sábado, 7 de abril de 2018

A sapatilha do funâmbulo

Jorge Finatto
 
Autor: Wellcome Library, London. Fonte: Wikipédia
 
 
O TOMBO é feio. Não tem salvação.  Ele caminha sobre a tênue linha, magro, desmilingüido, traz as velhas sapatilhas douradas coladas aos pés.
 
O funâmbulo. Desde que se conhece por gente (?).
 
Vida dura. A sociedade? Uma tragédia.
 
O caos dos dias na Terra de Vera Cruz.
 
Vive-se o labirinto transfigurado em eufemismo e mentiras. Ninguém vê ninguém. Sectárias sereias. Como se fosse possível um viver sem o outro.

Não existe arte mais perfeita: não deixar-se devorar pela boca do abismo.

 A arte do funâmbulo é uma luzinha dentro da enorme caverna.
 
O medo é um luxo que já não nos cabe. A essa altura sobrevive-se, e não se reclame.
 
A esperança é só uma lágrima que refresca o inferno.
 
O Brasil faz mal ao coração.
 

domingo, 1 de abril de 2018

Bolero de Ravel

Jorge Finatto
 
folhas de outono: photo: jfinatto
 

A VIDA está estilhaçada. O coração das pessoas ficou gelado.
 
Ninguém mais lê um poema, um livro, um olhar.
 
Quem habita o banco de praça?

Quem contempla a praia vazia?

Quem faz silêncio em meio à algaravia?
 
Quem escuta o Bolero de Ravel?
 

quarta-feira, 21 de março de 2018

O Tega

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto


O Arroio Tega
era um som
um toque
um fio ligeiro
de água limpa
escorrendo mundo afora
no fundo das casas
da gente humilde

certo dia
emparedaram
o Tega

um pedaço
da minha

infância
afundou junto

agora flui

invisível
no subterrâneo

carrega na sombra
as tardes

que se foram
perdidos barcos

de papel
os sonhos do menino

em rumo cego
segue

o velho Tega
________

Poema do livro Memorial da vida breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.

terça-feira, 6 de março de 2018

Hieronymus Bosch

Jorge Finatto

Do tríptico As Tentações de Santo Antão. photo: jfinatto


HIERONYMUS BOSCH (c. 1450- 1516) será sempre um mistério, um caso raríssimo da pintura universal. Um mundo fantástico habita sua obra, repleto de seres estranhos, repulsivos, em situações que tanto lembram o inferno religioso e medieval, a realidade de sua época, como o nosso mundo contemporâneo com seus horrores e barbaridades.

Um grito, uma denúncia, uma profunda revolta diante da maldade humana. O tríptico As tentações de Santo Antão (cerca de 1500) é uma preciosidade do gênio holandês que integra o acervo do Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa. Nessas fotos, alguns fragmentos da extraordinária pintura. Absolutamente original e atual.


Tríptico, fragmento. photo: jfinatto


 
Tríptico, fragmento. photo: jfinatto


Tríptico, fragmento. photo: jfinatto


Tríptico, fragmento. photo: jfinatto

Tríptico As Tentações de Santo Antão, Hieronymus Bosch, c. 1500
Museu Nacional de Arte Antiga, Lisboa, photo: jfinatto



quinta-feira, 1 de março de 2018

A carta

Jorge Finatto 
 
Villars-sur-Ollon, Suíça.  photo: jfinatto


JUAN NIEBLA deu-me um encargo na Suíça: entregar uma carta a seu amigo de infância Henrikus Erasmus dos Santos Passos na velha cidade de Berna, isto é, no antiquíssimo Casco Velho de Berna. Sim, ali onde num dos edifícios morou um certo Einstein, que naquele lugar desenvolveu a Teoria da Relatividade, entre outras idéias malucas.

Acho que nem Einstein era capaz de entender direito a geringonça do seu pensamento, digo eu nesta milenar ignorância que é a minha. Quem sabe um dia inda vou entender isso e muita coisa mais. Por enquanto são trevas, raro leitor. Mas conto que amanhecerá. Amanhã será.

