domingo, 1 de abril de 2018
quarta-feira, 21 de março de 2018
O Tega
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
O Arroio Tega
era um som
um toque
um fio ligeiro
de água limpa
escorrendo mundo afora
no fundo das casas
da gente humilde
certo dia
emparedaram
o Tega
um pedaço
da minha
infância
afundou junto
agora flui
invisível
no subterrâneo
carrega na sombra
as tardes
que se foram
perdidos barcos
de papel
os sonhos do menino
em rumo cego
segue
o velho Tega
________
Poema do livro Memorial da vida breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.
terça-feira, 6 de março de 2018
Hieronymus Bosch
Jorge Finatto
Do tríptico As Tentações de Santo Antão. photo: jfinatto |
HIERONYMUS BOSCH (c. 1450- 1516) será sempre um mistério, um caso raríssimo da pintura universal. Um mundo fantástico habita sua obra, repleto de seres estranhos, repulsivos, em situações que tanto lembram o inferno religioso e medieval, a realidade de sua época, como o nosso mundo contemporâneo com seus horrores e barbaridades.
Um grito, uma denúncia, uma profunda revolta diante da maldade humana. O tríptico As tentações de Santo Antão (cerca de 1500) é uma preciosidade do gênio holandês que integra o acervo do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Nessas fotos, alguns fragmentos da extraordinária pintura. Absolutamente original e atual.
Tríptico As Tentações de Santo Antão, Hieronymus Bosch, c. 1500 Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, photo: jfinatto |
quinta-feira, 1 de março de 2018
A carta
Jorge Finatto
JUAN NIEBLA deu-me um encargo na Suíça: entregar uma carta a seu amigo de infância Henrikus Erasmus dos Santos Passos na velha cidade de Berna, isto é, no antiquíssimo Casco Velho de Berna. Sim, ali onde num dos edifícios morou um certo Einstein, que naquele lugar desenvolveu a Teoria da Relatividade, entre outras idéias malucas.
Acho que nem Einstein era capaz de entender direito a geringonça do seu pensamento, digo eu nesta milenar ignorância que é a minha. Quem sabe um dia inda vou entender isso e muita coisa mais. Por enquanto são trevas, raro leitor. Mas conto que amanhecerá. Amanhã será.
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Casa de Einstein, Berna. photo: jfinatto |
Bem, enfim cumpri a missão. Encontrei um homem muito idoso numa casa de pedra clara por dentro e dura rocha amarelecida por fora. Falava um português misturado com alemão difícil de entender, a comprida barba branca em forma de estalactite. Não me deixou sair antes de jantar, jantar às 19h, com jarra de vinho branco produzido nas redondezas. Não sei se era vinho ou um sonho. Sabor, leveza, aroma. Meu Deus, o paraíso existe.
Despedimo-nos, eu levando nas mãos um pacote que me deu para entregar a Niebla. Não quis perguntar o que havia ali, curioso embora. Percebi que eram coisas muito caras a ambos. Antes de partir, entregou-me um texto escrito naquela tarde e pediu que publicasse no blog, o que vou fazer em breve. Parti, fui pela garoa misturada à neve, contornei a Torre do Relógio, muito pouca gente na rua. Mais tarde, no quarto de hotel, sonhei com Passo dos Ausentes. Com Juan Niebla cego e seu bandoneón na estação de trem abandonada.
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Torre do Relógio, Berna. photo: jfinatto |
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quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018
Reencontrando Unamuno
Jorge Finatto
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Miguel de Unamuno, 1925. |
Essa Guarda que tantas vezes atraiu os meus olhares.
Miguel de Unamuno (1864 - 1936)
DON MIGUEL DE UNAMUNO, grande escritor, poeta, enorme homem e filósofo, esteve na cidade da Guarda, Serra da Estrela, em Portugal, em 1908, e em outras ocasiões também. Percorreu-a. Falou sobre ela no livro Por terras de Portugal e Espanha (1911).
Por uma dessas coincidências da vida, descobri que esteve hospedado na Pensão Santos, atual Hotel Santos, onde fiquei por esses dias na Serra da Estrela. A Dona Clara, proprietária do hotel (uma das pessoas mais doces e especiais que já conheci) disse-me que ele esteve algumas vezes na pensão, sempre que vinha à Guarda, conforme registros.
Vencereis, mas não convencereis.
O notável reitor da Universidade de Salamanca teve a impressionante coragem de enfrentar o ditador Franco no início da Guerra Civil Espanhola, numa aula de abertura do ano acadêmico de 1936, perante o alto escalão e dezenas de oficiais e soldados armados que ocupavam a plateia.
Ao final de sua fala contundente, com a frase acima que se tornou célebre, só não foi assassinado ali mesmo por intervenção da esposa do próprio Franco, Dona Carmen Franco, que se encontrava na mesa (o marido não compareceu à cerimônia).
