Jorge Adelar Finatto
Fazia perto de 20 anos que não arrumava os livros no capricho. Muitas mudanças de casa e de cidade deixam a gente com um jeito andarilho, desorganizam nossas coisas.
Não há biblioteca que resista aos cansativos itinerários dos caminhões de mudança da vida de juiz.
Meus livros rasgaram comigo o mapa do Rio Grande do Sul. Nunca nos separamos. Não são apenas folhas de papel. Existe vida pulsando nessas páginas.
Não há biblioteca que resista aos cansativos itinerários dos caminhões de mudança da vida de juiz.
Meus livros rasgaram comigo o mapa do Rio Grande do Sul. Nunca nos separamos. Não são apenas folhas de papel. Existe vida pulsando nessas páginas.
Passei cerca de três semanas, em julho, na dura lida de subir na escada, baixar livros das estantes, tirar pó, consertar páginas e capas feridas, agrupar os volumes por gênero e áreas do conhecimento, pôr em ordem alfabética e, finalmente, subir na escada novamente e colocar cada livro no seu lugar.
Aproximadamente mil livros compõem o acervo, entre obras de poesia, contos, romances, ensaios, novelas, crônicas, diários, biografias, artes, filosofia, artigos, reportagens, etc. Os jurídicos estão num lugar à parte. Alguns volumes me acompanham desde a adolescência. Comprei-os a partir dos 17 anos, com o salário do primeiro emprego que consegui (porteiro noturno da escola particular onde estudava).
Não venho de uma família de leitores. Os livros não faziam parte dos objetos da casa, não existiam no nosso cotidiano de gente pobre, salvo alguns estritamente necessários na escola, comprados com sacrifício.
Costumo lembrar esta história: certa ocasião, minha mãe comprou uma máquina de costura e junto com ela ganhou dois livrinhos de brinde, duas antologias de poesia, uma de poetas brasileiros e outra, portugueses (são os mascotes da biblioteca). Foram os primeiros livros de literatura que entraram lá em casa.
Muitas e muitas famílias não podem ter um único livro. A sobrevivência leva todos os tostões. O certo é que cada família tenha condições de comprar livros. Nenhuma família sem livros, essa será sempre uma nobre luta. Enquanto isso não acontece, as empresas poderiam criar o hábito de dar livros de presente aos seus clientes.
Voltando à arrumação das estantes, terminada a tarefa, me senti outra pessoa, alguém que podia alegrar-se e orgulhar-se de ver os livros organizados depois de tanto tempo.
A alma ficou mais leve, porque sei que agora, enfim, Saramago vizinha com Sartre, Manuel Bandeira tece boas conversas com Manoel de Barros e Jorge Luis Borges, enquanto Cecília Meireles e Maiakóvski trocam confidências e dão-se as mãos nas caminhadas que fazem pelo bosque cheio de vida e silêncio da biblioteca.
A alma ficou mais leve, porque sei que agora, enfim, Saramago vizinha com Sartre, Manuel Bandeira tece boas conversas com Manoel de Barros e Jorge Luis Borges, enquanto Cecília Meireles e Maiakóvski trocam confidências e dão-se as mãos nas caminhadas que fazem pelo bosque cheio de vida e silêncio da biblioteca.
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Belo texto, parabéns !
ResponderExcluirJarbas
Obrigado, Jarbas.
ResponderExcluirUm abraço.
JF
Adelar, já ouvi comentários de pessoal da área de psicologia ou de esotéricos que organizar nossas coisas externas, sejam livros, discos, cartas, moedas & selos, funciona como uma terapia.
ResponderExcluirÉ certo que rever nossos objetos amados e agrupá-los, de forma criteriosa, traz as lembranças e vivências associadas.
Tua crônica está bela, pois está repleta de sensações e de sinceridade.
Quem sabe, algum fim-de-semana, não vou arrumar minhas coisas...
Abraço.
Ricardo Mainieri
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PS - no blog postei um conto que fala, de certa forma, da década de setenta.Se puder, confira.
Vou ler o teu conto, Ricardo, com interesse.
ResponderExcluirO comentário é uma beleza.
Um abraço e obrigado.
A.