sexta-feira, 27 de maio de 2011

Livro, livros

Jorge Adelar Finatto


Passei um tempo numa livraria-café nesta tarde de maio. As livrarias me causam encantamento natural, porque gosto de caminhar em meio a  bosques. Por outra parte, elas me trazem um sentimento de angústia, porque há livros que nunca lerei, o tempo é curto, as estantes são infinitas.

Peço desculpas prévias aos livros e autores que não conhecerei.

Mas tem o lado da beleza colhida nos livros descobertos na imensa floresta. A esses, gratidão.

Cultivo a arte de ser lento.

Essa coisa tão fora de moda que é parar, fazer silêncio, sentir o mundo.

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Foto: J. Finatto

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Pequenas notícias

Jorge Adelar Finatto


O poema é uma pequena notícia, uma biografia mínima. É alguém contando sua passagem no mundo. Deve ser lido aos poucos, em lentos sorvos, à impossível pressa. Como quem estivesse a bordo de um breve barco que avança calmamente pelo rio. Sou capaz de ouvir o rumor dos remos batendo na água. 

Escrever poemas depois de Walt Whitman e Fernando Pessoa pode parecer um tanto quanto inútil. O imenso talento e a altura da obra destes dois poetas universais podem soar inibidores de novas vozes. Mas, abrindo um pouco mais o olhar, é possível reconhecer em cada indivíduo uma nova maneira de ver e sentir a existência. Como se a experiência do ser humano no planeta se renovasse em cada um de nós. Então, se assim é, o texto da vida está sendo sempre reescrito. Por isso todo canto é bem-vindo. Ninguém deve desistir diante da tradição. A obra dos que vieram antes deve servir de estímulo e inspiração, não de constrangimento. O resto é vida, trabalho e fé.
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Foto: J. Finatto

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Seco

Jorge Adelar Finatto



photo: j.finatto
 
Coração seco, boca seca, mão seca. Secas palavras, medo seco. Secas pétalas de camélia vermelha dispersas no chão da praça. Seco, seco.
 
Secos pássaros dormem em ressequidos galhos. Secas folhas de plátano se agitam contra o azul. Manhã silenciosa, bailarina morta na caixa de música, enferrujado relógio de parede, tudo seco.
 
Secou a ponte que unia os amantes, inundava-os com a urgente carícia. Secaram as velas das faluas do Tejo.

Os olhos que olhavam o pôr-do-sol no Guaíba secaram, secaram.
 
Secos homens invadiram as ruas secas da cidade, cometeram tristes barbaridades.
 
O milharal, de tão seco, pegou fogo.
 
Sentimento e pensamento, secos. O sexo ficou seco. As páginas do livro de poemas por escrever, secas, secas.

Seco olhar observa do fundo do espelho.
 
A ternura, a ternura, um rio seco, seco dentro do coração. 
 

sábado, 21 de maio de 2011

Lars von Trier e a desumanização da palavra

Jorge Adelar Finatto

Não terá sido esta, provavelmente, a última vez que alguém declara simpatias por Hitler e pelo nazismo. O cineasta dinamarquês Lars von Trier foi mais um, ao declarar, no Festival de Cinema de Cannes, compreender Adolf Hitler e ser nazista. Disse que gostava de judeus, mas nem tanto, porque Israel é um pé no saco. Declarou-se, também, admirador da arte e do talento de Albert Speer, arquiteto oficial do Terceiro Reich.

As declarações foram feitas durante entrevista coletiva de apresentação de seu filme Melancholia, na quarta-feira passada. Diante da péssima repercussão, desculpou-se depois, afirmando arrepender-se do que disse, que tudo não passou de uma brincadeira estúpida. Acrescentou que não era nazista.

Os responsáveis pela organização do festival expulsaram von Trier do evento por suas afirmações. Admitiram, contudo, que seu filme continuasse concorrendo. Além disso, declararam-no persona non grata. Caso seu filme venha a ser premiado, ele não poderá estar presente na cerimônia, conforme amplamente divulgado na imprensa. Pelo que entendi, ironizou o cineasta, a decisão significa que eu estou proibido de chegar a cem metros do Palais. Mas acho que posso tomar um sorvete ali perto e olhar à distância.

O que impressiona, além das declarações absurdas, é essa maneira frívola como von Trier trata o episódio, mesmo após a repercussão negativa e do seu pedido de desculpas. Dificilmente alguém brinca quando se trata de Hitler e da 2ª Guerra Mundial. Estamos falando de um dos maiores, mais cruéis e terríveis massacres da história do homem, sendo desnecessário estender-se sobre suas funestas e indeléveis consequências.

Impressionante ver que um homem de 55 anos, diretor premiado de cinema, que trabalha com cultura de massa, não tenha o alcance do que diz (não terá mesmo?), numa coletiva daquele que é um dos mais tradicionais festivais de cinema do mundo. É triste vê-lo ocupar um espaço de tamanha importância e visibilidade para dizer coisas como essas, que ofendem não apenas os judeus como são uma afronta a toda a humanidade. Se quem tem o poder da palavra, na arte, o utiliza desta forma, estamos muito mal.

Diante do seu pedido de desculpas, diminui a justa indignação das pessoas que não aceitam qualquer forma de condescendência com a intolerância, a crueldade e a violência. É muito complicado tudo isso, vindo de quem vem.

Se é verdade que a boca diz aquilo de que o coração está cheio, então a situação do cineasta é mais preocupante do que parece. Esperemos, todavia, que não, que tudo, realmente, não tenha passado de uma brincadeira estúpida.

