sábado, 2 de janeiro de 2016

De Mário de Sá-Carneiro para Fernando Pessoa


poeta Mário de Sá-Carneiro. fonte: jornal Público

Artigo do jornal Público, de Portugal, aborda o lançamento do livro Em Ouro e Alma, edição crítica e ricamente documentada da correspondência de Mário de Sá-Carneiro para o amigo Fernando Pessoa. A obra antecipa os eventos que marcarão a passagem do centenário do suicídio do poeta Sá-Carneiro, em Paris, aos 25 anos, em 26 abril de 1916. Pelas revelações que contém, esperamos que não tarde a ser editada no Brasil. O artigo, intitulado O suicida acidental, é de autoria de Luís Miguel Queirós.
 
"Este Em Ouro e Alma, que inclui ainda em anexo as poucas cartas de Pessoa a Sá-Carneiro que se conhecem e outra correspondência relacionada com os últimos dias do poeta em Paris, é apenas o volume inaugural de uma nova colecção, dirigida por Ricardo Vasconcelos, que a Tinta-da-China dedicará a Mário de Sá-Carneiro. Para o ano do centenário estão já previstos mais dois lançamentos: uma edição crítica da poesia, que deverá sair em Abril, e outra da prosa, prevista para o final de 2016."
 
O suicida acidental:
 

quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

2016, coração mole, cabeça forte!

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto

 
Raro leitor: eu não tenho ideia de quem são as pessoas que visitam diariamente o blog. Com exceção dos amigos da página, identificados na coluna ao lado, os demais são um grande mistério. Ainda que invisíveis, estão presentes como os outros. Isso que importa.

A você (visível ou invisível) agradeço a generosa companhia.
 
Desejo que todos vivam claros, bons e produtivos dias em 2016. Que tenham saúde física e espiritual. Que a alegria de viver e compartilhar esteja sempre presente ao longo do novo ano.
 
Não acredito em mudanças que não comecem pelo coração e pela mente de cada um. Aí que tudo se define. Se eu não mudo, a realidade não muda. O resto é parolagem de quem não se esforça por melhorar.
 
Que em 2016 a gente construa lindos momentos e belas memórias!
 
Um grande abraço.
 

quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A pintura do entardecer

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto, 30/12/2015


Estava chegando no escritório, depois de subir a íngreme escada Santos Dumont, quando o espetáculo do entardecer se anunciou pelas janelas, emoldurado a sul e oeste. Uma aquarela finíssima e delicada.
 
Bela pintura, imemorial e primitiva, criada para embelezar a vida de quem habita o planeta. Saí à varanda e comecei a fotografar com a emoção provocada pelo deleite estético.
 
O fotógrafo é um imitador. Nada faz além de registrar aquilo que outro criou. Neste caso, o autor é Deus. A Ele se devem todos os direitos autorais. E um grande agradecimento, nestas últimas horas do ano.
 

terça-feira, 29 de dezembro de 2015

O apito do trem noturno

Jorge Adelar Finatto
 
trem da extinta Viação Férrea do Rio Grande do Sul. Canela. photo: jfinatto
 
O trem noturno passava altas horas. A casa toda tremia. A casa da tia ficava perto dos trilhos. No pátio havia os cinamomos em flor. E o seu perfume iluminava as noites de novembro.
 
O noturno soltava o apito de aviso, "limpa trilho", porque havia naquela altura uma passagem cruzando a estrada de ferro. Onde aquele trem ia parar ao amanhecer? eu me perguntava. Em São Borja, em Santa Maria, em São Francisco de Paula? Ou quem sabe na gare distante da estrela Antares? O certo, porém, é que vinha das bandas de Porto Alegre.
 
Às vezes, de uma janela acesa alguém olhava em direção à casa da tia, verde, larga e comprida, no alto da colina. O observador era um passageiro que perdeu o sono talvez. O que veria? Nada além das poucas luzes dos postes. A cidadezinha inteira dormia. Nela não havia sequer estação de trem.
 
Eu ficava acordado até a hora do noturno passar. Os outros habitantes da casa ressonavam.

Viajar de trem pelo meu país foi um dos meus sonhos de guri. Mas o governo acabou com os trens de passageiros no Brasil. Uma entre tantas decisões inexplicáveis, à luz do bom senso, que atrasaram por décadas a Terra de Vera Cruz.

Acredite: este país continental não tem trens de passageiros. As poucas exceções são os metropolitanos, muito ruins por sinal e de itinerário reduzido, nas cercanias de algumas capitais.

Um dia, para amenizar a saudade, embarquei num comboio em Lisboa. Era por volta de 16h de um dia de inverno. Ao anoitecer ele ingressou na Espanha. Não dormi a noite toda. Da minha janela acesa, não queria perder nenhuma das estações.

Uma mistura de melancolia e ternura eu senti ao atravessar de madrugada as pequenas cidades. Ao amanhecer, na fronteira com a França, houve troca de trem em direção a Paris, onde desembarquei em torno de 15h.

Foi uma viagem sentimental por cidadezinhas esquecidas no mapa. Como aquela da casa da tia, por onde passavam trens que nunca paravam.
 

segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

Navegações

Jorge Adelar Finatto
 
photo: jfinatto


Não existem chegadas
e partidas definitivas
rijos itinerários nascidos
na rota turbulenta
dos abismos


o que há é esta
necessidade de navegar
que começa não sei
em que rio
ou fundão
e depois se expande


um dia toda busca
cristaliza
e se pode, enfim,
recolher as velas
no porto do outro
mundo


_______

Poema do livro O Fazedor de Auroras, Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1990. 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2015

Natal do sentimento

Jorge Adelar Finatto
 
Nasceu Jesus. pintura do holandês
Geertgen Tot Sint Jans (1460-1490).
  fonte: casa.abril.com.br *


A felicidade do Natal está no sentimento que este dia traz, não nos presentes. 
 
