sábado, 20 de março de 2010

Jogos Olímpicos de 2.016

Jorge Adelar Finatto


O cartão-postal vai brilhar intensamente outra vez, será um grande espetáculo visual para o mundo, o Rio é mesmo deslumbrante, o povo é acolhedor. Depois, tudo se apaga e volta a ser como antes, só que pior, porque dinheiro grosso foi gasto sem critério e sem sentido, perdendo-se uma grande oportunidade.

O amigo leitor está no justo descanso do fim de semana.

Desembarcou na ilha-refúgio de dois dias quase sem fôlego. A rude lida da sobrevivência leva ao limite nossa paciência e capacidade de resistência.

Tudo que se quer, nessa hora, é estar perto das pessoas amadas. E um bom descanso, no sofá ou na velha cadeira de balanço, um livro, uma revista.

Não deve o cronista importunar esse santo repouso. Os temas tratados hão de ter alguma leveza, trazer um pouco de ar fresco.

Contudo, quero hoje falar de um assunto que me atormenta e que gostaria de compartilhar.

Trata-se dos Jogos Olímpicos de 2.016.

Penso que a sociedade brasileira, você, eu, todos nós deveríamos ter sido consultados sobre a realização dos Jogos no Rio de Janeiro. Motivo principal: a extraordinária soma de dinheiro público que será utilizada no evento. Fala-se algo em torno de R$ 30 bilhões. Muito provavelmente será bem acima disso, como costuma acontecer.

A cidade maravilhosa foi escolhida sede da Olimpíada em Copenhague, na Dinamarca, no dia 02 de outubro de 2009, vencendo as concorrentes Madri, Tóquio e Chicago. Mas terá sido mesmo uma vitória ou, antes, um alívio para as cidades preteridas, porque não terão de gastar essa babilônia em meio a uma das piores crises econômicas que o mundo já conheceu ?

Novo rico. O Brasil fez papel de novo rico em Copenhague. O Presidente Lula apelou, com o talento que lhe é peculiar, usando razão e emoção, para que os jogos viessem para cá. Estamos, segundo afirmou, com economia sólida, a marolinha da crise econômica internacional já passou por aqui.

Quem conhece os nossos graves problemas em áreas como saúde, educação e segurança sabe que não é assim.

O investimento preliminar que a Presidência da República fez para trazer a Olimpíada para o Rio não foi pequeno. A comitiva com personalidades e celebridades brasileiras ficou cerca de cinco dias em Copenhague. O objetivo era convencer os membros do Comitê Olímpico Internacional a votar no Rio. Isso, junto com o material levado, evidentemente, teve um custo.

Anunciada a escolha, houve lágrimas do Presidente Lula, abraços emocionados, grande comemoração. De modo geral, o tratamento dado pela imprensa brasileira foi ufanista, como se se tratasse de uma conquista importantíssima para a nação.

A finalidade foi atingida. Mas a que custo para o país?

Insegurança pública. Duas semanas depois da definição da cidade dos jogos, falanges do narcotráfico iniciaram luta feroz na disputa por territórios em morros do Rio de Janeiro. Ocorreram dezenas de mortes, a população ficou aterrorizada. Houve o fato sem precedentes da derrubada, pelos bandidos, de um helicóptero da Polícia Militar, com óbito de soldados.

A questão da segurança pública, no Rio e no restante do Brasil, não foi e dificilmente será equacionada nos próximos anos, se não houver fortes investimentos na melhoria de vida da população marginalizada.
Porque a violência não é um problema de polícia contra bandidos, mas o resultado de muitas e muitas décadas de abandono das camadas mais pobres da população por parte da sociedade e do poder público.

O elevado consumo e a disseminação das drogas são temas abordados de forma superficial no Brasil, desconsiderando-se investigações culturais, sociais, médicas e psicológicas a respeito. Trata-se o problema da droga no âmbito do Código Penal, o que é pouco. Houve alguns avanços na questão do tratamento, mas ainda insuficientes.

Nos Jogos Pan-americanos de 2007 colocou-se o Exército nas ruas do Rio. Depois os militares voltaram para os quartéis, com seus tanques e armamentos. O resultado aí está.

Falta de partilha dos recursos públicos entre estados e municípios. Não duvido da nossa capacidade de realizar a Olimpíada. Somos um povo lutador, altruísta, que trabalha sem parar e não se dá por vencido, apesar da alta corrupção que corrói a nossa riqueza.

Não faz sentido investir somas elevadíssimas, nos Jogos Olímpicos, somente dois anos após a realização, entre nós, da Copa do Mundo de Futebol de 2.014, a um preço igualmente altíssimo.

A Copa do Mundo se justifica, porque somos o país do futebol, isso faz parte da nossa cultura. Além disso, a Copa vai realizar-se em várias cidades, os investimentos serão divididos, haverá participação dos estados e municípios na distribuição das verbas e benefícios.

