Jorge Adelar Finatto
Outro dia encontrei um homem sentado no meio-fio, diante de um casarão que estava sendo demolido. Era viúvo, devia ter por volta de 80 anos e chorava discretamente. Parei e perguntei o que havia.
Ele estava bastante desolado. Disse que o único filho e a nora venderam o imóvel onde vivera por mais de 70 anos. No lugar será erguido um edifício de 30 andares. Trocaram a casa por dois apartamentos e pequena soma em dinheiro.
Era um imóvel dos anos 30 do século passado, com amplo quintal, que ele herdou dos pais. Afirmou que não queria passar o resto de seus dias no apartamento do filho, onde morava agora. Não sabia o que fazer, pra onde ir.
Um homem sensível e educado. Acrescentou que não quis opor-se ao negócio, porque o filho passava por um momento difícil financeiramente. Mas lamentou não ter morrido antes da demolição.
O que dizer? Falei apenas que era importante ele manifestar sua aflição para a família. Conversar sobre o problema é a maneira de começar a enfrentá-lo, seja ele qual for.
A vida e o tempo atropelam tudo pela frente. Aquele homem era o fantasma vivo daquela casa.
Quando um casarão como esse vem abaixo muitas coisas desmoronam com ele.
As lembranças e sentimentos dos antigos moradores ficam sem o lastro físico que as sustenta.
O velhos fantasmas são jogados no meio da rua. E levarão muito tempo até encontrar outro lugar, se é que não ficarão vagando para sempre pelas ruas vazias da cidade.
Os ninhos dos passarinhos, nas reentrâncias do telhado, vão para o espaço.
As sombras, por sua vez, ficam sem as paredes e o chão para projetar-se como antes. Somem no ar.
Ele estava bastante desolado. Disse que o único filho e a nora venderam o imóvel onde vivera por mais de 70 anos. No lugar será erguido um edifício de 30 andares. Trocaram a casa por dois apartamentos e pequena soma em dinheiro.
Era um imóvel dos anos 30 do século passado, com amplo quintal, que ele herdou dos pais. Afirmou que não queria passar o resto de seus dias no apartamento do filho, onde morava agora. Não sabia o que fazer, pra onde ir.
Um homem sensível e educado. Acrescentou que não quis opor-se ao negócio, porque o filho passava por um momento difícil financeiramente. Mas lamentou não ter morrido antes da demolição.
O que dizer? Falei apenas que era importante ele manifestar sua aflição para a família. Conversar sobre o problema é a maneira de começar a enfrentá-lo, seja ele qual for.
A vida e o tempo atropelam tudo pela frente. Aquele homem era o fantasma vivo daquela casa.
As lembranças e sentimentos dos antigos moradores ficam sem o lastro físico que as sustenta.
O velhos fantasmas são jogados no meio da rua. E levarão muito tempo até encontrar outro lugar, se é que não ficarão vagando para sempre pelas ruas vazias da cidade.
Os ninhos dos passarinhos, nas reentrâncias do telhado, vão para o espaço.
As sombras, por sua vez, ficam sem as paredes e o chão para projetar-se como antes. Somem no ar.
Um mundo passa a habitar o invisível.
A memória é talvez a última morada da qual ninguém pode nos expulsar.
Quando cheguei na minha casa, fiquei feliz ao certificar-me de que ainda estava de pé (graças a Deus). Abri as venezianas do escritório, nos fundos, para o ar fresco, as plantas e árvores do pátio.
Botei as Variações Goldberg, para cravo, de Johann Sebastian Bach (1685 - 1750) pra tocar. Tentei salvar o que restava daquele dia.
Posso dizer que a música do João Sebastião cumpriu com rigor, naquele fim de tarde, a finalidade da arte que é consolar os homens na sua difícil passagem (mil variações) pelo mundo. E foi assim que o sublime compositor alemão, que nada tinha a ver com essa história, passou a fazer parte dela.
A memória é talvez a última morada da qual ninguém pode nos expulsar.
Quando cheguei na minha casa, fiquei feliz ao certificar-me de que ainda estava de pé (graças a Deus). Abri as venezianas do escritório, nos fundos, para o ar fresco, as plantas e árvores do pátio.
Botei as Variações Goldberg, para cravo, de Johann Sebastian Bach (1685 - 1750) pra tocar. Tentei salvar o que restava daquele dia.
Posso dizer que a música do João Sebastião cumpriu com rigor, naquele fim de tarde, a finalidade da arte que é consolar os homens na sua difícil passagem (mil variações) pelo mundo. E foi assim que o sublime compositor alemão, que nada tinha a ver com essa história, passou a fazer parte dela.
Bach é sublime, quase celestial, faz um sensível contraponto a esta estória triste, mas tão comum em nossos dias.
ResponderExcluirBela crônica, como de costume.
Abraço.
Ricardo Mainieri
Um pedaço do que somos habita as casas onde um dia moramos. A casa onde eu nasci, velha casa de madeira, ainda está de pé. Pra gente não se perder no mundo, me lembro do Quintana: "Eu moro em mim mesmo".
ExcluirUm abraço, Ricardo.
JF