Casa de Einstein, Berna. photo: jfinatto

Bem, enfim cumpri a missão. Encontrei um homem muito idoso numa casa de pedra clara por dentro e dura rocha amarelecida por fora. Falava um português misturado com alemão difícil de entender, a comprida barba branca em forma de estalactite. Não me deixou sair antes de jantar, jantar às 19h, com jarra de vinho branco produzido nas redondezas. Não sei se era vinho ou um sonho. Sabor, leveza, aroma. Meu Deus, o paraíso existe.

Despedimo-nos, eu levando nas mãos um pacote que me deu para entregar a Niebla. Não quis perguntar o que havia ali, curioso embora. Percebi que eram coisas muito caras a ambos. Antes de partir, entregou-me um texto escrito naquela tarde e pediu que publicasse no blog, o que vou fazer em breve. Parti, fui pela garoa misturada à neve, contornei a Torre do Relógio, muito pouca gente na rua. Mais tarde, no quarto de hotel, sonhei com Passo dos Ausentes. Com Juan Niebla cego e seu bandoneón na estação de trem abandonada.

Torre do Relógio, Berna. photo: jfinatto
 

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Reencontrando Unamuno

Jorge Finatto
 
Miguel de Unamuno, 1925.
 
Essa Guarda que tantas vezes atraiu os meus olhares.
Miguel de Unamuno (1864 - 1936)
 
DON MIGUEL DE UNAMUNO, grande escritor, poeta, enorme homem e filósofo, esteve na cidade da Guarda, Serra da Estrela, em Portugal, em 1908, e em outras ocasiões também. Percorreu-a. Falou sobre ela no livro Por terras de Portugal e Espanha (1911).
 
Por uma dessas coincidências da vida, descobri que esteve hospedado na Pensão Santos, atual Hotel Santos, onde fiquei por esses dias na Serra da Estrela. A Dona Clara, proprietária do hotel (uma das pessoas mais doces e especiais que já conheci) disse-me que ele esteve algumas vezes na pensão, sempre que vinha à Guarda, conforme registros.

 Vencereis, mas não convencereis.

O notável reitor da Universidade de Salamanca teve a impressionante coragem de enfrentar o ditador Franco no início da Guerra Civil Espanhola, numa aula de abertura do ano acadêmico de 1936, perante o alto escalão e dezenas de oficiais e soldados armados que ocupavam a plateia.

Ao final de sua fala contundente, com a frase acima que se tornou célebre, só não foi assassinado ali mesmo por intervenção da esposa do próprio Franco, Dona Carmen Franco, que se encontrava na mesa (o marido não compareceu à cerimônia).
 
Num gesto de bondade e grandeza, não permitiu que o filósofo sofresse violência. Levou-a até a casa dele no automóvel que a conduzia. Lá ficou recolhido em prisão domiciliar até a morte, pouco tempo depois. Esse é apenas um exemplo da têmpera deste humanista espanhol incomparável.

O Município da Guarda criou o Passeio Unamoniano na Guarda, que percorre os lugares que Don Miguel visitava quando estava na cidade.

Há pessoas que deixam pegadas de sua passagem pela vida. Miguel de Unamuno deixou uma longa e luminosa estrada de passos de coragem contra a opressão e a desumanização. Um dos maiores filósofos que o mundo já conheceu.

Do sentimento trágico da vida é uma das melhores obras que o espírito humano já produziu. Mas há outras igualmente importantes.

Com o poeta Unamuno nunca estamos sozinhos pelo caminho.
 
Hotel Santos, Guarda, Portugal
photo: jfinatto


 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

Aveiro, poema visual

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 
 
JÁ OUVI DIZER aqui em PORTUGAL que Aveiro é a Veneza portuguesa. Engano.
 
Veneza é que é a Aveiro italiana. Com todo respeito, claro. De um descendente de venezianos.
 
photo: jfinatto
 
photo: jfinatto

photo: jfinatto

photo: jfinatto

photo: jfinatto

photo: jfinatto

Pensando melhor, cada uma é bela de um jeito todo seu e sempre nos surpreendem. O planeta envaidecido agradece.