quarta-feira, 26 de junho de 2019
sexta-feira, 21 de junho de 2019
A hora da cocota
Jorge Finatto
fotos: jfinatto |
Na ponta de um PLÁTANO já sem folhas, na frente de casa, pousaram essas caturritas. É o primeiro dia do inverno. Ali ficaram um bom tempo observando tudo lá de cima. Podiam ver a catedral e o centrinho de Passo dos Ausentes. Talvez cansadas, no fim de tarde, antes do sol se pôr, resolveram fazer uma pausa antes de regressar aos ninhos.
Essas criaturas são também conhecidas como periquitos-monges, catorras ou cocotas. Seguidamente estão aqui no quintal comendo araçás e outros frutos do seu agrado. Fazem uma gritaria e andam sempre em bando. Não tenho ideia de onde elas vivem, mas parecem bem e estão sempre atentas. Juntas cuidam umas das outras. E por isso vão mais longe. Se as pessoas fizessem o mesmo no Brasil...
Neste primeiro dia de inverno deram as caras as amigas cocotas. Fiz umas fotos de recordação. Uma espécie de celebração do inverno. De retiro das almas. Completado com a audição do Concerto para Cello em Si Menor, de Dvorák.
quinta-feira, 13 de junho de 2019
A paleta do outono
Jorge Finatto
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Praça Gustavo Langsch. fotos: jfinatto |
SAÍ PELA RUA na tarde de outono pra tirar umas fotos. Uma visita à Praça Gustavo Langsch perto de casa e não precisa mais. Ali habitam todas as cores da estação.
Por alguma razão que desconheço, o outono custa muito a chegar nessa praça. A estação já anda madura no restante da cidade e na Langsch as folhas resistem a amarelar e cair dos galhos. O ocre demora a ocupar o lugar que lhe cabe por direito. Mas quando o outono, enfim, acontece, ela torna-se uma das praças mais bonitas de Porto Alegre.
O outono é a estação mais bela do ano. Pelas mutações biológicas na natureza, pela incrível paleta de cores que pintam o ambiente e multiplicam ao infinito os tons.
Outono é alumbramento, festa do olhar.
sexta-feira, 7 de junho de 2019
Ao viajante solitário
Jorge Finatto
Canela, RS. photo: jfinatto |
AS COISAS que não aconteceram são as que mais se afeiçoam à minha memória. A biografia que vale os veros registros: a dos não-acontecimentos, a dos impossíveis sonhos.
O resto são pedras que se carregam dentro dos bolsos. Como os suicidas caminho do mar. Essa cidade é onde o abandono é dono.
As praças vazias onde me quedo ouvindo falecidas conversas. Ó ausências do mundo!
Bardo obscuro e tabelião de papéis perdidos em Passo dos Ausentes, eu vivo os interstícios. Os ásperos padecimentos da humana travessia. Cheio pelas orelhas de frustrações, tapas na cara, rasteiras e desejos. Quem houvera nesta vida maledeta se dignasse escutar meus ais.
Viver é assunto proceloso e bem noturno. Por isso estou aqui. Me contando, me inventando.
Sou o bardo barroco, ressuscitado em salvadoras prosopopéias. A obsessão pela música interior. Essa que me faço e entrego ao vento. Construo o venturoso canto. Não me interessa a realidade. Quem quiser a realidade, bem a guarde e embale.
Sou viajante de um tempo que se esfuma. O tal.
A saudade é um retrato em branco e preto na gaveta do oblívio. Os pedaços de cada um.
Sou o bardo barroco, ressuscitado em salvadoras prosopopéias. A obsessão pela música interior. Essa que me faço e entrego ao vento. Construo o venturoso canto. Não me interessa a realidade. Quem quiser a realidade, bem a guarde e embale.
Sou viajante de um tempo que se esfuma. O tal.
A saudade é um retrato em branco e preto na gaveta do oblívio. Os pedaços de cada um.
O meu coração habita um quarto de pensão. A pensão se chama Ao viajante solitário. Às vezes penso que o mundo é uma grande pensão. A pensão dos viajantes solitários. E viver é um fiozinho de orvalho estendido de manhã sob o sol.
Somos parceiros das nuvens e da bruma. Caminho para o lugar ermo dos esquecidos.
Eu, Landgrave dos Santos Strano, inquilino do absurdo, apresento-me ante vossa alta ausência.
