segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um vento com jeito de despedida

Jorge Adelar Finatto


Van Gogh Museum - Amsterdam

Amsterdam. Essa é a cidade das mil pontes que atravessam os cem canais espalhados por todos os cantos. Um labirinto. As casas de tijolinhos ocres e marrons sao todas iguais e parecem saídas daqueles jogos de construir para criancas.

A monotonia da paisagem nos dá a sensacao de não sair do mesmo lugar. O que salva é o bailado das gaivotas sobre as aguas turvas.

Amsterdam é, sobretudo, o Museu Van Gogh. A coleção abrange obras que vão desde a formação até a maturidade do artista. Um encanto. Me emocionei diante da pintura do quarto onde ele morou em Arles.

O vento passa sobre os barcos e invade as esquinas. Um vento com jeito de despedida.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O escolhido de Deus

Jorge Adelar Finatto

"A Catedral", escultura de Auguste Rodin, Museu Rodin, Paris. photo: j.finatto

Paris. Sempre penso que Deus fala através dos artistas. Acho que eles têm a missao de continuar a criaçao do mundo. Carregam a centelha divina capaz de revelar a beleza escondida. Iluminar o calabouço da condiçao humana faz parte deste designio.

Fui visitar o Museu Rodin. Esse homem foi um artista abençoado. As esculturas que fez em materiais dificeis como marmore e bronze sao absolutamente belas. Mesmo um admirador eventual como eu nao fica insensivel diante de tanta beleza.

Deus colocou nas maos, no coraçao e na mente de Auguste Rodin  um talento especial para esculpir, pensar e sentir sua arte - e ele soube aproveitar (para nosso proveito e encanto). Chegamos a duvidar que um ser humano seja capaz de realizar obra tamanha em quantidade e qualidade. Sao esculturas divinas.

Eu poderia ficar na frente de um pedaço de marmore uns dez anos e, pelo pouco que sei de mim, nao sairia sequer um traço, quanto mais uma simples escultura.

Deus distribui talentos, a cada um de um jeito. O segredo esta em descobrir a capacidade que nos destinou e depois trabalhar, trabalhar muito. Dar o nosso melhor para tornar a vida menos sofrida e mais bonita, eis ai um belo projeto, nesse planeta onde tantas vezes nos sentimos exilados do paraiso.

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As fotos virao em breve.
Conto que continuarao a distribuir os acentos pelas palavras, sem avareza.

terça-feira, 22 de novembro de 2011

Memória nas ruas de Paris

Jorge Adelar Finatto

"Em memória das crianças, alunos dessa escola [Lycée Henri IV], deportadas de 1942 a 1944 porque nasceram judias, vítimas inocentes da barbárie nazista, com a cumplicidade ativa do governo de Vichy. Elas foram exterminadas nos campos da morte. Não as esquecemos jamais". (tradução livre e photo: j.finatto)


Paris. Uma das coisas que admiro nos franceses e' a consideraçao que têm pela memo'ria historica. Em Paris, a cada passo encontramos placas na via publica. Elas contam coisas boas e ruins que aconteceram por aqui. Ha' um respeito pela verdade.

Nao se trata de uma memoria seletiva, hipocrita. Numa escola de crianças, no Quartier Latin, ha' uma placa na parede que da' para a rua informando que, durante a ocupaçao nazista, muitos meninos e meninas judeus desse colegio foram levados para os campos de concentraçao alamaes, com a concordancia das autoridades francesas, sendo depois assassinados.

Na esquina dos bulevares Saint-Michel e Saint Germain, uma outra placa informa que, naquele local, no dia 19 de agosto de 1944, Bottine Robert foi morto pelos nazistas por lutar pela libertaçao de Paris.

Sao fatos completamente diferentes dentro de um mesmo contexto historico, revelados nas ruas da cidade, 'a luz do sol ou da lua, pra quem quiser saber. E' importante que assim seja, que todos saibam, para que essas coisas nunca mais se repitam.

Que a historia contada e sabida sirva de farol dentro do negrume dos tempos atuais, em que mais uma vez a crise mundial testa a capacidade dos paises em se solidarizar para evitar o pior.

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Espero que os caros leitores façam aquilo que nao estou conseguindo por aqui: distribuam generosamente os acentos nas palavras.

domingo, 20 de novembro de 2011

Visita ao cemitério

Jorge Adelar Finatto

Aviso (com beijinhos) diante do túmulo em obras. photo: j.finatto

Paris. O domingo de sol e frio e céu azul foi ideal para visitar o Cimetière du Père-Lachaise. Muita gente vem a esse cemitério, inclusive em grupos com guia, porque nele habitam (silenciosamente, claro) vultos da cultura, ciência, artes, filosofia, politica, etc.

Vim pra conhecer um tumulo em especial, o de Oscar Wilde. Esta em reforma, mas ainda assim pude constatar o que sabia por ouvir dizer: nele se depositam sempre muitas flores e bilhetes e beijinhos apaixonados com batom vermelho sobre a lapide gelada.

photo: j.finatto

As pessoas dirigem-se ao escritor como alguém vivo, capaz de lhes transmitir impulso vital e alegria de viver. Nenhum outro, nessas cercanias tao caladas, tem esse apelo e nem visitantes tao dispostos a celebrar a vida. Proust e Balzac estao aqui perto, mas nao tem comparaçao. 

