quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O Landgrave

Jorge Adelar Finatto


A fala principial que lhe dirijo, oh, impossível leitor.

Eu, o Landgrave, me curvo diante da vossa alta ausência. Vivo no interior do ermo, habito as águas profundas do meu calepino. No esconso do mundo. Vento de outubro quase me derruba. As fraquezas do corpo. Nunca se sabe o que vem a contrapeito. Travessia a que o fado nos obriga.

O sonho afagado tinha nome: Cléria, Cléria dos meus suspiros e invernos ao relento. A moça de papel e tinta, musa na solidão concebida. Sentimentos que se tecem no abismo das horas. Dores não se evitam.

Os fossos profundos no dentro de cada um.

Os vazios dias, as tardes no penedo. Hoje eu vejo tudo aqui de cima, na mansarda. Recolhido na grossa e comprida manta. O frio glacial dessas alturas sul-americanas ao sul. Esta página escrita na face do vento.

Fugazes as vaidades do mundo são. Mais vale um barco pronto pra partir. Fui resgatado do evento proceloso pela mão de salvadoras prosopopeias. De ponta cabeça no perau. São caminhos que se andam. Depois se aprende, depois se esquece.

O que não se sabe se inventa. O mundo não tem bom coração. O delicado vive por teimoso e obstinado. A humanidade enaltece a ruína e mata o humano. O que fizeram com esse texto as escuridões da vida.

Cléria, sim, Cléria dos meus tormentos. A que não se deixou amar. A desaparecida musa do vestido azul com a fita branca. Entrou e saiu do meu sonho sem saber. Vivia lá no seu castelo, sem dar pela minha existência de bardo de arrabalde.

Eu, o provedor das horas finitas, senhor de nadas, o catador de conchas na praia deserta. Ela se foi pela estrada sem dizer adeus.

Nas minhas lonjuras, ouço  o ranger de velhos barcos no cais.

A sintaxe é território conquistado no coração dos ais. Palavras são sentimentos que criam asas.

Agora sou o navegante. Viajor da aurora. Astrônomo de dicionários. O tal que restou com o barco retorcido nas pedras.  O sobrevivente. Esse quê.

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Foto: J. Finatto

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