sexta-feira, 18 de junho de 2010

O processo

Jorge Adelar Finatto


Sou habitante
da beira do rio
condenado
a não ver o rio

afundado em seco
decifro papéis
que nada me dizem

a página em branco
espera o verso
que não escreverei

o que encontro
no gabinete
a essa hora
da manhã
é não ter tempo
pra mais nada

enfrento a trama
invencível
a dor sem abrigo

a grande trituração
das almas
no processo

resta apenas
o duro ofício
que não pode
ser adiado

impossível fugir

o carteiro
envelhece
enquanto aguarda
as cartas
que não enviarei

observo por um momento
o voo branco
da gaivota
sobre o Guaíba

nesse instante
invade-me a tristeza
do prisioneiro
(a essa hora da manhã)

desapareço
na névoa

_______

Poema do livro Memorial da vida breve, Editora Nova Prova, Porto Alegre, 2007.

Foto: J.Finatto

2 comentários:

  1. Lindo isso:

    "a grande trituração
    das almas
    no processo"

    e sabemos o quanto é verdadeiro...

    Beijos e ótima sexta-feira para ´nós!
    Carol

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  2. O dilema do homem que se vê aprisionado pela sua "persona" social.
    Quer a liberdade do voo, mas encontra o entre-choque de interesses nos processos que carregam ódios & disputas.
    Sinto um pouco disso, Adelar, e sei que, embora , ás vezes, seja pesado de carregar, fornece combustível para a criação.
    De belos poemas, como esse.

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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