terça-feira, 24 de novembro de 2015

Babel, rádio com alma, do Uruguai para o mundo

Jorge Adelar Finatto
 
 
Sou um bom ouvinte de rádio.  Não consigo nem quero abandonar este meio de comunicação. O rádio está na minha vida desde a infância. E na minha infância, no século passado, não havia ainda televisão lá em casa, era algo novo que só existia nas cidades grandes. Passo dos Ausentes, como sabem, fica no fim do mundo, graças a Deus.
 
Quando estou em viagem, como agora, procuro na cidade estrangeira uma rádio para ouvir no quarto de hotel. Por exemplo, em Buenos Aires descobri a Rádio Amadeus, 104.9, FM, de que gosto muito. Em casa, costumo ouvi-la no computador.
 
Em Montevideo, encontrei agora a Rádio Babel, 97.1, FM, do Ministério da Educação e Cultura do Uruguai. Já salvei o endereço no computador. Uma rádio de cultura, de boa música e boas informações nas 24h.
 
A seleção musical é de altíssima qualidade e variada, do jazz à música erudita, passando pela música local de Uruguai, Argentina e Brasil, sobretudo instrumental. Há um trabalho de pesquisa que nos remete a gratas revelações. A locução é breve e elegante.
 
De tal modo que, ao escutar esta rádio, tenho a impressão de estar vivendo num mundo melhor, mais belo e refinado, com uma alma e uma delicadeza que nos faltam no mundo real.
 
A Rádio Babel é um refúgio espiritual em meio ao caos.

__________
Babel FM, Uruguay
http://www.babel.com.uy/babel.html 
 

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Meu fantasma predileto

Jorge Adelar Finatto

La samaritana, Juan Manuel Blanes, Museo Blanes

 
Juan Niebla me acompanhou até a minúscula estação de ônibus de Passo dos Ausentes na partida. Veio batendo bengala pela calçada. O sobretudo negro, a cabeleira branca e desgrenhada ao vento, os óculos escuros, dão-lhe, às vezes, um ar espectral. Costumo dizer-lhe que ele é o meu fantasma predileto. Ele agradece e diz, irônico, que se sente envaidecido.
 
De pé ao lado da minha janela no ônibus, disse: "Não esqueça. Existem dois tipos de pessoas: as que têm saúde e as que têm problemas de saúde. As primeiras devem aproveitar o momento e fazer o melhor que puderem. As outras precisam acreditar que tudo vai melhorar." Juan é assim.
 
Vou levar-lhe um equipamento novo para o chimarrão, de Montevideo, cuia, bombilha e garrafa térmica.
 
Sábado foi dia de visitar o Museo Juan Manuel Blanes com seu acervo de obras do grande artista uruguaio. Há também pinturas de Pedro Figari, outro expoente das artes plásticas no Uruguai.
 
O museu possui um bonito parque ao seu redor com muitas árvores e recantos. E um pátio interno encantador, onde se pode sentar a admirar as carpas coloridas no amplo tanque central. Sobre o trabalho de Blanes - sua qualidade e sua importância - já escrevi aqui no blog.

Museo Juan Manuel Blanes, Montevideo. photo: jfinatto

Para quem vem do Brasil, o Uruguai tornou-se um país muito caro, os preços são exasperantes. O problema não é o Uruguai, mas a brutal desvalorização do real em relação às outras moedas, tendo o dólar como principal parâmetro. Tudo ficou muito difícil para o brasileiro nas viagens ao exterior.

Apesar de tudo, Montevideo é uma referência literária, artística e humana importante e sempre vale a pena. Como resistir a comprar alguns livros, discos, jornais e revistas, mesmo com os preços salgados?  Não dá. Afinal, estamos na pátria de Onetti, Vilariño, Lautréamont, Zitarrosa, Juan Manuel Blanes, Pedro Figari, Galeano, Benedetti, Morosoli e tantos outros.
 
No sábado à noite, no Teatro Solís, um belo momento de jazz com o português Mário Laginha e o italiano Stefano Bollani. Antes, visita à interessante exposição de marionetes numa das salas do teatro.

Exposição de títeres, Teatro Solís, Montevideo. photo: jfinatto
 

sábado, 21 de novembro de 2015

Van Gogh na Peatonal Sarandí

Jorge Adelar Finatto
 
photo: site Galería Ciudadela, Montevideo¹

Caminhando ontem pela Peatonal (rua de pedestres) Sarandí, em Montevideo, vi uma escultura na Galería Ciudadela que, à distância, me chamou a atenção. Aproximei-me da vitrine. Já era por volta de 19h, a galeria estava fechada. Procurei o melhor ângulo para fotografar. Nesse momento me dei conta de que se tratava de uma escultura de Van Gogh (250 x 122 cm).
 
