sábado, 30 de outubro de 2021

Encontro de Dante e Beatriz: vita nuova

Jorge Finatto

photo: jfinatto


Na tarde de quarta-feira, logo após chegar a Caxias do Sul, fiz um passeio pela praça Dante Alighieri, a principal da cidade. Vim para o lançamento do livro e inauguração da exposição de esculturas de Bez Batti, "Dialogando com Picasso".

A agradável surpresa foi encontrar naquele belo lugar ninguém mais nem menos do que a eterna musa do poeta Dante, Beatriz. Estava lá sentada num banco perto do bardo italiano com A Divina Comédia no colo.

Faz 14 anos que estive pela última vez em Caxias (minha cidade natal) e na ocasião Beatriz ainda não existia naquele lugar. Obra da escultora Dilva Conte, foi inaugurada em 2015.

Durante muitas décadas Dante esteve solitário na praça, sujeito a invernos rigorosos com chuvas e trovoadas, além, claro, de suaves primaveras serranas. Sempre sozinho. Dava pena vê-lo naquele desamparo. Agora percebe-se uma nova luz em seu olhar com a companhia da amada. Vita nuova. Que sejam felizes!

photo: jfinatto

segunda-feira, 25 de outubro de 2021

segunda-feira, 11 de outubro de 2021

600 mil vidas

 Jorge Finatto


photo: jfinatto


Quantas dessas 600 mil mortes por covi-19 poderiam ter sido evitadas se houvesse um pouco mais de afeto social e bom senso?

A vida é muito mais do que a politização dessa tragédia. Ninguém merece perdê-la pelo negacionismo dos que têm o dever de preservá-la. O Brasil é muito melhor do que isso.

Devemos nos negar a habitar o imenso cemitério que inventaram ao nosso redor.

Resistir até que o pesadelo acabe.

segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Resquício de primavera

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


O vento soprou nas ruas do bairro hoje, varreu folhas mortas, choveu um pouco, esfriou, depois houve um silêncio. 

A primavera mal começou e o inverno voltou com sua mala cheia de presságios, suas fotos e cartas antigas, suas bonecas de porcelana, seus segredos. 

Ficou um resto de azul nas poças d'água, um aroma de flor na calçada, resquícios de primavera.

Me lembrei de quando andávamos sem máscara pela cidade. Faz tantas luas. Senti saudade. E os dias nem eram tão lindos assim. O tempo anda doido (doído). Sei lá.

segunda-feira, 20 de setembro de 2021

A arte de ser juiz

 Jorge Finatto

photo: jfinatto, 20.set.2021


Faz hoje 30 anos que tomei posse como Juiz de Direito. Após rigoroso concurso público, restaram aprovados e tomaram posse naquele dia radioso15 juízes, entre mulheres e homens. Uma turma valorosa e profundamente dedicada ao serviço da sociedade. Foi um dos dias mais felizes da minha vida. A todos os Colegas o meu abraço.
Reproduzo 'A arte de ser juiz', texto que escrevi e publiquei há muitos anos, sem intenção professoral, que resume a minha visão do difícil e honroso ofício.


Ser um bom juiz resulta de um tipo de sabedoria que não se aprende somente em livros técnicos. Nem decorre de uma progressiva conquista de graus acadêmicos. É algo maior e mais profundo.

O juiz que fará bem a seus semelhantes e trabalhará pela dignidade da vida, ao contrário de complicar e piorar as coisas, será aquele capaz de ouvir e respeitar as pessoas nas suas intransferíveis circunstâncias.

A justiça começa nas relações mais simples do dia a dia, em casa, na rua, no ambiente de trabalho, em comportamentos éticos que são, na aparência, bastante prosaicos, mas que acabam construindo todo o resto.

Amar as pessoas e a justiça é a condição primeira para ser juiz.

Não se ingressa na magistratura pensando no status da profissão, no valor do subsídio, nas garantias que cercam o cargo - que visam a proteger a sociedade e não a pessoa do juiz. Esses atrativos são insuficientes para manter alguém que não é do ramo na função. Dedicação, capacidade de renúncia, entusiasmo, reflexão e estudo permanentes são algumas das exigências.

A magistratura é a típica atividade que se destina a mulheres e homens com vocação, que buscam no ideal de bem servir a sua realização.

Pelo menos três pilares são fundamentais na formação do juiz: ética, humanismo e técnica.

Quando é que alguém se torna juiz? Muitos acham que isso ocorre quando o candidato é aprovado no extenuante concurso público, é nomeado e toma posse no cargo. Mas não é elementar assim.

A pessoa torna-se magistrado muito tempo antes do concurso. O que realmente define quem se tornará juiz é a essência e a atitude de cada um diante da existência. 

A luta por uma vida mais justa e solidária está na alma do julgador. Existe uma imposição de ordem interna que o leva a decidir-se pela profissão, ainda que isto não esteja muito claro na adolescência e mesmo no início da vida adulta.

A gente se prepara para ser juiz uma vida inteira, pois todo dia é dia de viver e aprender.

Coisas como agressividade, excesso de vaidade, cinismo, indiferença e fanfarronice não combinam com a toga.

Um temperamento humilde, diferente de subserviente ou arrogante, disposto a respeitar, mais do que tolerar, as diferentes visões de mundo, é sempre muito importante. Ninguém é dono do conhecimento e da verdade.

Não existe modelo pronto de juiz. O magistrado terá de construir o seu. Por outro lado, não faltam exemplos de pessoas que dignificam o ofício.

Pensar de modo mais criativo e humanista o ingresso na magistratura, e a própria construção do Poder Judiciário brasileiro, é o desafio que temos em tempos tão difíceis.

A dura realidade exige magistrados mais participantes e comprometidos com o bem-estar da sociedade. Cada vez mais o Judiciário é chamado a decidir sobre situações que afetam a vida de todos. As dores e os dramas das pessoas chegam aos juízes a toda hora em todos os dias do ano.

A busca de uma existência mais feliz e harmônica é a razão de ser da atividade jurisdicional.

O que se pede ao juiz não é que seja um super-herói, mas que decida como um ser humano sensível, e saiba olhar com os olhos do coração, com a mesma empatia com que todos – juízes e não juízes - esperamos ser tratados nas horas difíceis.

Empatia, a sua dor no meu coração.

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

O rio do tempo

 Jorge Finatto

Lua e estrela. photo: jfinatto. 9/9/21


O tempo, às vezes, aparece, em sonho (será, talvez, um pesadelo), como um rio que corre sem parar e nos leva de arrasto com ele até uma imensa cachoeira. Um dia caímos no desconhecido que chamamos morte. Desaparecemos no sumidouro. 

Carrego essa imagem recorrente que é uma metáfora do inevitável fim que nos persegue. A única hipótese de salvação é que Deus não nos esqueça e nos faça ressuscitar. Do contrário será a irremissível vitória do esquecimento sobre o milagre da vida.