Num gesto de bondade e grandeza, não permitiu que o filósofo sofresse violência. Levou-a até a casa dele no automóvel que a conduzia. Lá ficou recolhido em prisão domiciliar até a morte, pouco tempo depois. Esse é apenas um exemplo da têmpera deste humanista espanhol incomparável.
O Município da Guarda criou o Passeio Unamoniano na Guarda, que percorre os lugares que Don Miguel visitava quando estava na cidade.
Há pessoas que deixam pegadas de sua passagem pela vida. Miguel de Unamuno deixou uma longa e luminosa estrada de passos de coragem contra a opressão e a desumanização. Um dos maiores filósofos que o mundo já conheceu.
Do sentimento trágico da vida é uma das melhores obras que o espírito humano já produziu. Mas há outras igualmente importantes.
Com o poeta Unamuno nunca estamos sozinhos pelo caminho.
O Município da Guarda criou o Passeio Unamoniano na Guarda, que percorre os lugares que Don Miguel visitava quando estava na cidade.
Há pessoas que deixam pegadas de sua passagem pela vida. Miguel de Unamuno deixou uma longa e luminosa estrada de passos de coragem contra a opressão e a desumanização. Um dos maiores filósofos que o mundo já conheceu.
Do sentimento trágico da vida é uma das melhores obras que o espírito humano já produziu. Mas há outras igualmente importantes.
Com o poeta Unamuno nunca estamos sozinhos pelo caminho.
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Hotel Santos, Guarda, Portugal photo: jfinatto |
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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018
Aveiro, poema visual
Jorge Finatto
photo: jfinatto |
JÁ OUVI DIZER aqui em PORTUGAL que Aveiro é a Veneza portuguesa. Engano.
Veneza é que é a Aveiro italiana. Com todo respeito, claro. De um descendente de venezianos.
photo: jfinatto |
photo: jfinatto |
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photo: jfinatto |
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photo: jfinatto |
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photo: jfinatto |
photo: jfinatto |
Pensando melhor, cada uma é bela de um jeito todo seu e sempre nos surpreendem. O planeta envaidecido agradece.
O amor de Ofélia e Fernando
Jorge Finatto
UM DIA desses peguei o ELÉCTRICO 28 (o querido bonde lisboeta) e fui até o Cemitério dos Prazeres, uma espécie de Père-Lachaise português, onde, como em Paris, estão sepultados alguns nomes importantes das artes, literatura, política e ciência. Após descer do elétrico, resolvi entrar. O atendimento na portaria é muito educado com entrega de mapa ao visitante.
Fernando Pessoa (1888 - 1935) e Ofélia Queiroz (1900 - 1991) viveram um amor que ficou para a eternidade. Amor de namorados que não chegaram a se casar porque assim tinha de ser. A numerosa troca de cartas, postais, telegramas, desenhos e bilhetes entre os dois está registrada em livros.
Ambos discretos e reservados, os papéis vieram à edição muitos anos após a morte de Pessoa com consentimento de Ofélia. Uma edição completa foi publicada pela Assírio & Alvim em 2012, reunindo a correspondência. O acervo reúne 185 documentos. Neles se encontram palavrinhas inventadas pelo casal.¹
Já escrevi aqui sobre a relação deles e remeto o raro leitor ao texto.²
Me dirigi ao túmulo de Ofelinha, ou Bebé, como era tratada pelo namorado poeta. Seus restos mortais foram trasladados para o local em fevereiro de 2016 por decisão do Município de Lisboa. Mas ainda não foi desta vez que haviam de ficar juntos. Os restos mortais de Fernando Pessoa foram levados do Cemitério dos Prazeres para o Mosteiro dos Jerônimos, onde se encontram alguns grandes vultos nacionais portugueses, em 1985.
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F. Pessoa, menino e homem. Casa Fernando Pessoa. photo: jfinatto, fev. 2018 |
É um túmulo pequeno, discreto, mas quanta história naqueles vestígios de uma vida. Teria sido um amor malogrado? Acho que não, pensando bem. Se tivessem casado, teriam sido felizes? Não teriam caído na inevitável rotina dos casamentos em que as relações acabam em amizade, os amantes se transformando em irmãos? Isso quando não viram inimigos em guerra aberta. Sei lá.
Fernando Pessoa casou consigo mesmo e teve filhos na figura dos heterônimos. Foram sua família espiritual. O resto era o mundo real que não importava muito.
Na lápide há registro de dois trechos de cartas.
_________
¹ Cartas de amor de Fernando Pessoa e Ofélia Queiroz. Assírio&Alvim, 2012, Lisboa.
² O casal do Elétrico 28:
https://ofazedordeauroras.blogspot.pt/search?q=O+casal+do+el%C3%A9trico+28
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