Olhando os detalhes, percebi que estava diante de uma bela obra de arte. Feita com ferro e madeira, revela uma grande maestria do escultor. Impressiona a construção dos traços e do olhar de Van Gogh, reunindo técnica e emoção.
 
photo: jfinatto, Galería Ciudadela, 20/11/15
 
É admirável como o artista conseguiu tal resultado usando materiais como pés de bancos e cadeiras, pedaços de venezianas e peças de ferro variadas, que provavelmente eram sucata que ele recolheu e transformou em arte. O refinamento do trabalho é notável.
 
De volta ao hotel, pesquisei no site da Galería Ciudadela (espaço de arte imperdível em Montevideo, localizado na Ciudad Vieja) quem era o artista. Trata-se de Javier Abdala, montevideano nascido em 1971, que é professor no Instituto Escola Nacional de Belas Artes, da Universidade da República do Uruguai. No site do artista, veem-se outras imagens de sua rica obra.²
 
Estou encaminhando este post ao Museu Van Gogh de Amsterdã. Eu, se pudesse fazer uma sugestão à direção do museu, recomendaria a aquisição desta escultura para integrar o seu acerco. Por rara, criativa, única.
_________
 
¹Galería Ciudadela:
 
² Javier Abdala
 

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

O escândalo

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto

 
As hortênsias resolveram embelezar a cidade. Era só o que faltava.

Em meio a tanta desilusão, tanta feiura das almas, tanta gente má e casca grossa, vêm agora as hortênsias e decidem distribuir beleza e graça.

Um negócio muito estranho.

Um verdadeiro absurdo nas ruas de Passo dos Ausentes.

Quando achava que não tinha mais jeito, quando nada mais esperava diante do triste espetáculo humano, as hortênsias surgem em silêncio, espargindo cor e delicadeza sobre cinzas.
 
O que mais nos espera? - eu pergunto - e já ninguém responde.

Tanta beleza é mesmo uma violência contra a desolação.
 
O que será feito da nossa histórica descrença no Brasil, no futuro e em nós mesmos?
 
E o que restará do nosso olhar melancólico sobre o sentido da existência? É o fim dos tempos.

Devia ser aberto, imediatamente, um inquérito contra as hortênsias por tamanho escândalo e desacato, verdadeiro atentado violento ao pudor. Onde já se viu!
 
Mas ninguém faz nada, este é realmente o tempo da impunidade.

Nem maldizer a vida em paz a gente pode agora. A ancestral tristeza é brutalmente sacudida e sufocada. Ai de nós!
 
É o fim da picada.
 
________
 
Texto revisto, publicado originalmente em 12/12/11.

domingo, 15 de novembro de 2015

Idea Vilariño, poeta

Jorge Adelar Finatto
 
poeta Idea Vilariño na juventude
 
Uno siempre está solo

Sempre estamos sozinhos
mas
às vezes
estamos mais sozinhos.

poema de Idea Vilariño ¹ (trad. livre de Jorge Finatto)

 
Idea Vilariño(1920-2009) é uma grande poeta uruguaia. Descobri-a no início deste ano, em Montevideo, cidade onde nasceu, viveu e morreu. Estou lendo sua obra, notável em intensidade, profunda, límpida, acolhedora.
 
O leitor não precisa ser especialista em poesia para penetrar nos versos de Idea. Basta ter um coração ávido.

Os textos respiram simplicidade. Mas é o simples conquistado com muito trabalho (mais fácil é ser enrolado, difícil, beletrista). A autora fez uso concentrado e depurado da linguagem. Suas composições vão do mais íntimo da alma ao tema geral, com grande qualidade e poder de comunicação.
 
Idea dizia muito com poucas palavras. Escrevia em qualquer papel que estivesse à mão. Poesia densa, amorosa, sofrida, social, que abarca uma rica experiência humana. 
 
Travar conhecimento com os versos de Idea Vilariño foi e está sendo uma bela revelação.
 
Ela também foi professora, compositora, tradutora e crítica literária. Participou da Geração de 45, de intelectuais do Uruguai que buscaram a renovação da arte em seu país.
 
Estou dando esta breve notícia porque se trata de uma autora quase ignorada no Brasil, que precisamos conhecer melhor. Uma criadora rara, universal. Como diz Rosario Peyrou, na apresentação de Vuelo Ciego: "É impossível ler Idea Vilariño sem sair sacudido, marcado de certa forma para sempre".²
 
Este papel mi vida
 
Olvidado
perdido
não lido
não aberto
amassado e ao fogo
fugaz incandescência.³
 
                  (trad. livre de Jorge Finatto)

Para quem quiser saber mais, vale a pena assistir o documentário do link abaixo, onde ela diz alguns de seus poemas.
_________

¹ Vuelo Ciego, Idea Vilariño. Apresentação de Rosario Peyrou. Visor Libros, Madrid, 2004.
² idem, pág. 22.
³ idem, pág. 87.

