quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Fora do poema tudo é caos

Jorge Adelar Finatto
 
 
photo: j.finatto
 
 
Esta frase - fora do poema tudo é caos - me saiu numa entrevista* ao jornal Zero Hora, de 1984, tendo como entrevistador o jornalista Danilo Ucha. Naquela época  ainda se entrevistavam poetas da aldeia na imprensa local.

Os meios de comunicação se expandiram, mas os espaços para divulgação de arte e literatura, fora do interesse estritamente comercial, diminuíram tanto que tenho dúvida se existem hoje entre nós.

A entrevista versava sobre o lançamento do meu livro Claridade, de poemas, selecionado para publicação dentro do Plano Editorial de 1983, da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Porto Alegre.

Consta, na abertura da matéria, que o autor era um jovem jornalista e poeta de 27 anos. Custo acreditar que já tive essa idade.

O tempo passa, a gente fica mais perdido, mas certas verdades permanecem. Está escrito que o poeta (aquele jovem poeta de 27) estava angustiado e perplexo "diante de uma realidade maluca, atrasada e violenta como a brasileira".

Também está dito que os poemas falavam de uma pessoa que "experimentou na consciência e na pele a dolorosa sensação de viver uma realidade sem perspectivas. Onde o indivíduo se sente arrastado pela opressão e sonhar é quase proibido. Onde viver se tornou a maior transgressão".

Nos poemas, apesar disso, "constata-se a convivência mais harmoniosa entre linguagem e vida. O mundo silencioso onde o real e o imaginário caminham juntos. Há uma integração profunda com a aventura humana. A palavra não salvará o homem, mas será sua projeção e seu espelho. Uma espécie de testemunha de seu próprio destino".

O poeta "trabalha com o poema numa região de luz, sem concessões ao desespero e à morte, acredita na força das coisas belas, na energia positiva das pessoas capaz de gerar zonas de intensa verdade e esperança.

"A fé na existência e no amor sobressai-se como o caminho destinado a vencer o escuro e a dor. O poder transcendente da vida sobre a morte, através da dimensão do amor, transforma e eleva".

Conclui o bardo de 27: "Nunca fiz literatura pelo simples prazer de escrever, ela surgiu na minha vida como uma necessidade inarredável, quase tão vital como respirar. Eu até preferiria viver sem escrever. O grande Manuel Bandeira disse certa vez que só se sentia seguro no chão da poesia. Eu sinto isso. Fora do poema o mundo é algo incompreensível e muitas vezes insuportável. É preciso criar tudo de novo, começar a vida das cinzas, renascer. Fora do poema tudo é caos".

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*Entrevista publicada no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, em 13.4.1984. A matéria foi feita pelo jornalista Danilo Ucha. 
 

2 comentários:

  1. Bons tempos, Adelar.
    Em que o artista da terra tinha voz & vez.
    Teu depoimento tem muito de poético e algo de apocaliptico.
    Com o tempo, os "aparelhos ideológicos do Estado" foram, mansamente, dominando às consciências e isso resultou nesta alienação e nessa falta de legítimos valores culturais para nossa identificação.
    Ontem se foram mais dois grandes homens. Dave Brubeck e Niemayer.
    Conseguira nosso tempo tosco e rasteiro produzir gênios deste quilate?

    Abraço.

    Ricardo Mainieri

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  2. Acho que o novo existe, mas não é o que está todos os dias nos jornais, revistas, rádios e televisões (repetem à exaustão sempre as mesmas coisas, os mesmos nomes, em todas as artes). Há, por exemplo, escritores e músicos excelentes que quase nunca são lembrados, ninguem vê. Feliz de quem os descobre. Acredito que falta diversidade cultural, sob uma falsa aparência de abertura na distribuição dos espaços de divulgação. Esses espaços, hoje, são muito mais fechados do que foram.
    Um abraço.

    JF

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