domingo, 15 de novembro de 2015

Idea Vilariño, poeta

Jorge Adelar Finatto
 
poeta Idea Vilariño na juventude
 
Uno siempre está solo

Sempre estamos sozinhos
mas
às vezes
estamos mais sozinhos.

poema de Idea Vilariño ¹ (trad. livre de Jorge Finatto)

 
Idea Vilariño(1920-2009) é uma grande poeta uruguaia. Descobri-a no início deste ano, em Montevideo, cidade onde nasceu, viveu e morreu. Estou lendo sua obra, notável em intensidade, profunda, límpida, acolhedora.
 
O leitor não precisa ser especialista em poesia para penetrar nos versos de Idea. Basta ter um coração ávido.

Os textos respiram simplicidade. Mas é o simples conquistado com muito trabalho (mais fácil é ser enrolado, difícil, beletrista). A autora fez uso concentrado e depurado da linguagem. Suas composições vão do mais íntimo da alma ao tema geral, com grande qualidade e poder de comunicação.
 
Idea dizia muito com poucas palavras. Escrevia em qualquer papel que estivesse à mão. Poesia densa, amorosa, sofrida, social, que abarca uma rica experiência humana. 
 
Travar conhecimento com os versos de Idea Vilariño foi e está sendo uma bela revelação.
 
Ela também foi professora, compositora, tradutora e crítica literária. Participou da Geração de 45, de intelectuais do Uruguai que buscaram a renovação da arte em seu país.
 
Estou dando esta breve notícia porque se trata de uma autora quase ignorada no Brasil, que precisamos conhecer melhor. Uma criadora rara, universal. Como diz Rosario Peyrou, na apresentação de Vuelo Ciego: "É impossível ler Idea Vilariño sem sair sacudido, marcado de certa forma para sempre".²
 
Este papel mi vida
 
Olvidado
perdido
não lido
não aberto
amassado e ao fogo
fugaz incandescência.³
 
                  (trad. livre de Jorge Finatto)

Para quem quiser saber mais, vale a pena assistir o documentário do link abaixo, onde ela diz alguns de seus poemas.
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¹ Vuelo Ciego, Idea Vilariño. Apresentação de Rosario Peyrou. Visor Libros, Madrid, 2004.
² idem, pág. 22.
³ idem, pág. 87.

Depoimentos sobre Idea Vilariño e leituras de poemas por ela:
https://www.youtube.com/watch?v=A7WNtYPckYE
 

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

Num bosque da Toscana, o psiquiatra eremita

Jorge Adelar Finatto
 
fonte: Corriere della Sera 
 
A família procurava Carlos Sánchez Ortiz de Salazar (espanhol, 46 anos), desde que fugiu de casa aos 26.  Nos últimos dias, os pais e a irmã acreditaram que, enfim, estava vivo. Da Itália receberam informação de que ele vivia como ermitão num bosque da Toscana. Todavia, uma vez descoberto, voltou a desaparecer, fazendo sofrer seus familiares, que terão de continuar a busca.
 
Carlos foi encontrado num bosque de difícil acesso, com vista para o mar, perto de Scarlino, pequena localidade da Toscana, região central da Itália. O acaso levou catadores de cogumelo ao local onde vivia numa tenda, afastado de tudo e de todos. Conforme informações divulgadas pelo jornal espanhol El País (10 nov.) e pelo italiano Corriere della Sera (7 nov.), Carlos formou-se médico psiquiatra na Universidade de Sevilha. O desaparecimento teria ocorrido após uma grave depressão.
 
Natural de Bilbao, o último domicílio do médico na Espanha foi a pequena cidade de Cazalla de la Sierra, província de Sevilha. Ao ser encontrado, revelaram os catadores de cogumelo, mostrou-lhes o cartão da biblioteca e sua identificação de estudante da faculdade de medicina. Disse na ocasião:
 
- Sou espanhol, meu nome é Carlos e vivo aqui há 20 anos. Agora terei que me mudar novamente.