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Declarações do diretor, em itálico, colhidas do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, edições de 19 e 20 de maio, 2011.

sexta-feira, 20 de maio de 2011

O alfarrabista e as florestas do mundo

Jorge Adelar Finatto


O instante é este pedaço de eternidade. Traço essas linhas enquanto olho pela janela, o vento nas folhas do arvoredo em volta da casa. A lenha queima na lareira, a chama ilumina e aquece. Escrever é um jeito de participar da vida. E é bom ficar assim, sentindo o movimento do planeta em seu giro pelo universo. Neste recanto de montanha, nessa hora tardia, um pouco de sossego no coração.

Há muitos bons livros que nunca lerei, idiomas bonitos que não aprenderei, cidades e ruas que não terei tempo de visitar. Há pessoas com quem jamais trocarei uma só palavra. É estranho pensar nisso.

A partilha da solidão entre todos os seres. Não será menos solitário o alfarrabista enquanto espera entre as florestas de livros. Livros que esperam nos bosques das estantes. Autores e livros à espera de quem os descubra e os ame. Existe solidão abissal em não ser descoberto nem amado.

Nessa hora longínqua, de noite fria lá fora, folhas caindo no pátio, preciso acreditar que há amor para todos. Neste momento, o que escuto é a bela música da vida.

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Foto: J. Finatto
 

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Hermeto Pascoal

Jorge Adelar Finatto



De menino eu quisera ser marinheiro. Mas depois, com medo do mar, eu fora é músico, uma orquestra inteira, no meu coração sonhador. A música é um jeito da gente trazer o mundo dentro de si, e todas as vidas, todos os barcos e todas as águas junto. Se alguém procura saber, no hoje (tão longe do menino que eu fui e dos sonhos que não aconteceram) que Villa-Lobos eu quisera ser, neste agora tão medonho da vida e do mundo, então eu dizia, sem remorso nem bazófia: quisera ser Hermeto Pascoal. Não medra esconso  o meu dizer. Quero os versos e os acordes do alvoroço. O amanhecer do humano esforço. Grande Sertão e estelares veredas. Algaravia de sons. Tudo voa e no ar se encontra. Os arranjos do engenho e da arte que o artista faz. Não faço enciclopédia, digo apenas o que sinto, e já não é pouco nessa quirera. Eu quero, sim, os espantos. O cheiro da flor da laranjeira de manhã. Eu quero a hermética, universal, pascoalina melodia.

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Foto: Hermeto Pascoal. Autor: Rique Barbo. 
Fonte: site oficial do artista: http://www.hermetopascoal.com.br/

quarta-feira, 18 de maio de 2011

Eugénio de Andrade

Jorge Adelar Finatto


Na vida, ter talento só não basta, é preciso trabalhar muito para chegar a algum resultado. Muitos talentos se perdem, nas mais diversas atividades, por falta de entrega e persistência.

Existe um poeta pouco conhecido no Brasil, que é dos grandes que temos na língua portuguesa: Eugénio de Andrade. Nasceu em 19 de janeiro de 1923, em Póvoa de Atalaia, centro de Portugal, e morreu em 13 de junho de 2005, na cidade do Porto, onde hoje existe a fundação que leva seu nome.

Lê-se pouca poesia no Brasil e no mundo, de modo geral. Os tempos são duros. A poesia é o gênero literário que pede um leitor sensível, atento à beleza da palavra e da composição no seu grau mais elevado de elaboração (o poema), e, sobretudo, um leitor dotado de espiritualidade.

Um brutamontes dificilmente terá afeto pela poesia.

Eugénio de Andrade é um belo poeta. Lida com o poema de forma rigorosa e, ao mesmo tempo, com notável simplicidade. A simplicidade que só os mestres alcançam como resultado da dedicação cotidiana e obstinada ao trabalho.

Na vida, ter talento só não basta, é preciso trabalhar muito para chegar a algum resultado. Muitos talentos se perdem, nas mais diversas atividades, por falta de entrega e persistência.

A poesia de Eugénio de Andrade nos traz encanto e esperança. Como nestes dois poemas.


O SORRISO

Creio que foi o sorriso,
o sorriso foi quem abriu a porta.
Era um sorriso com muita luz
lá dentro, apetecia
entrar nele, tirar a roupa, ficar
nu dentro daquele sorriso.
Correr, navegar, morrer naquele sorriso.


VER CLARO

Toda a poesia é luminosa, até
a mais obscura.
O leitor é que tem às vezes,
em lugar de sol, nevoeiro dentro de si.
E o nevoeiro nunca deixa ver claro.
Se regressar
outra vez e outra vez
e outra vez
a essas sílabas acesas
ficará cego de tanta claridade.
Abençoado seja se lá chegar.


A obra do poeta é rara. Para melhor conhecê-la é interessante uma visita ao site da Fundação Eugénio de Andrade¹ e, claro, a leitura de seus livros. Entre nós, onde Eugénio, infelizmente, é quase desconhecido, existe a antologia Poemas de Eugénio de Andrade², que oferece uma boa visão do conjunto de sua obra.

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¹Fotos e poemas de Eugénio de Andrade reproduzidos do site da Fundação Eugénio de Andrade:
http://www.fundacaoeugenioandrade.pt/
² Poemas de Eugénio de Andrade, Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1999.
Texto publicado em 25 de maio de 2010.