A Olimpíada, ao contrário, significa aplicação concentrada de dinheiro num único município, o Rio de Janeiro. Com a agravante de que o Brasil não possui sequer uma política efetiva de apoio a esportes e atletas olímpicos.

É muito dinheiro para ser gasto desta forma, sem consulta à sociedade.

O Rio e sua população merecem tudo de bom, mas existem as outras cidades que necessitam de investimentos urgentes em todas as áreas.

Os municípios enfrentam sérios problemas com falta de saúde pública, emprego, habitação, escolas, saneamento básico, serviços judiciais, creches, praças de esporte, centros comunitários, cultura, segurança, presídios, etc.

A destinação desta notável soma a uma única cidade aumentará as desigualdades e aprofundará a crise do país.

Quem irá controlar e evitar a corrupção na aplicação desses recursos?

Tenho sérias dúvidas até mesmo se os habitantes da querida cidade do Rio de Janeiro optariam por investir esse dinheiro nos Jogos Olímpicos. Talvez preferissem melhorar as condições de vida nas favelas e bairros pobres, fazendo o estado ocupar com cidadania o lugar dos traficantes e bandidos. Isto significa conversar com as pessoas desses lugares e ver com elas por onde começar: talvez precisem mais de creches, postos médicos, escolas, núcleos de convivência, serviços públicos em geral. Talvez queiram qualificar os transportes, investir nos equipamentos públicos abandonados, construir novos, etc.

Penso que faltou, mais uma vez, democracia na hora de destinar recursos que custaram muitos anos de trabalho árduo, sangue e privações a milhões e milhões de brasileiros.

Faltou ouvir o homem comum, que mal tem tempo - quando tem - de refazer-se da luta pela vida no fim de semana.

Vantagens dos Jogos Olímpicos. Muito se fala dos benefícios que ficarão para a cidade do Rio com os Jogos Olímpicos. Duvido muito que isso aconteça.

Os Jogos se realizarão em ambientes e estruturas localizados no cartão-postal da cidade, que é a zona sul. Muitas das estruturas serão depois desmontadas, como ocorreu nos Jogos Pan-americanos, e outras tantas serão abandonadas.

O que ficou para a cidade do Rio depois do Pan?

Pelo que se tem lido na imprensa, quase nada restou.

O cartão-postal vai brilhar intensamente outra vez, será um grande espetáculo visual para o mundo, o Rio é mesmo deslumbrante, o povo é acolhedor.

Depois tudo se apaga e volta a ser como antes, só que pior, porque dinheiro grosso foi gasto sem critério e sem sentido, perdendo-se uma grande oportunidade.

Se por conta desses dois megaeventos - Copa do Mundo e Olimpíada - fossem construídos, ao menos, cinco hospitais de clínicas em cada estado brasileiro, eu me daria por satisfeito. Mas isso não acontecerá.

Não quero ser do contra. Se estiver errado, a população do Rio de Janeiro, pelo menos ela, viverá tempos de prosperidade. Mas tenho invencíveis dúvidas a respeito.

Participação social. A excessiva centralização de decisões que envolvem distribuição de dinheiro público e repartição da riqueza nacional, na mão dos políticos, enfraquece a democracia e atrasa o país. Vivemos uma democracia meramente formal, que funciona na hora de elegermos os candidatos escolhidos pelos partidos.

Meios mais eficazes de aplicação de recursos e controle dos gastos públicos pela população são imprescindíveis.

No ano passado, a cidade de Porto Alegre realizou consulta popular sobre a forma de utilização de determinada área da cidade junto ao Rio Guaíba, com participação facultativa dos cidadãos. O resultado foi muito bom.

O orçamento participativo é outro meio de influir democraticamente na distribuição de recursos. São experiências que poderiam inspirar Brasília e todos os administradores públicos nas decisões capitais.
Não se quer a realização de consulta popular para a compra de material de expediente nem medicamentos essenciais.

Teremos Olimpíadas e não teremos, por exemplo, ferrovias nesse país continental, para transporte de cargas e passageiros. A infraestrutura de escoamento dos bens e serviços está ruim.

Como milhões de brasileiros, tenho admiração pelo Presidente Lula, o homem que emergiu da profunda pobreza e passou a ocupar o posto mais importante da nação, sendo hoje uma liderança não apenas brasileira como mundial. Mas o Presidente e seu governo deveriam ouvir mais a sociedade em assuntos dessa relevância, que podem mudar para melhor ou piorar a vida de milhões de pessoas.

Não se pode administrar um país na base da intuição pessoal e de interesses menores, como se fosse um negócio privado.

Ouvir a voz do povo é possível e necessário. Mas, como tudo na vida, é preciso querer.
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Foto: Figura evocativa dos Jogos Olímpicos na Grécia Antiga. Museu do Louvre, Paris. Fonte: Wikipédia

jfinatto@terra.com.br

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