Depois deste encontro, sumiu. Os pais foram à Itália assim que souberam. Visitaram o refúgio do filho. Emocionaram-se. Afirmaram que tudo que queriam era vê-lo. 
 
A associação italiana Penélope, que dá apoio a famílias de desaparecidos, está acompanhando o caso. Membros de guarda florestal e pessoas das redondezas declararam que o viram algumas vezes e que se apresentava como um homem calmo, que não queria conversar.
 
O mais incrível desta história é que o médico foi declarado oficialmente morto pela justiça espanhola devido ao tempo em que esteve desaparecido.
 
O defunto Carlos, ao que se vê, está muito vivo, e aparentemente bem. Só não quer contatos. Os colegas de profissão do ausente provavelmente terão explicações para este proceder, que escapa ao entendimento da maior parte dos mortais. Mas qual de nós não teve, alguma vez, vontade de desaparecer do mapa, apagar o vivido, reiniciar a vida longe de todos em um lugar distante?
 
O psiquiatra Carlos optou pela ausência radical, essa forma de morrer em vida. Tornou-se um morto que respira solitário nos bosques da Toscana. Seu comportamento deixa muitas interrogações.

Contudo, digo eu, considerando que vivemos numa sociedade habitada por feras capazes das piores barbaridades contra os semelhantes (a começar pela indiferença), o doloroso desaparecimento não chega a ser um completo absurdo. Absurda é a vida do modo que está.
 
Carlos escolheu talvez um jeito diferente e invisível de sobreviver aos horrores da nossa civilização.
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El País:
http://politica.elpais.com/politica/2015/11/09/actualidad/1447069875_735570.html

Corriere della Sera:
http://www.corriere.it/cronache/15_novembre_07/carlos-eremita-per-20-anni-nascosto-bosco-maremma-genitori-credevano-fosse-morto-4d5446fc-857c-11e5-aefe-2915a18071e3.shtml
 

domingo, 8 de novembro de 2015

O concerto do sabiá-laranjeira

Jorge Adelar Finatto

sabiá-laranjeira. foto de Dario Sanches, São Paulo, 2006
fonte: Wikipédia
 
O mundo está povoado de barulhos. Principalmente o mundo das cidades grandes. A incômoda orquestra de automóveis, caminhões, motos, britadeiras, máquinas, etc., é fonte de constante mal-estar. Viver no interior é uma maneira de fugir disso e de outros demônios, como estresse, poluição, violência.
 
Nas cidades pequenas vive-se melhor. Que o digam os sabiás-laranjeira. Quando vou a Porto Alegre, ouço vizinhos reclamando que os sabiás estão acordando e cantando muito cedo na nossa rua e arredores.

De fato, a cantoria inicia por volta das 2h30min. No começo se ouve o canto solitário de um, depois se junta outro e outro e mais outro, até que se forma um coro de muitas vozes em direção ao amanhecer. É bonito.
 
Um pesquisador, num programa de televisão, disse que, nas pequenas cidades, eles começam a cantar só lá pelas seis da manhã. Segundo afirmou, o canto do sabiá é uma forma de atrair a fêmea. Devido ao barulho das cidades grandes, eles se veem obrigados a cantar no inicio da madrugada, único jeito de ser ouvidos pelas companheiras.

Portanto, antes de reclamar dos pássaros, devemos fazer o mea-culpa. Nós conseguimos desregular até o horário do canto dos sabiás com nossos barulhos. E ainda reclamamos.
 

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Anônimo amigo

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto

 
Tem um homem desesperado
que passa há séculos
na frente da minha porta

nunca conversamos
mas nossos olhos
se entendem

algum dia marcharemos juntos
rumo aos cata-ventos do sol

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Poema do livro Claridade, Jorge Finatto, Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1983.
 

terça-feira, 3 de novembro de 2015

A praia do gasômetro

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto

Ele precisava respirar um pouco de ar fresco, sair do calabouço. Recordou como eram bons os banhos, as caminhadas e brincadeiras que, quando crianças, faziam pela orla do Guaíba.