Depoimentos sobre Idea Vilariño e leituras de poemas por ela:
https://www.youtube.com/watch?v=A7WNtYPckYE
 

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Num bosque da Toscana, o psiquiatra eremita

Jorge Adelar Finatto
 
fonte: Corriere della Sera 
 
A família procurava Carlos Sánchez Ortiz de Salazar (espanhol, 46 anos), desde que fugiu de casa aos 26.  Nos últimos dias, os pais e a irmã acreditaram que, enfim, estava vivo. Da Itália receberam informação de que ele vivia como ermitão num bosque da Toscana. Todavia, uma vez descoberto, voltou a desaparecer, fazendo sofrer seus familiares, que terão de continuar a busca.
 
Carlos foi encontrado num bosque de difícil acesso, com vista para o mar, perto de Scarlino, pequena localidade da Toscana, região central da Itália. O acaso levou catadores de cogumelo ao local onde vivia numa tenda, afastado de tudo e de todos. Conforme informações divulgadas pelo jornal espanhol El País (10 nov.) e pelo italiano Corriere della Sera (7 nov.), Carlos formou-se médico psiquiatra na Universidade de Sevilha. O desaparecimento teria ocorrido após uma grave depressão.
 
Natural de Bilbao, o último domicílio do médico na Espanha foi a pequena cidade de Cazalla de la Sierra, província de Sevilha. Ao ser encontrado, revelaram os catadores de cogumelo, mostrou-lhes o cartão da biblioteca e sua identificação de estudante da faculdade de medicina. Disse na ocasião:
 
- Sou espanhol, meu nome é Carlos e vivo aqui há 20 anos. Agora terei que me mudar novamente.

Depois deste encontro, sumiu. Os pais foram à Itália assim que souberam. Visitaram o refúgio do filho. Emocionaram-se. Afirmaram que tudo que queriam era vê-lo. 
 
A associação italiana Penélope, que dá apoio a famílias de desaparecidos, está acompanhando o caso. Membros de guarda florestal e pessoas das redondezas declararam que o viram algumas vezes e que se apresentava como um homem calmo, que não queria conversar.
 
O mais incrível desta história é que o médico foi declarado oficialmente morto pela justiça espanhola devido ao tempo em que esteve desaparecido.
 
O defunto Carlos, ao que se vê, está muito vivo, e aparentemente bem. Só não quer contatos. Os colegas de profissão do ausente provavelmente terão explicações para este proceder, que escapa ao entendimento da maior parte dos mortais. Mas qual de nós não teve, alguma vez, vontade de desaparecer do mapa, apagar o vivido, reiniciar a vida longe de todos em um lugar distante?
 
O psiquiatra Carlos optou pela ausência radical, essa forma de morrer em vida. Tornou-se um morto que respira solitário nos bosques da Toscana. Seu comportamento deixa muitas interrogações.

Contudo, digo eu, considerando que vivemos numa sociedade habitada por feras capazes das piores barbaridades contra os semelhantes (a começar pela indiferença), o doloroso desaparecimento não chega a ser um completo absurdo. Absurda é a vida do modo que está.
 
Carlos escolheu talvez um jeito diferente e invisível de sobreviver aos horrores da nossa civilização.
__________

El País:
http://politica.elpais.com/politica/2015/11/09/actualidad/1447069875_735570.html

Corriere della Sera:
http://www.corriere.it/cronache/15_novembre_07/carlos-eremita-per-20-anni-nascosto-bosco-maremma-genitori-credevano-fosse-morto-4d5446fc-857c-11e5-aefe-2915a18071e3.shtml
 

domingo, 8 de novembro de 2015

O concerto do sabiá-laranjeira

Jorge Adelar Finatto

sabiá-laranjeira. foto de Dario Sanches, São Paulo, 2006
fonte: Wikipédia
 
O mundo está povoado de barulhos. Principalmente o mundo das cidades grandes. A incômoda orquestra de automóveis, caminhões, motos, britadeiras, máquinas, etc., é fonte de constante mal-estar. Viver no interior é uma maneira de fugir disso e de outros demônios, como estresse, poluição, violência.
 
Nas cidades pequenas vive-se melhor. Que o digam os sabiás-laranjeira. Quando vou a Porto Alegre, ouço vizinhos reclamando que os sabiás estão acordando e cantando muito cedo na nossa rua e arredores.

De fato, a cantoria inicia por volta das 2h30min. No começo se ouve o canto solitário de um, depois se junta outro e outro e mais outro, até que se forma um coro de muitas vozes em direção ao amanhecer. É bonito.
 
Um pesquisador, num programa de televisão, disse que, nas pequenas cidades, eles começam a cantar só lá pelas seis da manhã. Segundo afirmou, o canto do sabiá é uma forma de atrair a fêmea. Devido ao barulho das cidades grandes, eles se veem obrigados a cantar no inicio da madrugada, único jeito de ser ouvidos pelas companheiras.

Portanto, antes de reclamar dos pássaros, devemos fazer o mea-culpa. Nós conseguimos desregular até o horário do canto dos sabiás com nossos barulhos. E ainda reclamamos.