Pra toda essa gente, Oscar Wilde, mesmo morto, continua muito vivo. Nao pode haver maior gloria para um escritor. Oportunamente virao as fotos e os acentos.

sábado, 19 de novembro de 2011

Quanto vale

Jorge Adelar Finatto

Madri. Dizem que a poesia nao dá retorno econômico, os livros  de poemas nao vendem ou vendem mal. Em tempos como o que vivemos, o dinheiro passa a ser tudo, porque esta é a lei dos que mandam no mundo, o sistema bancário e a indústria de armas.

A vida podia ser muito melhor para todos mudando algumas peças desse tabuleiro. Nos Estados Unidos e na Europa, os peoes, torres, cavalos e bispos começam a avançar contra os reis e rainhas do atual sistema.

A economia é uma dimensao importante da realidade, mas nao pode ser a única a ditar regras.

Quanto vale, eu pergunto, o Poema em linha reta do Fernando Pessoa (lembrando que ele escreveu centenas de outras obras-primas como essa)? Ele que passou a vida dependendo de favores de familiares e de amigos, muito embora trabalhasse como tradutor em casas comerciais.

Quanto vale, para as finanças do país e do universo, o amanhecer  sobre a névoa em Passo dos Ausentes, o som do riacho escorrendo entre os seixos, à sombra das árvores?

Quanto vale a queda amarela dessa minúscula folha, na tarde de outono, um acontecimento irrepetível, porque nunca mais haverá esta folha nem este momento?

Quanto vale o nosso sentimento em relaçao às pessoas e  ao mundo?  Pense nas coisas que lhe sao caras. A maioria delas nao tem seu valor estimável em dinheiro.

As coisas espirituais nao podem ser reduzidas a um  sorriso irônico e simplesmente jogadas no lixo como sao.

A crise por que passamos é uma oportunidade de mudar o jogo, tornar o  planeta mais humano, pondo fim à fabricaçao e venda de armas e impondo limites aos imperadores dos bancos. Mais agricultura, mais livros, menos conflitos, mais vida.

Escrevo enquanto espero o trem na estaçao de Atocha,  saboreando a invencível taça com pao e manteiga. A vida pode ser simples e boa.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Com Lorca pela Andaluzia

Jorge Adelar Finatto

De Granada para Madri. Leio no El País (o Rio Grande do Sul é que merecia um jornal assim) que certos intelectuais espanhóis costumam dizer que, se Federico García Lorca nao tivesse sido assassinado, provavelmente teria acabado como letrista de Rocío Jurado (1946-2006), uma cantora popular aqui da Espanha. 

O autor do artigo, David Trueba, afirma que talvez fosse mesmo assim, ao argumento de que, neste país, se nao se assassinam ou levam ao exílio os grandes talentos,  eles sao condenados a uma sobrevivência precária. Todavia, ele nao considera uma derrota ser letrista de Jurado, que trabalhava a música sentimental  e cuja arte ajuda a entender o modo de ser e sentir do espanhol.

De minha parte, digo aos meus dois leitores (eram três, mas acho que um se mudou de mala e cuia para outros blogues, no mundo cruel  e sem coraçao da rede infinita de pescar leitores), pois digo-lhes que a ponderaçao acima vale para a Espanha, mas vale também para o mundo inteiro.

Os poetas e artistas sao seres incômodos, improdutivos, que pesam na vida da tribo, como as cigarras, ao contrário das sempre previsíveis e obreiras formigas.

No Brasil, onde nao se assassinam poetas, a indiferença do meio se encarrega de asfixiá-los. O Estado, a quem cumpre o papel de estimular a criaçao cultural em geral, atua de forma tímida e as oportunidades oferecidas sao poucas.

A arte, entre nós, será sempre ou quase sempre um milagre. O esquema industrial de produçao atua com valoraçao do lucro e, para tanto, despreza a criaçao enquanto alta manifestaçao do espírito. Nao há interesse nisso.

Os criadores sao levados muitas vezes a uma condiçao de párias sociais, às vezes em humilhante situaçao de dependência. Isso tudo é ruim, porque a arte é um poderoso formador de consciências e uma fonte de bem-estar emocional.

Estou convencido de que toda vez que alguém "perde tempo" tentando escrever um texto, pintar um quadro, tocar um instrumento, cantar uma música, dançar, representar, etc., o mundo melhora um pouco.


quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Zambra para Federico

Jorge Adelar Finatto

Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
Compadre, quiero morir
decentemente en mi cama.
(Romance Sonámbulo, Federico García Lorca)

Granada, 13 nov. O que pulsa à sombra das vetustas paredes da Alhambra? A velha cidade rumina o passado enquanto resiste ao presente. Ainda há pouco o vulto de Federico atravessou a Plaza del Carmen. A garoa noturna umedecia os olhos negros gitanos, o sorriso aberto do caballero de fina estampa.

O que pulsa na escuridao à beira da Alhambra? A Federico mataram por política, poder e ódio. A poesia sobreviveu. Nunca a mataram, nao conseguiram apagar . A poesia sobreviveu ao corpo nunca encontrado, à covardia dos assassinos. A poesia sobreviveu à angústia dos últimos momentos diante dos algozes.

A voz do poeta continua entre nós. Federico, viajante do tempo, nos deixou as palavras e a perplexidade do fim. 

O que pulsa em Granada, na noite de garoa e silêncio, é o poema cálido e vermelho de García Lorca.