Um dia distante se viu só diante do rio. A casa da serra tinha afundado. O rio passou a ser seu amigo e confidente.

Foi até a margem do Guaíba fazer um passeio sentimental, que é uma maneira de não deixar o vazio tomar conta.

A hora mais feliz do dia era pela tarde, quando saíam do apartamento com roupas de banho, chinelo, toalha e iam para a praia do gasômetro, ali ao lado da alta chaminé que virou cartão-postal da cidade. Era só sair do edifício, atravessar a rua e estavam na areia. Ser feliz era simples assim.

O Guaíba é esse espelho sobre o qual o céu se debruça todos os dias com o sol, as nuvens e o azul, e à noite com as estrelas.

No dia em que tudo o mais estiver perdido, haverá a memória do rio e nela um barco branco com vela branca para levar o menino a navegar nas águas claras e sem margens da infância.

A ilha ensolarada da infância.
 

sábado, 31 de outubro de 2015

Véspera de Finados num país que afundou

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
Eu quero mais é voar pendurado num guarda-chuva grande e colorido. Voar sobre as ruas desertas do meu país, que bateu no fundo do abismo. Voar sobre as praças vazias, sobre as casas e apartamentos enovelados em silêncio, perplexidade e dor.

Eu quero tudo menos essa morte anunciada, lenta e cotidiana. Pra bem longe dessa tristeza e dessa desesperança eu quero ir. Não sei se é possível. Na verdade não é.

Será mais fácil sair voando a bordo de um guarda-chuva. Pelo menos foi isso que nos ensinou a inefável Mary Poppins. Ou até isso não passará de uma tola ilusão? Mas uma tola ilusão é necessária de vez em quando.

Não podemos é nos entregar nos braços da morte como querem seus emissários. E se nos déssemos as mãos e começássemos a varrer os destroços?
 

terça-feira, 27 de outubro de 2015

Fanicos & Farfalhas no Empório Canela

Jorge Adelar Finatto

photo: jfinatto
 
A exposição fotográfica Fanicos & Farfalhas está no Empório Canela, Rua Felisberto Soares, 258, centro da cidade, aqui na serra do Rio Grande do Sul. As imagens ficarão expostas até dezembro e são todas da região serrana, especialmente de Canela. Colhi as fotos com a amiga Coruja (ex-máquina, hoje quase um ser humano), durante as caminhadas polifônicas.
 
Não me lembro quantas vezes estive no Empório nos últimos anos. Levei a família, convidados, fiquei sozinho outras tantas.

photo: jfinatto
  
Muitas vezes estive ali na companhia de amigos como Ítalo Calvino, Ruy Belo, Vitorino Nemésio, Florbela Espanca, Drummond, Cecília, Clarice, Pessoa, Salvador Espriu, Bandeira, Antonio Tabucchi, Helena Jobim, Heitor Saldanha, Henrique do Valle, Ortega y Gasset, Cervantes, Miguel de Unamuno, Antonio Machado, Felisberto Hernández, Benedetti, entre outros. Companheiros com os quais dividi a mesa e dialoguei ao redor de taças de café, no intervalo das viagens a Passo dos Ausentes.
 
O Empório é um bom lugar para se estar só ou acompanhado.

photo: jfinatto
  
Além do café (meus dois preferidos são o de especiarias e o dolce), o Empório serve ótimos lanches e refeições, pois é restaurante, e dos bons. Pensam que é só? Também é livraria e sebo. E expõe artesanato de qualidade em vários materiais, além de objetos antigos. E tem mais coisas que fazem bem, entre elas o bom atendimento.
 
Estão todos convidados a visitar a exposição e o lugar. Vale.

photo: jfinatto