sexta-feira, 2 de julho de 2010

De mal en peor

Jorge Adelar Finatto

"Cuando Dios hizo la luz, 
 yo ya debía
 tres meses."

Um dos encantos na vida de quem sai a caminhar pelas ruas das cidades que visita é descobrir a maneira de ver  o mundo dos habitantes do lugar através de coisas como as inscrições feitas nos muros e paredes. Os famosos grafites. Em Porto Alegre, no mais das vezes, nada mais são do que poluição visual lançada no cenário urbano, agressivos, grotescos, sem sentido. Nem sempre é assim. Em Montevidéu, por exemplo, é diferente. É comum encontrarmos na capital do Uruguai inscrições com algum teor de filosofia, política, crítica social, poesia e até humor, como a que se vê acima.

Fundação José Saramago propõe Baltasar Garzón para Prêmio Nobel da Paz

 


Por estar envolvido na defesa dos Direitos Humanos e por nunca ter baixado a cabeça diante de nenhum estratagema e de nenhum poder, porque acreditou na justiça universal para as vítimas, em qualquer continente e em qualquer país.

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Notícia publicada ontem, 1º de julho, pela Fundação José Saramago em seu site:

http://www.josesaramago.org/

Foto: Baltasar Garzón e José Saramago, Lisboa, dezembro de 2008. Arquivo da FJS.

Baltasar Garzón*

 José Saramago

O juiz Baltasar Garzón deixou em Lisboa uma lição do que é ou deve ser o Direito. A verdade é que, em sentido estrito, do que se falou no acto organizado pela Fundação foi de Justiça. E de sentido comum: dos delitos que não podem ficar impunes, das vítimas a quem tem de ser dada satisfação, dos tribunais que têm de levantar alcatifas para ver o que há por baixo do horror. Porque muitas vezes, por baixo do horror, há interesses económicos, delitos claramente identificados perpetrados por pessoas e grupos concretos que não podem ser ignorados em Estados que se proclaman de direito. Quem sabe se os responsáveis dos crimes contra a humanidade, que de outra forma não posso chamar a esta crise financeira e económica internacional, não acabarão processados, como o foram Pinochet ou Videla ou outros ditadores terríveis que tanta dor espalharam? Quem sabe?

O juiz Baltasar Garzón fez-nos compreender a importância de não cair na vileza uma vez para não ficar para sempre vil. Quem conculca uma vez os direitos humanos, em Guantánamo, por exemplo, atira pela borda fora anos de direito e de legalidade. Não se pode ser cúmplice do caos internacional com que a administração Bush infectou meio mundo. Nem os governos, nem os cidadãos.

Um auditório multitudinário e atento seguiu as intervenções do juiz com respeito e consideração. E aplaudiu como quem ouve não verdades reveladas, mas sim a voz efectiva de que o mundo necessita para não cair em na permissividade da abjecção.

A Fundação está contente: fizemos o que pudemos para recordar que há uma Declaração de Direitos Humanos, que estes não são respeitados e que os cidadãos têm de exigir que não se tornem em letra morta. Baltasar Garzón cumpriu a sua parte e tê-lo posto a claro esta tarde em Lisboa só pode fazer com que nos felicitemos.

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*Publicado com autorização da Fundação José Saramago
http://www.josesaramago.org/
Texto extraído do blog O Caderno de Saramago
http://caderno.josesaramago.org/.
Publicado originalmente em 12 de dezembro, 2008.
A grafia é a de Portugal.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Depois de tudo

Jorge Adelar Finatto


Depois de tudo ele quer só um banho. Não o tagarela e desajeitado das enfermeiras. Anseia um banho demorado, com direito de ficar só, recolhido, senhor de seus domínios. Durante o tempo em que esteve longe do mundo e do próprio corpo, viajando na nuvem de morfina, sonhava em sentar debaixo de uma cachoeira e ali ficar um dia inteiro sentindo a água cair.

Havia muitas árvores nesse lugar, camélias brancas, pássaros, um ar carregado de fragrância de mato, bom de respirar. Havia também uma mesa larga e comprida, onde gente da família e amigos se encontravam para o café da tarde. Até  os desaparecidos se chegavam na mesa para conversar com ele. Até mesmo o pai, imemorial ausência, surgiu no sonho e o abraçou calidamente, como nunca antes fizera.

Reencontrou o córrego da infância, entre os pinheiros. Caminhou sobre os seixos, olhou o movimento ligeiro e colorido dos peixes na água. Recordou o jeito da  saíra entrar e sair do ninho. A suave luz de maio a tudo envolvia.

