terça-feira, 25 de outubro de 2022

Duros dias

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


No Brasil de hoje o humanismo é um sentimento distante dos corações e mentes. Vivemos dias duros, sem ternura e sem perspectiva. A democracia entre nós está por um fio. Ameaças às instituições, atitudes desrespeitosas contra o Judiciário, cultivo do conflito e da cizânia. 

A inaceitável mistura de política e religião, do obscurantismo com a boa-fé das pessoas, atingiu níveis nunca antes vistos. Deus, que não tem nada a ver com isso, deve estar indignado com os falsos profetas. (Marcos 12:13-17) 

Eu, que acredito num Deus justo e bondoso (e que reconhece as reais intenções por trás das aparências), eu não gostaria de estar na pele dessa gente "esperta" quando a indignação Dele se fizer sentir. 

Enquanto isso lutamos pela paz com as armas da palavra, do entendimento, do respeito ao próximo, da rejeição a qualquer forma de ódio e violência.

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Abacaxi-rei

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


VALEI-NOS, Abacaxi-Rei, Soberano Ananás, do alto da tua coroa espetada. A ti, em última instância, recorremos.

Quem vai embraçar a bromeliácea? Quem terá a fineza de arrancar-lhe a injusta crosta para que possamos, todos, após o generoso gesto, degustar a doce infrutescência à mesa solidária?
Enquanto não aparece a alma gentil pra fazer o serviço, ficamos todos a admirar a fruteira sobre a mesa com o hermético fruto dentro. Como um bebê em berço esplêndido.
De novo e sempre, a indigesta pergunta nos assola: quem vai empalmar o rude naná e desvelar-lhe a dolce polpa?
Valei-nos, Magnífico Abacaxi! Não nos deixeis à mercê do canto solerte e fatal de sectárias sereias, pois não passamos de indefesas criaturas à sombra de solenes palmeiras nessas praias onde o mar verde balança.
Mostrai-nos, Augusto Ananás, o caminho da obscura e indizível doçura por trás da terrível realidade que nos fecha ao paladar da dignidade, da esperança e da alegria.

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excerto do texto publicado no livro Navegador de barco de papel.

segunda-feira, 10 de outubro de 2022

A ninfa

 Jorge Finatto

Ninfa. photo j.finatto

Ninfa. Escultura em mármore de Carrara de 1866, feita pelo arquiteto italiano Giuseppe Obino. Por muitas décadas esteve instalada na Praça Dom Sebastião, ao lado do Colégio Rosário, em Porto Alegre. Hoje, devido a atos de vandalismo, foi transferida para a praça da hidráulica do bairro Moinhos de Vento.

Às vezes uma lágrima escorre de seus olhos. Pelas mutilações de que foi vítima. Por todos os adolescentes que um dia viu cheios de ternura nos bancos da Praça Dom Sebastião.

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Esta escultura faz parte de um conjunto de quatro criadas por Obino, representando o Guaíba e seus afluentes.



terça-feira, 4 de outubro de 2022

Rosa é uma rosa é uma rosa

  Jorge Finatto


Escreveu Gertrude Stein:
"Rosa é uma rosa é uma rosa é uma rosa".

A rosa é um mundo em si, digo eu, em comunicação permanente com nosso mundo interior. Não se deixa aprisionar em definições nem precisa disso. É uma rosa...

O poeta Rilke amava as rosas acima de tudo.

Essa rosa fotografei no meu jardim.

Me recuso a colher rosas. Uma rosa não pertence a quem a planta e cuida. Ela é de todos.

O seu perfume inundou meu coração e está sempre comigo.

domingo, 25 de setembro de 2022

Primavera no Brasil

 Jorge Finatto

photo: jfinatto


A primavera deixa a gente mais, digamos assim, feliz (até onde é possível ser feliz do jeito que o país ficou nos últimos anos).

As formas e as cores iluminam a paisagem. Os seres esquecem a tristeza por um momento. Até o sofrimento fica um pouco contente.

As flores do meu jardim não me deixam mentir e acho que perdoam um certo exagero sensorial da minha parte...

quinta-feira, 15 de setembro de 2022

A mulher do retrato

 Jorge Finatto

photo: jfinatto

"A eternidade só existe como ilusão. Mas é uma bela ilusão."
(Do Livro de Horas do Monge Jorge, Contraforte dos Capuchinhos)

E, no entanto, ela está ali viva, na pequena moldura sobre a mesa do vendedor de quinquilharias da Feira de Antigüidades da Plaza Constitución, em Montevideo.
A brisa, um pouco fria às cinco da tarde, conversa com as folhas dos plátanos. O sol calmo espia entre os galhos.
Bela, ali está a jovem mulher desconhecida de 120 anos atrás. O semblante revela paz. Ou pelo menos resignação. Viver lhe traz algum encanto? Será feliz? Que sonhos acalentará?
Ela vestiu o seu vestido mais bonito pra tirar a primitiva fotografia. Sabia talvez que a imagem ia atravessar o tempo e oferecer-se a olhos curiosos no futuro distante.
O retrato caiu do toucador no casarão abandonado da Ciudad Vieja. Muitos anos se passaram na sombra. Um dia entrou num baú e foi levado ao antiquário. Depois à praça onde agora brilham, sob os plátanos, os olhos da linda mulher.
O que é uma fotografia? Um instante que não se deixa apagar.
Um fragmento de vida congelado no tempo.
Uma face de mulher que não se perdeu graças ao registro.
Pequena eternidade de luz.
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Texto revisto, publicado em 14.2.2015.

sábado, 3 de setembro de 2022

Horizontes

 Jorge Finatto

foto: jfinatto. Pocitos. Montevideo.


O bom de viver 

é que nunca alcançamos 

o horizonte. 

A navegação é infinita. 


Os horizontes são efêmeros. 

Só o tempo é eterno.