domingo, 20 de dezembro de 2015

Tempo de reescrever o Brasil

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto
 

Aqueles que lutaram de coração aberto e sem interesses mesquinhos pela democratização do Brasil não podiam imaginar que gente inescrupulosa se valeria da democracia, duramente conquistada, para assaltar o país. A conquista dos direitos políticos, é sempre bom sublinhar, não foi obra de um grupo ou de um partido, mas de toda a sociedade.

Os que roubam a nação, ou permitem que a roubem, são os maiores inimigos dos direitos do cidadão, da justiça social, da liberdade e da democracia.

Se o país não tivesse a corrupção que o assola, estampada ad nauseam nos meios de comunicação e em decisões judiciais, os brasileiros teriam qualidade de vida igual ou superior à das nações mais desenvolvidas. Mesmo com os atuais 204 milhões de habitantes.
 
Porque aqui se trabalha muito, se produz muito, pagam-se oceanos de impostos. Temos povo, território, recursos naturais, miscigenação, multiculturalismo. A imensa maioria das pessoas quer estudar, realizar projetos, transformar a vida.
 
Mas aí acontece esta tragédia que é a corrupção com dinheiro público, nunca tão escancarada. Por suas enormes dimensões e implicações, atinge e penaliza toda a população.

É impressionante o que se vê. Para tentar corrigir tantos abusos e desmandos, fala-se, eufemisticamente, em ajuste fiscal. Isto é, entrega-se a conta desumana para o cidadão pagar. Na verdade, basta recuperar o dinheiro público subtraído pela corrupção para começar a acertar a economia.

Quem se locupletou tem de devolver, seja partido político, seja empreiteiro, seja quem for. A punição dos responsáveis não pode ficar restrita à esfera penal. Há que buscar o prejuízo no âmbito patrimonial.
  
Estou numa altura da vida em que não posso me dar ao luxo de perder a esperança. É tarde demais para isso. Preciso acreditar que as coisas vão melhorar.

Confio, portanto, que o Brasil sairá dessa, porque o povo é sábio e não se deixará enganar por quem lhe traiu a confiança, tenha as cores que tiver, seja do partido político e da ideologia que for. Não é difícil deduzir de quem se trata.
 
Está em nossas mãos construir um país mais justo, começando por dizer não à corrupção e a toda forma de desonestidade, mentira, instrumentalização ideológica e violência contra quem pensa diferente. É nas pequenas atitudes de cada indivíduo que vamos mudar a realidade.
 
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Texto atualizado, publicado antes em 29 de abril, 2015.  

Cartão de Boas Festas da Casa Fernando Pessoa




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Casa Fernando Pessoa:
http://casafernandopessoa.cm-lisboa.pt/
 

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

A fera escondida

Jorge Adelar Finatto
 
beira do Guaíba. photo: jfinatto
 
 
Os dias escapam sem trégua. Passam como o vento entre as folhas do calendário.

O tempo é água escorrendo de um balde cheio de furos, foge por todos os lados e buracos. Sai pelos ouvidos, olhos, narinas, barba, memória.
 
O tempo é a fera escondida na penumbra da nossa passagem. Ataca em silêncio e sem pena. É preciso aprisionar o tempo numa alta torre e jogar a chave no fundo do poço. Quem há de?
 
O tempo é um devorador insaciável de dias, meses, anos, corações. Leva de cambulhada nosso ser e nosso sangue. Suga feito um verme invisível e nefasta é sua sede.

A vida é um doce que a gente vai comendo pelas beiradas do prato, devagarinho, já sentindo tristeza, porque sabe que vai acabar. É a melhor iguaria que alguém inventou.
 
Procurei no Aurélio a definição do tempo para, conhecendo-o melhor, poder dominá-lo e, quem sabe, desligar todos os seus relógios e silenciar os miseráveis tic-tacs.

Diz o verbete: Do latim tempus. A sucessão dos anos, dos dias, das horas, etc., que envolve, para o homem, a noção de presente, passado e futuro.
 
Palavras, só palavras. Que podem diante do moinho perverso das horas? A natureza do tempo permanece mistério. O que sei é que é carnívoro.
 
Será quimera, será sombra, o tempo? Será um sonho que alguém sonha? Seremos personagens que um autor criou numa hora de fastio diante do eterno?
 
Que relógio mede o tempo do tempo? Que porcaria é essa?

Que grande desperdício de vida, que hora medonha entre nascimento e morte. Quem tem a chave do umbigo deste abismo? Palavra, palavras, que podem, que podemos?

O tempo corrói tudo. Não tem dó. Não tá nem aí. É fábrica de despedidas.
 
