sábado, 4 de dezembro de 2010
Retratos
Jorge Adelar Finatto
Quem passar por esses dias em Gramado está convidado a fazer uma visita à minha exposição Retratos, que acontece na Cafeteria Bello Gusto, Av. Borges de Medeiros, 2193, centro da cidade. Imagens de Passo dos Ausentes estão lá, pra quem quiser ver, até final de dezembro. A entrada é no amor.
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Foto da exposição: J. Finatto
quinta-feira, 2 de dezembro de 2010
Ruminante claro
Jorge Adelar Finatto
Deus me deu esse dia. Me dei a tarde de presente e saí por aí. Nunca vi tão rara composição de cores. A cidade nessa época é um quadro impressionista. Olho as coisas aqui debaixo, tristeza de não ser pássaro. É o que se vê: luminosa aquarela: verdes, azuis, vermelhos dialogam com rosas, amarelos, brancos, ocres. No itinerário de colinas entre os bairros Moinhos de Vento e Bela Vista, há muita ladeira pra vencer. Jacarandás nas calçadas, buganvílias nos muros. Hibiscos, sim, hibiscos. Do bosque de um desmoronado casarão, escuto velhas conversas de fim de tarde, sob a invisível pérgula. Os ausentes bebem suco de fruta há pouco colhida. Não vou falar agora do excesso de carros na rua, do ruído, da fumaça, da fúria dos motoristas. Ninguém vai atropelar esse momento. Prossigo. Lilases flores caídas brilham no chão. Sou parte da aquarela da tarde que declina e nunca mais voltará. Habito o interior dessa misteriosa obra de arte. Do meu jeito: lento, ruminante, claro.
Foto: J.Finatto
quarta-feira, 1 de dezembro de 2010
Meus amigos
Jorge Adelar Finatto
Não esqueçam
de me visitar
nas noites
de inverno
quando o medo
cobra caro
e as feridas
não deixam mentir
insolúvel jogo
de espelhos
entre mim
e o que fui
ando bêbado
pela casa
meu coração
é operário
desempregado
com filho pra criar
mulher feia
sem crédito no armazém
me enrosco
em invenções
inúteis
pra repartir contigo
um espaço de ternura
sinto umas
coisas estranhas
caminharem atrás de mim
um cano de fuzil
um casal de velhos famintos
um câncer
e me desagrada não ser
como certos fantasmas
convoco o
silêncio e
suas raízes
inauguro a
manhã
não, eu não sou
uma estrela
um rio
um barco
nada se compara
ao que sinto
preciso todos
ao redor da mesa
principalmente
os desaparecidos
como certos crepúsculos
que a gente vê
fogem e nunca mais
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Poema do livro Claridade, co-edição Prefeitura Municipal de Porto Alegre, Editora Movimento, Porto Alegre, 1983.
Foto: J. Finatto
terça-feira, 30 de novembro de 2010
Neblinense
Farandolino Brouillon
Quando hoje a neblina cercou a casa, tudo ficou branco e deserto como um labirinto no gelo. Os seres e as coisas desapareceram. Silenciosamente fui até a janela. As silhuetas, de modo intermitente, surgiam e submergiam na névoa. Lembrei de quanta gente fugiu do retrato. Nem faz tanto tempo. Não sei mais direito que lugar é esse. Até há pouco estavam aqui, falando, gesticulando, rindo, sofrendo, contando histórias, reclamando, dando a mão. Certas ruas e esquinas moram dentro de mim, certas portas, soltas no espaço, me acenam, certas praças estão abandonadas. Eu viajo no trem noturno que atravessa os Campos de Cima do Esquecimento nesse absurdo itinerário. As cartas não escritas estão na mão do carteiro que se extraviou na bruma. Hoje, quando a neblina chegou de repente, envolvendo a casa, perdi meu rosto. Fiquei cego. Havia uma paisagem invisível lá fora e outra em mim. Fui andar no jardim à procura de quem sou. Muitos partiram. Estão todos cobertos, profundamente, em negras nuvens de seda. Sou habitante de um continente de fantasmas.
