Onde vão buscar o alimento? E a fumaça e barulheira dos veículos (sim, as aves escutam), e os paredões dos edifícios?

 É dura a vida de pássaro.
 
Quando o ambiente que o homem constrói (?) se deteriora e já não é capaz de acolher esses seres, estamos perdendo espécies viventes e nos matando.
 
Quando estou em Porto Alegre, tenho a sensação de estar num lugar cada vez mais triste e sem perspectiva. O movimento ambientalista, que um dia foi forte entre nós, definhou. A força do dinheiro tomou conta de todos os setores da vida. A indiferença e a maldade venceram embrulhadas em bonitos pacotes de promessas falsas. 
 
Existe uma praça perto de onde tenho casa, em Porto Alegre, em que alguém ou alguéns fez ou fizeram um recanto para alimentar os passarinhos. Naquele lugar colocam frutas. É um pequeno gesto de resistência que revela consciência e solidariedade.

photo: j.finatto

Não sei se isso será suficiente, na verdade acho que não será. Mas quem age dessa forma cultiva algo mais do que retórica ecológica, e semeia esperança.

Num outro recanto da praça, é comum a presença da marmanjos tomando chimarrão e fumando maconha. Uma mistura de tradição com vontade de voar talvez. O cheiro é insuportável e, desses pássaros, eu passo o mais longe que posso.

photo: j.finatto
 
Agora estou em Passo dos Ausentes. Os pássaros se alimentam.  Pulam nos galhos próximos, vêm até os potes, comem em paz, regressam às árvores. Faz uma sexta-feira de quase primavera. Tenho o encanto de ouvi-los cantar. Um cálido concerto a céu aberto. No que me concerne, esse é um momento que merece ser vivido. 
 

terça-feira, 27 de agosto de 2013

O tecido da neve

Jorge Adelar Finatto
 
De manhã, a paisagem ficou assim.
  
photo: j.finatto. 27.8.2013

 
photo: j.finatto.

 
photo: j.finatto


photo: j.finatto. Eta vida difícil.


photo: j.finatto


photo: j.finatto

 

Notícias da neve

Jorge Adelar Finatto
 
photos: j.finatto. Neve em Canela. 27/8/2013
 
Caminhar pelo jardim é uma maneira de andar dentro de si mesmo por veredas interiores. Foi o que fiz há poucas horas atrás, em busca da companhia suave das plantas e do aroma dos jasmins de inverno.

O que encontrei foi a neve caindo, caindo, em silêncio em volta da casa. Peguei a Coruja e fiz essas imagens. Depois tudo ficou muito mais branco e fofo, mas aí eu já estava em casa, fugindo do frio de -2º C. 
 
Bem-vinda sejas, neve de quase setembro!
 
 
photo: j.finatto. 27/8/2013
 


photo: j.finatto. 27/8/2013
 


photo: j.finatto. 27/8/2013
 


photo: j.finatto. 27/8/2013
 

A fala de Pedrolino

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto. Venezia. Os mascarados


Pertenço à ordem dos amorosos sem camélia.

Os que amaram e se pensaram amados sem o ser. Os que saíram cedo da festa. Os quase.
 
A dama. Meu coração perdido no infinito tabuleiro. O mundo é lugar de barbaridades. Dor, dores.
 
Chamava-se Alberta, Alberta de Montecalvino. Pertencia à nobre estirpe dos Albertos, de Passo dos Ausentes. Foi quando a vida aconteceu.
 
O sol brilhou entre as nuvens. Iluminou a escuridão da vida minha. O triste que eu sou.

A Commedia dell'Arte invadiu a minha existência. Pedrolino, Pierrô.
 
Estava na janela da mansarda, como sempre, olhando a vida passar.

Então ela atravessou a rua. Trazia a sombrinha vermelha, o vestido branco, laço azul na cintura. Os sapatinhos amarelos. Olhou pra mim e sorriu. Rasgou minha solidão.
 
Bailei no ar como folha de plátano no outono, lentamente fui cair a seus pés. Desci correndo, pulando os degraus da escada em espiral. Segui o inefável perfume. Enfim, alcancei a dama.
 
Perguntei se podia fazê-la feliz. Sim, sim. 

photo: j.finatto. Venezia
As iluminações.

Passamos a freqüentar a Praça da Ausência, nas tardes ocres daquele outono. Um dia peguei-lhe na mão. Meu coração cavalo louco. Não dormi durante três noites.
 
Alberta meu sentimento. Camafeu cravado na minhalma. Ela me deu o lencinho branco perfumado, a letra A bordada em lilás. Guardei-o num lugar secreto, bem no fundo de mim.
 
Aqueles eram dias de ora-veja.
 
A dama, o tabuleiro, eu nunca aprendi a jogar.

Não canto outros amores, que não os tive, e, se os tivesse, silenciaria.
 
Então Arlequim apareceu. Os ódios pularam dentro de mim.

Arlequim e seus guizos, seus versos de algibeira, sua palavra sem valia, seu alaúde. Ser miserável.
 
Arlequim disse coisas, deitou falas, expandiu-se em canções. Antes calasse.

Bazófias.
 
Arlequim se espalha no mundo. Faz ares. Blasona. Explorador de amores, ladrão de musas. Arrebatou o coração de Alberta, os suspiros, até o corpo de violino que eu nunca toquei.
 
Eu calado sonhador do fim do mundo. Os devaneios da alma. Voltei só pra mansarda. Nem acreditei.
 
Quem me visse, a face esculpida da dor. Veio o inverno. Invernos.
 