O espírito humano não se contenta com coisas materiais. Para uma pessoa que não despreza sua espiritualidade, cada dia é uma procura incessante de sentidos para a vida.
 
A felicidade do Natal está em trazer à memória, de forma muito viva, a figura de Cristo. O que ele trouxe de revolucionário, simples e verdadeiro.
 
Eu lhes dou um novo mandamento: Amem uns aos outros; assim como eu amei vocês, amem também uns aos outros. (João 13:34)
 
O Natal traz a lição do amor ao outro.
 
A lição da compreensão, da redenção pelo perdão. Perdoar, ser perdoado. Não humilhar, não destruir, não matar, não roubar. E ter presente a existência de Deus.
 
A tristeza do Natal, na vida de muitos, vem da ausência de pessoas com quem compartilhar.

O amor humano, de que tanto o planeta está carente, é o que mais falta nos faz.
 
Cristo nos aponta o caminho do afeto para construir o mundo. Não encontrei até hoje, em nenhum sábio, poeta ou filósofo, síntese ética mais reveladora e profunda.
 
Que tenhamos amor suficiente neste Natal. E consolo para os tempos difíceis. Afeto para encher o coração triste. Para acolher e sermos acolhidos.
 
A respeito de quem é realmente o nosso próximo, vale a pena ler a breve e transcendente passagem de Lucas 10:29-37.
 
Feliz Natal a você, Feliz Natal a todos!
 
_________

*site casa.abril.com.br: Natal: o nascimento de Jesus segundo grandes pintores
http://casa.abril.com.br/materia/natal-nascimento-de-jesus-pinturas#6

quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

A vida é bela

Jorge Adelar Finatto

Paulo Corrêa Lopes. Bico de pena de Alice Soares
 
                             
                              Conselho
 
                              Quando fores pela estrada
                              anda com cuidado
                              para não matares as formigas.
 
                              A vida é tão bonita! 
                                                        Paulo Corrêa Lopes ¹
 

Às vezes penso que não existem mais poetas no Brasil. (Poetas são essas estranhas criaturas que traduzem em palavras a poesia existente no mundo, desde a criação.) O fato é que não encontro bons livros de poemas nas livrarias. Pode ser que haja príncipes poetas escrevendo a essa hora para as gavetas, sem ocasião nem lugar para divulgar seus versos. Quem sabe? A poesia, afinal, não desapareceu.
 
Contudo, os tempos não estão para escrever versos. A realidade é dura, triste. Estamos partidos, estilhaçados em meio à dor, mergulhados em preocupação e medo. Basta olhar o Brasil e seu grande desastre ético, econômico e político. Os efeitos mal começam a ser percebidos. A esculhambação é tamanha que, em 2016, haverá talvez imensas saudades de 2015.

A violência estrutural da sociedade brasileira começa lá no alto, no último andar, e desce escada abaixo. O que será amanhã? Ninguém sabe.  O certo é que não será um tempo de amenidades e, provavelmente, não será de justiça. De qualquer forma, a vida é sempre bela e viver é uma imposição que não admite adiamentos nem recusas.

Mas eu estava então no escritório à procura de algum poeta do passado. Vasculhava as estantes onde estão os livros que me acompanham desde a adolescência. Aquele tempo em que eu era muito só e muito pobre. De vez em quando conseguia juntar uns trocados para comprar um livro em alfarrabista.
 
                               Na luz daquela estrela
 
                               Deus estava na luz daquela estrela,
                               nas águas daquele rio,
                               no sonho daquela flor,
                               e tu passaste tão distraído
                               que não viste Deus.
                                                                       PCL ² 
 
Aí encontrei a Obra Poética de Paulo Corrêa Lopes (1898-1957), gaúcho natural de Itaqui (fronteira com Argentina). Reli alguns dos seus poemas, nos quais fluem esmero, economia verbal, simplicidade, engenho e poder de comunicação. Lidos hoje, não causam desconforto ao leitor, quer pela forma, quer pelo conteúdo.

O estranhamento está na impressionante atualidade de sua linguagem. Dele diz Guilhermino Cesar na apresentação: Submeteu-se a uma disciplina de poupança, podando e repodando os seus versos, para livrá-los do acidental e do acessório. ³

As composições de PCL não sofrem o desgaste do tempo. Atravessam os anos com a mesma frescura de quando foram escritas. Talvez porque digam muito de perto e de forma certeira ao nosso coração. Nelas não vemos pose de poeta, nem saltos ornamentais, nem vontade incontida de agradar aos ouvidos do distinto público. O seu canto nasce de profundas e cálidas fontes, aflorando em água límpida e vitalizante.
 
                              Vida
 
                              Não sei nada da vida
                              canto apenas a hora que foge.
                              Deve haver qualquer coisa de pássaro e de rio
                              no meu destino...
                                                                PCL 4
                                  
Ninguém fala mais nele, nenhum jornal ou revista põe atenção nos seus poemas. É pena. Estão privando muita gente da arte dele e de muitos outros. Os poetas, entre eles Paulo Corrêa Lopes, são guardiões de uma poesia essencial que teima - felizmente para nós - em não morrer.


________
 
¹,²,³, 4 Obra poética. Paulo Corrêa Lopes. Instituto Estadual do Livro, Porto Alegre, 1958. A bela capa é obra do artista Glênio Bianchetti.