terça-feira, 24 de agosto de 2010

Passos de algodão


Jorge Adelar Finatto

 
 
 
Amar traz consigo, sempre presente, o risco de perder.

Depois de longa e sentida ausência, ele retornou ao convívio das tardes no escritório. Conheço meu amigo de outros invernos. Partiu em fevereiro sem dizer nada, tão ao seu estilo, e me deixou aqui todo esse tempo sem poder ouvir sua voz cava e rascante, sem poder ver sua plumagem luminosa, seus olhos redondos e atentos.

Sempre sinto falta do seu olhar de banda, da maneira estrambótica de aterrissar num só pé na sacada do escritório. Alziro tem temperamento forte e, às vezes, um certo mau humor o acompanha quando o tempo está pra chuva.

Ele voltou com suas cores vivas para suavizar o inverno. Eu andava mesmo precisado de sua companhia. Não que ele converse muito. No fundo, nem é isso o mais importante.

A silenciosa presença do amigo, sabê-lo perto, partilhando a vida, é motivo de consolo e esperança.

Providenciei hoje a reposição de pedaços de banana no pratinho dos pássaros, fruto muito do seu gosto.

Em certos dias, Alziro deixa a cerimônia de lado, entra no escritório, em passos de algodão, e ensaia uma pequena incursão no ambiente. Olha o teto, os lustres, a mesa, os livros, os quadros, as plantas e relógios, tudo com silenciosa atenção. Faço que não percebo para deixá-lo à vontade.

Do mesmo jeito que chega, o meu amigo vai embora. Como sempre, não se despede e nem diz quando voltará, apenas alça o improvável voo adunco rasgando o ar.

O que importa, diz o coração, é que a velha e boa amizade está rediviva. Se tudo der certo, talvez ele retorne amanhã ou quem sabe depois. Só espero que não me falte tão cedo, porque meu inventário de ausências já vai longo na vida.

Amar traz consigo, sempre presente, o risco de perder.

 
 
 


 


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Fotos. J. Finatto.

4 comentários:

  1. Mais uma afinidade a nos aproximar: o amor aos animais
    Belo espécime de pássaro, creio que uma arara ou tucano(não os do PSDB)
    Participei, ano passado, de uma antologia que via o animal numa conotação quase humana. Foi um livro organizado pelo incansável poeta e agitador social e cultural Ulisses Tavares.
    Foi o "Poemas que latem ao coração"
    Quase todas as religiões cristãs vem um aspecto positivo na relação homem-animal. O budismo e o respeito aos seres sencientes em seus rituais, o kardecismo que considera os animais nossos irmãos menores e o catolicismo que tem em Francisco de Assis o protetor da Natureza.
    Uma faceta ecológica e lírica de tua bagagem pessoal.

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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  2. Caro Ricardo,

    o Alziro é mesmo um encanto de pessoa, embora um tanto desligado. Faz parte de juventude dele, vive voando.

    Aquele abraço, amigo.

    JF

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  3. Lindo ,muito lindo msm ,lindissimo ,lindo lindo lindo lindo cara adorei isso é lindo ta ligado ,valw ai =)

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