sábado, 17 de abril de 2010

Meu encontro com Walt Whitman

Jorge Adelar Finatto


O trabalho mudou minha vida de cenário muitas vezes. Faz muito tempo morei numa cidadezinha do interior do Rio Grande do Sul. O lugar se resumia a uma igreja católica e outra protestante, algumas ruas e casas. Em volta, a mata. Em certas tardes, eu saía a andar por estradas de chão, solitárias e com aroma silvestre.

Caminhar assim é como andar dentro de si mesmo.

Num dia de sol e frio eu percorria um desses caminhos. Um córrego prateado corria na margem. Numa curva em frente, entre os plátanos, apareceu um homem. Quando nos cruzamos ele me cumprimentou, em silêncio, fazendo um gentil movimento com a cabeça, que eu retribuí. Ele tinha uma barba branca abundante, uns olhos pequenos muito azuis, o cabelo na altura dos ombros. Usava um chapéu escuro com largas abas, a face um tanto rosada. Vestia um velho casaco, a camisa abotoada até o pescoço. Trazia um livro na mão esquerda.

Eu tive quase certeza de que se tratava do poeta norte-americano Walt Whitman (1819 – 1892).

Fiquei orgulhoso de estar ali, pisando o mesmo chão que o grande Walt. Seria o espectro do poeta o que eu vira? Seria alguém muito parecido?

Encontrei-o em outras duas ocasiões. Como da primeira vez, éramos só nós, a estrada verde, a brisa e o rumor do córrego. Fiquei observando o poeta. Ele entrava num desvio lateral da estrada, subia uns cinquenta metros em direção a uma  pequena casa de madeira.

A casa era muito branca e delicada. Era de um azul pálido, puxando para o cinza. Sozinha, lá no alto, mostrava cortinas azuis nas janelas abertas, e flores, muitas flores da estação  no breve jardim em volta.

Walt entrava pela porta dos fundos e desaparecia.

Uma chaminé de alumínio saía pelo telhado.

Pensei em conversar com o poeta. Talvez ele até dissesse alguns versos de Folhas da Relva, sua obra-prima. Mas não. Achei melhor não incomodar. Afinal, os poetas trabalham enquanto caminham em silêncio por estradas de chão.

Um dia chegou o tempo de ir embora da cidade pequena.

A vida seguiu, muitos caminhos eu percorri depois. Mas nunca esqueci que, em certas tardes, numa cidadezinha do interior, eu caminhei na mesma estrada por onde andava Walt Whitman.

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Transbordante de Vida
Walt Whitman

Agora, transbordante de vida, sólido, visível,
No ano quarenta de minha existência, no ano oitenta e três dos Estados,
A alguém que viverá dentro de um século, ou em qualquer número de séculos,
A vós, que ainda não haveis nascido, dedico estes cantos, esforço-me por
alcançar-vos.
Quando lerdes, eu que sou agora visível, hei-de ter-me tornado invisível; então sereis vós, denso e visível, quem lerá os meus poemas, quem se esforçará por compreendê-los,
A imaginar quão felizes seríeis se me fora dado estar ao vosso lado e converter-me em vosso camarada;
Que seja, pois, como se eu estivesse. (Não duvideis demasiadamente que não esteja então ao vosso lado).

Poema extraído de O Livro de Ouro da Poesia dos Estados Unidos, coletânea de poemas organizada por Oswaldino Marques, edição bilíngue, Ediouro, tradução de Manuel Ferreira Santos.

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Foto de Walt Whitman feita em 1887, por George C. Cox.
Fonte: Wikipédia.

2 comentários:

  1. Jorge,

    Que lindo encontro! E como previu Walt, quando o lemos ou nos lêem, de alguma forma os encontramos ou nos encontram.

    A poesia nos preenche, não nos deixa mesmo andar sozinhos pelas estradas, principalmente as verdes e ensolaradas das cidadezinhas.

    Abs,
    Carol

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  2. Carol,

    que leitura bonita e profunda fazes, e que belo texto nos ofereces.

    Esse teu texto já é, em si, um poema!

    Parabéns!


    Um grande abraço.

    JF

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