Agora está de novo em seus domínios,  o hospital ficou pra trás. Embaixo do chuveiro, a água morna escorrendo na cabeça, no corpo, ninguém pra segurá-lo, virá-lo dum  lado pra outro feito joão-bobo. Sob a água, sentindo os seixos nos pés, o vento leve na face, os peixes no córrego, conversas na mesa larga dos afetos, ele celebra a dádiva de estar vivo.

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Foto: J. Finatto

terça-feira, 29 de junho de 2010

Queremos bem a Goethe

Jorge Adelar Finatto


Não tenho tempo nem a necessária disposição para, a essa altura, aprender alemão gótico. O muito pouco que sei do idioma de Goethe aprendi com Púbi Mann, o maior germanófilo vivo de Passo dos Ausentes. O Púbi esteve ontem aqui em casa, bastante preocupado com uma notícia publicada na Folha de São Paulo, edição de 26 de junho passado, de autoria de Lucas Ferraz. Diz  a matéria que um acervo com mais de seis mil volumes, reunindo obras de autoria de Johann Wolfgang  von Goethe (1749-1832) e outras a seu respeito, está guardado sem o devido cuidado na biblioteca do Ministério da Justiça, em Brasília.

Trata-se, conforme o adido cultural da Alemanha, Holger Klitzing, de uma coleção impressionante. Talvez seja o mais importante conjunto de livros sobre o grande escritor alemão na América latina. Há obras do final do século 17, entre elas algumas artesanais e ilustradas a ouro. A maior parte foi editada entre 1780 e 1860 e está escrita em alemão gótico seiscentista. Outras foram escritas em alemão contemporâneo, inglês, francês, italiano, espanhol e português.

Os livros foram comprados pelo governo brasileiro há cerca de 40 anos, quando era Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, que gostou muito da coleção, à venda na livraria Kosmus, do Rio de Janeiro. Segundo livreiros, o preço pago então, Cr$ 80.000,00 - equivalente hoje a quase R$ 70.000,00 - estaria muito abaixo do valor real.

Conforme noticiado, o governo diz que irá restaurar a rara coleção até 2011.

Púbi Mann está inconformado, porque os livros apresentam  mofo, estão em estado sofrível, desorganizados e sem possibilidade de consulta pelo público.

- Os livros estariam melhor cuidados aqui em Passo dos Ausentes - , disse Púbi, que é o guardião da nossa pequena biblioteca.

Dom Sigofredo de Alcantis, nosso filósofo, inteirou-se de tudo o que estava se passando. Ele e Púbi são os únicos da cidade que entendem alemão gótico. Em certas tardes, reúnem-se para ler, em voz alta, textos de Goethe na Praça da Ausência, na presença de estudantes, para os quais, em seguida, fazem a tradução , transmitindo noções do idioma alemão.

Depois de planejar uma ida a Brasília para tentar influir no destino e na salvação do importante acervo, Púbi Mann e Dom Sigofredo desistiram da ideia, devido às peculiares condições atmosféricas reinantes aqui nos Campos de Cima do Esquecimento. 

A chuva, a neblina, a geada, o vento e o frio não nos dão trégua  o ano inteiro. Vivemos, a duras penas, a 1.800 metros de altitude, nem sequer estamos no mapa do Rio Grande do Sul. Somos poucos e invisíveis. Ninguém chega, ninguém sai.  A única estrada que nos liga ao mundo está, como sempre, intransitável. Em suma, não há nada de novo sob as névoas eternas de Passo dos Ausentes. Mas queremos bem a Goethe.

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segunda-feira, 28 de junho de 2010

Postais do portal do inverno

Jorge Adelar Finatto


Agora é o tempo da longa espera do sol.

O outono passou com seus pássaros tristes,  suas árvores desabitadas.




O inverno é  um filme de cinema mudo.









 



Agora, espessas nuvens povoam o céu.



As sementes sonham com a claridade. 
 


A primavera é a promessa que amadurece em silêncio no  secreto movimento das seivas.

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Fotos: J. Finatto

sábado, 26 de junho de 2010

À sombra de uma oliveira


"Mas não subiu para as estrelas,
 se à terra pertencia". 

 Memorial do Convento



José Saramago repousará no Campo das Cebolas, após remodelação no local, em frente à Casa dos Bicos, sede da Fundação José Saramago, à sombra de uma oliveira centenária que será transplantada da sua aldeia natal, Azinhaga, para Lisboa.


A frase do "Memorial do Convento" estará inscrita em pedra de Pero Pinheiro. 
 
Um banco de jardim possibilitará que os seus amigos leiam fragmentos da sua obra ou observem a paisagem que o Escritor teria da sua janela.

José Saramago está em Lisboa, nos seus livros, mas, sobretudo, nos nossos corações.

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Notícia extraída do site da Fundação José Saramago.
http://www.josesaramago.org/
 
Imagem: Casa dos Bicos, Lisboa. FJS