Jorge Adelar Finatto
Faz hoje 85 anos que nasceu o maestro Tom Jobim (1927 - 1994). Além de músico e compositor genial, um cidadão do Brasil e do mundo. Amante das palavras que cultivou com raro zelo e maestria, amigo das pessoas, dos bichos e plantas, deixou-nos um legado de superação, talento e respeito ao outro. Quando ouvimos a música de Jobim, quando lemos seu verso e sua prosa, estamos mais perto de algo parecido com felicidade.
O coração do homem que nunca mais voltará resiste em silêncio. O navio avança nas águas do Guaíba em direção à Lagoa dos Patos. Jorge Jobim perde de vista o contorno de Porto Alegre. A figura melancólica recorta-se na memória da tarde de inverno. O grande mar de água doce (Mar de Dentro) remete Porto Alegre ao Atlântico. O Rio de Janeiro é o destino.
O tempo voa longe. No dia do futuro, alguém abre a gaveta. A claridade ilumina velhos papéis do homem que partiu. Eis ali o poeta e sua palavra.
O menino Antonio Carlos teve que reinventar o pai que perdeu aos oito anos. Acariciou suas mãos ausentes ao piano, nas antigas manhãs da casa de Ipanema.
O piano cantou a canção paterna: a nostalgia do sul, a saudade da família, dos amigos, o amor que se perdeu. Era preciso calar o esquecimento.
photo: j.finatto. cais antigo de Porto Alegre |
Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim nasceu em 25 de janeiro de 1927 no Rio de Janeiro, filho de Nilza Brasileiro de Almeida Jobim, carioca, professora, e de Jorge de Oliveira Jobim, gaúcho de São Gabriel, poeta, bacharel em Direito com passagem pela carreira diplomática. Morreu em 8 de dezembro de 1994, nos Estados Unidos, para onde viajara a fim de se operar de um câncer.
O pequeno Tom veio com os pais a Porto Alegre, onde Nilza e Jorge haviam se casado, para conhecer a família Jobim. Por pouco não ficaram morando nas margens do Guaíba. Porém, falou mais alto o desejo de Nilza de morar no Rio, onde estavam seus familiares. No meio materno foi criado o menino Tom-Tom, apelido dado pela única irmã, Helena Jobim.
A grande perda: Jorge morre aos 47 anos incompletos, deixando os dois filhos em tenra idade.
O guri criou-se entre as montanhas e o mar do Rio de Janeiro. Os longos passeios pela mata e pela praia, as pescarias, o contato com bichos e plantas fizeram nascer o interesse pelas coisas da natureza. Tornou-se não apenas seu profundo conhecedor como defensor.
Entre os professores que teve, está o alemão naturalizado brasileiro Hans-Joachim Koellreutter, que lhe ensinou a transposição das fronteiras que separam a música erudita da popular. Alguns mestres que o inspiraram: Debussy, Bach, Stravinsky, Villa-Lobos.
Amoroso das palavras, Tom Jobim foi um leitor dedicado e atento. Cultivou, entre tantos, João Guimarães Rosa e Carlos Drummond de Andrade. Nas letras e textos que escreveu, percebe-se o artesão meticuloso do verbo.
A obra de Tom Jobim constrói-se na esfera da genialidade. Soube como poucos aliar talento a muito trabalho. As composições que nos legou transcendem as ensolaradas cercanias de Ipanema: são patrimônio espiritual da humanidade. Águas de março, Garota de Ipanema, Lígia, Dindi, Samba de uma nota só, Chovendo na roseira e Samba do avião são apenas algumas das inesquecíveis canções que integram a sua produção.
Um dos criadores da Bossa Nova, o maestro foi também um dos principais nomes da música mundial no século XX.
A descoberta da obra jobiniana nos leva a um mundo de delicadezas e felicidade.
Amanhã, se tudo der certo, encontraremos o amor. Se a abóbada não ceder sobre nossas cabeças, se a Mata Atlântica - que o maestro tanto amou - não virar jardim calcinado, teremos quem sabe tempo para olhar a paisagem e sentir a vida.
Ouviremos, talvez, o canto do sabiá em setembro.
A música de Antonio Brasileiro transporta-nos a esse mundo futuro e antecipa-nos a maravilha.
A vida era por um momento.
Não era dada. Era emprestada.
Tudo é testamento.
Antonio Carlos Jobim*
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Foto: Antonio Carlos Jobim. Fonte: Acervo do Instituto Antonio Carlos Jobim: http://www.jobim.org
Texto publicado originalmente em 05 de junho, 2010.*Palavras finais de ACJ na apresentação do disco Urubu, 1976.
Leia texto de Helena Jobim, irmã de Tom:
http://ofazedordeauroras.blogspot.com/2011/04/o-livro-na-praca.html
Oportuna tua postagem, Adelar. Reverenciar Tom Jobim é relembrar um dos últimos gênios do cancioneiro mundial, comparável a um Gershwin ou Cole Porter para os americanos.
ResponderExcluirSoubeste vestir com palavras delicadas a música harmônica de Tom.
Valeu!
Ricardo.
ResponderExcluirExiste uma parte orquestral, sinfônica, da obra do Tom que é pouco conhecida. Puro diamante.
Um abraço.
JF