Jorge Adelar Finatto
O filósofo alemão Theodor Adorno (1903 – 1969) perguntou, em 1949, se era possível escrever poesia depois de Auschwitz.
O pensador da Escola de Frankfurt falou em poesia, mas poderia ter dito música, artes plásticas, filosofia, cinema. Podia ter perguntado também se ainda seria possível comer, caminhar, estudar, ler, trabalhar, amar.
A imensa perda de sentido humano que ocorreu naquele campo de concentração nazista, localizado na Polônia ocupada por forças alemãs durante a Segunda Guerra Mundial, leva inexoravelmente ao silêncio.
Mais de um milhão de judeus foram assassinados ali. Como os demais campos, era fábrica de matar gente. Ciganos, homossexuais, Testemunhas de Jeová e dissidentes políticos também padeceram nesses territórios do inferno, construídos por Hitler e seus sanguinários acólitos.
Como seres humanos puderam fazer aquilo com outros seres humanos, é a pergunta que se impõe. Quando uma dor sem limites como essa toma conta de nós, não temos o que dizer.
Não se trata aqui, bem se vê, do silêncio produtivo, que nos leva para longe do ruído estéril e se faz ouvir através do fértil trabalho criativo.
Adorno, penso eu, referiu-se ao desencanto que nos assola e derruba. O mesmo que, hoje, nos invade diante da violência do mundo, nas ruas das nossas cidades.
A perda de sentido das palavras decorre também do trabalho de desvirtuar significados para manipular comportamentos. Essa perda é fonte de desumanização e está presente na sociedade agora como esteve no passado. Fala-se uma coisa, se diz outra e se faz o oposto disso tudo.
As palavras caem na sombra do sem-sentido.
Contudo, precisamos das palavras como o náufrago precisa da tábua.
A limpeza dos destroços resultantes das tragédias pessoais e coletivas passa pela palavra. Através da linguagem vamos tentar salvar o que pode ser salvo e elaborar uma nova maneira de viver.
A palavra é o único recurso disponível quando tudo em volta desmorona.
Necessitamos da palavra para procurar e construir sentidos onde eles se perderam.
Precisamos da palavra porque somos palavra e não podemos viver sem, seja ela poema ou outra linguagem.
O silêncio absoluto é o silêncio da morte.
Portanto, uma possível resposta à pergunta de Adorno será: não só é possível como imprescindível escrever poesia, apesar de tudo.
A aurora da palavra iluminará outra vez nossas vidas. Reconstruiremos sobre as cinzas.
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Foto: Selo comemorativo do centenário de Theodor Adorno, Alemanha, 2003. Fonte: Wikipédia.
Posição correta a tua, Adelar, a qual ratifico plenamente.
ResponderExcluirA dor tem de ser transmutada, é preciso recolher os estilhaços emocionais e reconstruir , que seja, uma possibilidade.
A Arte, reconheço, tem uma boa porção de catarse e esta ajuda na reparação do tecido emocional.
Por isso, escrevamos, pintemos e elaboremos canções, apesar do mundo confuso & violento ao nosso redor.
Parafraseando um poema meu eu digo:
Game
Bati
à porta da Utopia.
Felizmente
havia alguém
do outro lado...
Abraço.
Ricardo Mainieri
Com certeza meu amigo, a palavra é o único ramo que permanece verde dentro e fora da gente e como uma fruta deve ser colhida no momento certo, e sua semente cultivada com carinho para que possa se juntar a terra e novamente se tornar palavra as vezes doce as vezes amarga!!!
ResponderExcluirCaros Ricardo e White,
ResponderExcluiras palavras de vocês trazem mais claridade.
Obrigado pela companhia.
Um abraço.
JF