Ferida aberta sob o sol. Nunca cicatriza. 
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Basta a cada dia o seu próprio mal.
Mateus 6:34

domingo, 13 de dezembro de 2015

O tempo urgente de Iberê Camargo

Jorge Adelar Finatto

Série Ciclistas, 1990, Iberê Camargo, Fundação I.C., photo: jfinatto
 
Com meus ciclistas, cruzo desertos e procuro horizontes que recuam e se apagam nas brumas da incerteza.¹
Iberê Camargo

Ainda estamos vivos ou morremos há muito e não nos avisaram? Esta é a pergunta que me ocorre ao mergulhar nas pinturas de Iberê Camargo (1914-1994), nesta tarde ensolarada de sábado, dezembro, ano terminando. A exposição Iberê e seu ateliê: as coisas, as pessoas e os lugares é das mais importantes que visitei na Fundação Iberê Camargo. Traça um panorama da trajetória do artista ao longo dos muitos anos em que produziu.
 
De alguma forma,  todos nós, em algum momento, habitamos a pintura de Iberê. O pintor resume com suas fortes pinceladas carregadas de tinta (muitos dos traços formam relevo na tela) a pungente condição humana.
 
Crepúsculo da Boca do Monte, 1991, Iberê Camargo, photo: jfinatto

A dor, a perplexidade, o irrecusável impasse diante do tempo e da morte estão presentes nas naturezas-mortas, nas pessoas, nas paisagens, nos objetos. O poço fundo e negro do interior de cada um aflora nos quadros de Iberê.

sem título, 1943, Iberê C., photo: jfinatto

O trágico sentido, contudo, não remete ao desespero. Pelo menos não hoje, não para mim, não nesta tarde varrida pelo sol dourado, o azul chapado sobre o Guaíba, os barcos ondulando no rio. Antes é à vida que se dirige o apelo do grande pintor nascido em Restinga Seca, no Rio Grande do Sul.

Outono no Parque da Redenção II, 1988, Iberê Camargo, photo: jfinatto

Iberê Camargo nos alerta para a brevidade do nosso tempo, este tempo, pessoal e intransferível, mas também coletivo, e à urgência de viver sem demora o que nos cabe. Não podemos mais esperar que cheguem todas as respostas. Talvez não haja, afinal, um pote de ouro no fim do arco-íris. É preciso olhar o outro, sentir o outro. E viver.

Paisagem, 1956, Iberê C., photo: jfinatto

Não podemos mais esperar por este amanhecer que já tarda. Precisamos desenterrá-lo do escuro, sem demora, com as próprias mãos. Precisamos construir a claridade.

É isto que sinto ao passar a tarde diante dos traços belos-trágicos do artista que buscou, e encontrou, como poucos, algo a dizer além da escuridão.

O pintor é o mágico que imobiliza o tempo.²
Iberê Camargo

Signo branco I,1976, Iberê C.
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¹,²Iberê menino, págs. 34, 5. André Neves e Christina Dias. Difusão Cultural do Livro, São Paulo, 2007.
Veja também: Iberê Camargo e a escrita da solidão:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com.br/2012/03/ibere-camargo-e-escrita-da-solidao.html
 

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Cálido

Jorge Adelar Finatto
 
 
photo: jfinatto
 

Preciso escrever
o poema
que vai salvar
esse dia

o poema cálido
para atravessar
o tempo difícil
que ainda tenho
pela frente

o poema que vai
expulsar
a vontade
de morrer
que chega
aos poucos
como um felino
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Do livro Memorial da vida breve, Jorge Finatto, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007. 

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

As bandeirinhas de Volpi

Jorge Adelar Finatto
 

A revista Vida Simples deste mês de dezembro publica, na seção Cenas, uma foto que fiz de bandeirinhas estendidas numa praça de Canela e que lembram a pintura do mestre Alfredo Volpi. Acompanha um breve texto em que conto como colhi a  imagem. Publico hoje a foto na capa do blog.

Publicar na Vida Simples é um acontecimento na vida deste fotógrafo habitante dos Campos de Cima do Esquecimento. Estou me exibindo, perdoem o mau passo. Mas peço que deem um desconto: são os fogos e as trombetas da alegria.

Com excelentes artigos e imagens, diagramação de primeira, capricho e assuntos de interesse para a vida de todos os dias, Vida Simples é uma revista que estimula a sensibilidade e cultiva a inteligência.
 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

No amanhecer

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
O som das folhas dos plátanos, em volta da casa, no vento dessa manhã de primavera. A dispersão das horas na espiral infinita do tempo.

É um novo dia e devemos partilhar o pão, o abraço e a alegria de viver na mesa larga da existência.

Olhemos juntos a viagem do pássaro em seu voo inaugural. Olhemos o voo solitário acreditando que é possível. Olhemos o voo do bando.

Há muito de ternura nessa hora. Há tanta coisa vivida que se perdeu no moinho dos dias.

A velha mala de mágico de circo de cidadezinha do interior com seus textos esperando ser aberta e revelada ao alheio olhar. Um olhar.

Há tanta coisa querendo ser dita, um dicionário inteiro.

Há o movimento forte do coração batendo no peito na manhã de viver.

O fruto bom da expressão colhido no pomar do pensamento e da emoção.
 
As urgentes florações do jardim espiritual. No amanhecer do voo.