Passo dos Ausentes, nos Campos de Cima do Esquecimento. Rio Grande do Sul, Brasil, Fim da Via Láctea. Dou fé e assino.
Provavelmente outono.
domingo, 2 de junho de 2019
A livraria e a rua
NUMA CIDADE afundada em violência, num país em que a criminalidade fugiu do controle, as pessoas evitam andar nas ruas. Só o fazem quando necessário, pois há sempre presente o risco de figurar no longo rol das vítimas da barbárie.
Há, contudo, um movimento dos cidadãos no sentido de voltar a ocupar o espaço público. Há como que uma necessidade física e psicológica das pessoas de sair das tocas a que estão submetidas.
Desde sempre a cidade é o lugar de convivência entre os humanos. O espaço comum, o local de interação, de trabalho, de lazer, de coexistência, de construção da vida. Não por acaso surgem agora iniciativas como a Noite dos Museus, em que uma multidão se reúne para sair pelas ruas em intensa programação cultural e comunitária.
Com alegria visitei na semana que passou uma nova livraria, a PocketStore. O bacana é que é uma livraria de rua, não de shopping. Nasce com este espírito de retorno ao espaço público, na Rua Félix da Cunha, no bairro Moinhos de Vento, cada vez mais povoado de cafés, restaurantes, sorveterias, bancas de jornal e lojas nas calçadas.
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A PocketStore é um bom espaço, moderno e bem atendido. A única coisa que eu mudaria é o nome: por que não chamá-la Livros de Bolso, ou coisa parecida? O português é tão bonito, tão gostoso de ler e escrever. Nada contra o inglês, mas para uma livraria creio que ficaria melhor um nome no idioma de Saramago, Nelson Rodrigues e Guimarães Rosa. Mas isso é detalhe, gosto pessoal. O que importa, raro leitor, e deve ser saudado, é a oportuna iniciativa de colocar a livraria na rua.
domingo, 26 de maio de 2019
Limites
Jorge Finatto
photo jfinatto |
EXISTE a necessidade urgente de pacificação dos espíritos neste Brasil tão conturbado dos últimos tempos, onde se discute muitas vezes sobre coisas sem nenhuma importância e que não levam a lugar nenhum. Há um campeonato de testosterona no país. Disputa-se pelo amor à emulação, à discórdia, para mostrar quem é o mais forte, quem tem mais razão, quem tem a verdade verdadeira, quem é o mais isso e aquilo.
Dificilmente o clima de animosidade levará a algum lugar. Até para discordar tem que ter nível, boa educação, calma. Temo pela evolução deste estado de permanente confronto entre governistas e opositores. A sociedade está cansada. Não suporta mais as injustiças e mazelas decorrentes da corrupção.
As necessárias mudanças precisam ser feitas com exemplos de conduta, de retidão, de oposição ao extremismo, com luta pacífica em busca de justiça e solidariedade social.
O ressentimento e a beligerância não conduzirão a uma realidade melhor do que esta que estamos vivendo. Acredito na disposição mental para o entendimento, para receber críticas, para dar o passo adiante, para querer o bem comum, para não querer destruir quem pensa diferente.
As mentes lúcidas não podem aceitar a violência moral ou física como forma de resolução de conflitos e de afirmação política. O limite de qualquer manifestação deve ser o respeito ao outro. Que a serenidade nos inspire e proteja.
As mentes lúcidas não podem aceitar a violência moral ou física como forma de resolução de conflitos e de afirmação política. O limite de qualquer manifestação deve ser o respeito ao outro. Que a serenidade nos inspire e proteja.
segunda-feira, 20 de maio de 2019
O processo
Jorge Finatto
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photo: jfinatto. Rio Guaíba |
da beira do rio
condenado
a não ver o rio
afundado em seco
decifro papéis
que nada me dizem
a página em branco
espera o verso
que não escreverei
o que encontro
no gabinete
a essa hora
da manhã
é não ter tempo
pra mais nada
enfrento a trama
invencível
a dor sem abrigo
a grande trituração
das almas
no processo
resta apenas
o duro ofício
que não pode
ser adiado
impossível fugir
o carteiro
envelhece
enquanto aguarda
as cartas
que não enviarei
observo por um momento
o voo branco
da gaivota
sobre o Guaíba
nesse instante
invade-me a tristeza
do prisioneiro
(a essa hora da manhã)
desapareço
na névoa
_______
Poema do livro Memorial da vida breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.
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