O vero solitário da rua triste. O que olha a vida da janela. O que foi quase feliz.
 
O sem camélia.
 
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Texto publicado em 09 de junho, 2010.
Do livro Calado sonhador do fim do mundo. Editora Vésper, 2010, Passo dos Ausentes.
Outros detalhes do drama de Pedrolino em A fala do Arlequim, post de 30/10/10, e Alberta de Montecalvino, de 8/11/10. 

domingo, 25 de agosto de 2013

O barco abandonado e a gaivota solitária

Jorge Adelar Finatto
 
photo: j.finatto. local: rio Guaíba.
a gaivota está na parte mais alta do barco. clique na imagem

Era uma vez um velho barco.

Tão, mas tão afundado no tempo, que não pôde mais navegar pelo seu amado rio Guaíba. Nem levar passageiros em direção à Lagoa dos Patos e depois desembocar no Oceano Atlântico para ir ao Rio de Janeiro, viagem que tanta alegria lhe dava quando era mais moço.

O tempo caiu verticalmente sobre o ferro, o curvou e enferrujou.

O vetusto barco foi abandonado sem piedade. Esquecido, mergulhado em lembranças, ele naufragou em si mesmo, em sua espessa solidão.

Passou a morar na beira do Guaíba onde o deixaram à deriva.

O barco perdeu o gosto de viver.

Um dia uma gaivota decidiu habitar a solidão do barco abismado. Ela também era solitária e costumava voar sobre a estrutura que era antes uma ruína que uma embarcação. Sofria ao ver a triste situação do pobre barco. Pensou que ele poderia ser um bom ninho metálico, amplo, arejado, iluminado e com muitas aberturas. Além disso, encontraria nele talvez um bom amigo com muitas histórias pra contar.

Eles conversaram, ela expôs seu plano (estava tão entusiasmada que perdia o fôlego no meio da fala). O barco concordou de imediato (sim, sim, sins, foi o que disse), o coração batendo forte no peito. Ela então se mudou de mala e cuia  para dentro da nova casa, aquele bonito ninho de ferrugem colorida.
 
O barco ficou tão feliz com a idéia, que desistiu de precipitar-se na profundeza das águas (pensamento cada vez mais freqüente nas suas depressões de final de tarde).

Agora ele tinha um motivo pra viver: servir de abrigo para a jovem e bela gaivota. Ela começou a trazer-lhe notícias frescas dos movimentos no rio (navios que chegavam e partiam, roteiros de viagem, direção dos ventos, rumo das nuvens), e também lhe contava novidades da cidade no continente.

A solidão do barco ganhou assim uma querida companhia. Passou a ser conhecido como o velho barco da gaivota solitária. Ele, que renasceu do fundo do esquecimento. Ela, que ganhou um amigo de verdade e um porto seguro na vida.

Dizem que desde então nunca se viram duas criaturas mais felizes nas águas do Guaíba.
 

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Um olhar sobre a lua

Jorge Adelar Finatto

photo: Lua cheia em Belo Horizonte (20/ago/2013)
jornal O Tempo online; autor: Leo Fontes*

Estou olhando pela janela do escritório, madrugada alta, nessa hora em que o silêncio é tão intenso que dá para escutar o orvalho. Espero palavras para escrever alguma coisa.
 
A Lua vai longe e alta sobre as montanhas.
 
A chegada da Lua cheia, na terça-feira passada, 20 de agosto, foi um rotundo acontecimento.
 
Estava eu em viagem, regressando a Passo dos Ausentes pela estrada íngreme de chão batido no Contraforte dos Capuchinhos. Tinha ainda muito chão pela frente - ou muito céu - até chegar aos 1800 metros de altitude da nossa cidadezinha. Foi quando avistei aquela beleza.
 
A Lua imensa se levantava pouco acima dos telhados das casas do campo e das árvores da mata. Parecia estar tão perto que poderia estender o braço e tocar nela com a ponta dos dedos, talvez até fazer um desenho na sua superfície. Era possível ver o relevo do solo e das crateras. Depois de vários dias de Lua nova, o luar resplandecia em toda luminosidade. 
 
Se alguém atravessasse a paisagem lunar de bicicleta naquele instante, seria visível de onde eu estava. O ar transparente, sem luzes da cidade, permitia ver o universo inteiro.

O fato é que eu tinha a Lua nas mãos naquela subida da Serra.

Desci da caminhonete, fiquei olhando, admirando. Um cheiro bom de erva do mato andava no ar. Como eu não trazia a velha Coruja comigo, fiquei sem poder fotografar as lindas feições do nosso satélite natural.

Eu procurei na internet imagens do luar de terça-feira e encontrei essas do fotógrafo Leo Fontes.**
 
photo: Leo Fontes, O Tempo online
 
Valho-me, em boa hora, das belas fotos publicadas no jornal O Tempo*, online, de Minas Gerais, de autoria do Leo (ao qual agradeço a generosidade de autorizar a publicação aqui no blog). É um trabalho artístico de rara felicidade: a Lua cheia iluminando Belo Horizonte naquela noite.
 
Então, como não havia nada mais importante a fazer naquele momento do que admirar a Lua, me sentei no degrau da porta da caminhonete e comecei a descascar e comer laranja, olhando a Lua que era essa mesma da foto do Leo.

Depois de algum tempo, ela começou a diminuir, se distanciar, fazendo seu itinerário. Essa Lua, em outros tempos, foi vista pelos primeiros homens e mulheres que habitaram a Terra.

Luminosa testemunha da história humana a pouca distância acima da nossa cabeça.
 
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*O Tempo: