segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Itaimbezinho: beleza e perdição do abismo

Jorge Adelar Finatto

Itaimbezinho. photo: j.finatto

Há muitas verdades entre o céu e a Terra que não se encontram nos livros. Revelam-se no silêncio da floresta.
 Balduino Rambo ¹

O silêncio é tão grande, às vezes, que tenho a impressão de que, se chamar por Deus, Ele ouvirá e responderá em meio aos eternos paredões de basalto erguidos no vento. Mesmo os que não crêem são levados a pensar nessa possibilidade, diante da majestade do espetáculo da natureza no Itaimbezinho.

Estive na quinta-feira passada (19/9)  visitando o Parque Nacional dos Aparados da Serra, onde está o cânion do Itaimbezinho, encravado nos Campos de Cima da Serra. Os paredões verticais chegam a 700 metros de altura.

As cercanias das bordas do abismo, o qual se prolonga por quase 6 quilômetros, são formadas por suaves percursos de campo que acabam em quedas escarpadas.

Os campos de fato são "aparados", isto é, cortados como a fio de faca, terminando sem transição na aba dos precipícios. ²

A origem do nome vem do Tupi: ita significa pedra, e aimbé, cortada. No interior do cânion, existem cursos de água, abundante vegetação, animais, fendas e cascatas que se derramam sobre o leito rochoso.

Essa região fica a nordeste do Rio Grande do Sul e faz fronteira com Santa Catarina. O lugar é de um vigor extraordinário. O Parque Nacional da Serra Geral, onde se encontra o cânion Fortaleza, está ao lado. Ambos os parques são administrados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade.³

O Parque Nacional dos Aparados da Serra foi criado em 1959. Nasceu da inspiração e do grandioso trabalho do notável pensador, escritor, cientista e padre jesuíta gaúcho Balduino Rambo (1905-1961). Situa-se no município de Cambará do Sul, um dos lugares mais frios do Estado. A chegada até o cânion é íngreme por uma estrada de chão e pedra, numa extensão de 17 quilômetros.

Há uma beleza inaugural no lugar. Uma visão que vem das origens do mundo. Entre aqueles espessos e altos paredões correram as águas do Dilúvio.

 A jóia mais preciosa de todas as paisagens dos aparados rio-grandenses é o Taimbezinho. 4
  
Trata-se de um dos cenários mais bonitos do Brasil. A vista do cânion é estonteante, no duplo sentido de bela e, ao mesmo tempo, vertiginosa. Um encanto visceral misturado com um vestígio de angústia.

A paisagem fascina pelo alumbramento que produz no espírito. Uma beleza inesquecível.

O Itaimbezinho representa uma presença física e estética esmagadora da natureza.

Itaimbezinho. photo: j.finatto

O belo grandioso é aquele sentimento estético que, de um lado, abala o espírito em sua pequenez diante das forças da natureza e, do outro lado, compensa tais abalos pela consciência íntima da realeza humana sobre todas as forças naturais. 5

Há, de fato, no Itaimbezinho, um apelo ao belo que é verdadeira perdição, isto é, a ele não podemos resistir. Mas existem, também, riscos aos quais o visitante deve estar atento.

Fiz a Trilha do Vértice, a mais curta, que se estende por cerca de 1400 metros (ida e volta), com três ou quatro pontos de observação. O último deles sem nenhum belvedere para a parada dos visitantes. Fica-se à beira do precipício, separado deste apenas por um singelo fio de cabo de aço que mal se levanta do chão e nada protege. Além disso, o espaço é muito pequeno. Qualquer descuido ali pode ser fatal.

A outra trilha é a do Cotovelo, que tem cerca de 6 quilômetros e se aprofunda mais no parque. Existe ainda uma terceira, a Trilha do Rio do Boi, que dá acesso ao interior do cânion e cuja entrada é do outro lado, pela cidade de Praia Grande, em Santa Catarina. É um caminho para fazer com guias experimentados.

Itaimbezinho. photo: j.finatto

Não são raros os casos de pessoas que se perderam e até morreram no local nas últimas décadas. Existem situações de morte acidental e outras por suicídio. Numa rápida pesquisa, verifiquei a ocorrência de alguns desses casos neste ano. No último, um rapaz está desaparecido desde o dia 27 de julho passado. Sua mochila foi encontrada na margem do despenhadeiro. Ninguém sabe o que aconteceu. As buscas resultaram infrutíferas e estão suspensas.

São milhares de visitantes todos os anos. Nem todos têm o cuidado necessário para transitar em semelhante ambiente. Por isso, as visitas mais seguras são as guiadas.

Algumas pessoas esquecem que o perigo ronda todo abismo. Por desconhecimento, excesso de confiança ou simples falta de noção metem-se em situações de risco.

Por outro lado, é visível a necessidade de melhorar a infraestrutura do parque, com mais investimentos para contratar pessoal, melhorar as instalações, a orientação dos visitantes, a sinalização dos caminhos, e para construir novos mirantes seguros de observação.

Não obstante o esforço da administração e dos funcionários, falta mais gente e faltam equipamentos para tornar o parque mais aproveitável, principalmente para os estudantes. Afinal, são 13.060 hectares de área de Mata Atlântica e Floresta de Araucária que merecem toda atenção.

Itaimbezinho. photo: j.finatto

A atração pelos abismos é uma inclinação que trazemos dos ancestrais. O ser humano tem encanto atávico por este tipo de formação natural.

Vale a pena conhecer os Aparados da Serra, com a contemplação cuidadosa e o respeito que os precipícios exigem de nós.

Do passeio só devemos trazer boas recordações e fotografias.

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¹Pe. Balduino Rambo. A pluralidade na unidade. Memória, religião, cultura e ciência. Vários autores. Editora Unisinos, São Leopoldo, 2007. contracapa.
²A Fisionomia do Rio Grande do Sul, ensaio de monografia natural, Balduino Rambo, 3ª edição, 2ª reimpressão, Editora Unisinos, São Leopoldo, 2005. p. 389.
³Instituto Chico Mendes
http://www.icmbio.gov.br/portal/o-que-fazemos/visitacao/ucs-abertas-a-visitacao/729-parque-nacional-de-aparados-da-serra.html
4 idem à nota 2. p. 385.
5 idem. p. 429.
  

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