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Foto: J. Finatto
domingo, 28 de novembro de 2010
Basquiat, anjo caído, expõe em Paris
Jorge Adelar Finatto
Saído do mundo das ruas, onde pintava grafites,
o artista conquistou as galerias e museus com sua arte.
Alguma coisa no traço de Jean-Michel Basquiat prende o olhar. Os grafites, em geral, cansam e entediam. Parece que só pioram a sensação de solidão e isolamento das grandes cidades. Raramente dizem algo poeticamente revelador. Mas sou teimoso. Sou capaz de parar na rua e ficar diante da parede ou muro, tentando entender e sentir o que é aquilo. Costumo ser vencido pelo vazio.
O grafite atingiu status de arte nos últimos anos graças ao talento de alguns desses artistas de rua. Notadamente o grafite figurativo, diferente da pichação e daquilo que se limita a simples inscrição de letras ou números. Espaços públicos passaram a ser destinados a esses criadores. Quer dizer, cada vez menos a atividade criativa do grafiteiro é vista como um caso de polícia. Os próprios artistas estão conversando com a turma da riscalhada, pedindo que não estraguem esses ambientes duramente conquistados.
Quando vi pela primeira vez as pinturas de Basquiat, tentei, depois dos cinco minutos iniciais, desviar o olhar e seguir meu caminho, mas não consegui. Comecei a percorrer a trilha da composição em cada quadro. Ali estava a visão de mundo elaborada esteticamente, com sua origem afro-americana, impregnada com áspero espírito urbano e uma busca intensa de liberdade e denúncia. São grafites figurativos, agora fora das ruas, nas galerias, com cores e sentidos fortes.
Jean-Michel nasceu no Brooklyn, Nova Yorque, em 22 de dezembro de 1960, e morreu aos 27 anos, em 12 de agosto de 1988, na mesma cidade. Filho de pai haitiano e de mãe filha de porto-riquenhos, tornou-se reconhecido, primeiro, como grafiteiro e, depois, como artista plástico. Ele foi um dos principais responsáveis pelo reconhecimento do grafite como manifestação artística.
Por volta dos 17 anos, começou a pintar em prédios abandonados de Manhattan. A assinatura com que então se identificava era “Samo” ou “Samo shit” (same old shit, sempre a mesma merda, ou a mesma merda de sempre). Num período, depois de sair da casa dos pais, teve de vender camisetas e postais na rua pra sobreviver. O trabalho de Basquiat chamou a atenção e começou a ser comentado, ganhando rapidamente destaque nos meios de comunicação. Passou a pintar quadros e expor. Constitui-se num raro caso de artista que cedo alcança reconhecimento. Formou, também, uma banda com conhecidos e participou de, pelo menos, dois filmes. Em 1982, teve um namoro com uma cantora pouco conhecida na época, Madonna. Fez parcerias com Andy Warhol.
Uma vida intensa e profissionalmente exitosa, com enorme exposição midiática, não o livrou do convívio com drogas como heroína e cocaína.
Morreu de overdose, no auge da carreira, em seu estúdio.
A obra de Basquiat é reconhecida e valorizada internacionalmente. Não se trata apenas de um caso de marketing. Há muita criação e valor poético nesses traços inquietos, vibrantes, agressivos, questionadores. A expressão do artista atingiu uma identidade que a caracteriza como única.
Olhemos as pinturas de Basquiat. Acaso não haverá no pulso febril e explosivo algo que o aproxima de irmãos mais velhos como Tintoretto e Van Gogh? Essas cores e figuras nos remetem a momentos de emoção, beleza e reflexão.
Basquiat foi um anjo caído na Terra, que muito cedo deixou o mundo. Fallen Angel, título da pintura azul acima.
O Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris está realizando uma exposição com a obra de Basquiat, desde outubro passado, que se estenderá até final de janeiro de 2011. Filas de quase 500 metros formam-se para a visitação. O interesse das pessoas se explica por se tratar de uma grata descoberta no território atualmente rarefeito de valores das artes plásticas.
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Imagens: foto e pinturas de Basquiat. Fonte: site oficial do artista: basquiat.com
© The Estate of Jean-Michel Basquiat / AUTVIS, 2010
English text:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2011/03/coming-from-streets-where-he-painted.html
© The Estate of Jean-Michel Basquiat / AUTVIS, 2010
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http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2011/03/coming-from-streets-where-he-painted.html
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sexta-feira, 26 de novembro de 2010
A sinistra sinfonia
Lorenzo Schissi Finatto
A atual onda de violência que tomou conta da cidade do Rio de Janeiro assusta. Até o momento, em 5 dias de conflito, aproximadamente 40 mortes já foram contabilizadas pelos órgãos oficiais, mas essa conta ainda deve crescer, e é imensa se considerarmos apenas os anos próximos que a precedem.
Pra quem mora na cidade, a sensação é de guerra declarada. Uma espécie de Bagdá brasileira que aguarda pelas próximas bombas, os próximos veículos destruídos, os próximos territórios ocupados. Se aqui não há o fanático extremismo religioso, sobram extremos de outras ordens. Qual a razão de tanta brutalidade?
É certo que as verdadeiras razões da barbárie merecem estudo minucioso para que se chegue o mais próximo possível das raízes do problema. Todavia, motivos como a má distribuição da renda, a falta de oportunidades aos jovens – especialmente aqueles das comunidades mais carentes –, o alto lucro de tão poucos (instituições financeiras, por exemplo), em detrimento de tantos, apesar de repetidos à exaustão, certamente explicam em parte o triste quadro da realidade brasileira.
Diante de tudo isso, o fascínio da promessa de ascensão social “fácil” feita pelo tráfico de drogas atrai a muitos. Não sou dos que creem que a pobreza e a falta de oportunidades justificam a criminalidade, a conta não é tão simples de ser feita. Fosse assim, o número de criminosos em nosso país saltaria insuportavelmente. A verdade é que a imensa maioria da população humilde é de gente honesta e trabalhadora. Por outro lado, a corrupção geralmente ocorre entre as camadas mais altas e instruídas da população. Difícil exigir dos jovens marginalizados e fragilizados pela própria inoperância do Estado e pela indiferença de parte da sociedade uma atitude moral que não existe em alguns dos componentes de destaque da estrutura dos poderes da República, conforme a imprensa cotidianamente noticia.
Ao assistirmos a tudo pelos meios de comunicação (as câmeras de televisão, em especial, fazem o máximo para mostrar os detalhes do “conflito”), percebemos o quanto o momento é assustador. Por outro lado, talvez seja a hora de debater seriamente as raízes do problema da drogadição em nossa sociedade. Se existe o tráfico, é porque existe um mercado consumidor, principalmente entre as classes média e alta da população. E por que a vida dessa gente se tornou tão insuportável a ponto de necessitarem profundamente da droga para vivenciarem momentos de esquecimento e fuga?
Causa estranheza a pressa com que as autoridades vêm a público para garantir (não se sabe com base em que mágicos poderes) que a realização das olimpíadas e da copa do mundo não está ameaçada. Não seria melhor utilizar os incontáveis bilhões desses eventos (relevantes, sem dúvida, mas não nesse momento) na construção de hospitais, creches, centros comunitários e culturais, escolas, postos de saúde, urbanização de comunidades carentes, presídios etc.? As autoridades se apressam em confirmar os dois megaeventos esportivos. Enquanto isso, nosso Titanic afunda, após chocar-se contra o gigantesco iceberg da violência e do abandono. Mas a orquestra, inútil, não para de tocar a triste e sinistra sinfonia.
O Rio de Janeiro e o Brasil merecem mais do que isso.
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Lorenzo Schissi Finatto é bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais no Rio Grande do Sul.
Foto: favela no Rio de Janeiro. Autoria: AP. Fonte: noticias.terra.com.br
Foto: favela no Rio de Janeiro. Autoria: AP. Fonte: noticias.terra.com.br
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