Jorge Adelar Finatto
Ladeira que desemboca no campo onde Van Gogh pintou o Trigal com Corvos, em Auvers-sur-Oise, e onde teria se suicidado. photo: jfinatto |
Não sei e provavelmente ninguém nunca saberá o que se passou na cabeça e no espírito de Vincent Van Gogh (1853-1890) enquanto subia, vagarosamente, o íngreme caminho que termina no campo onde pintou, poucos dias antes, o Trigal com Corvos, na parte alta de Auvers-sur-Oise, pequena cidade perto de Paris onde viveu os últimos dias. Naquela caminhada vivia seus derradeiros momentos neste mundo. Ainda hoje aquele lugar é um território de silêncio e mistério.
Era então um homem no vigor dos seus 37 anos, na plenitude de sua arte. Havia, é certo, as crises intermitentes da doença que o atormentava (até hoje não se sabe se esquizofrenia, epilepsia, melancolia mórbida, etc.). Hoje há médicos que acreditam que o pintor sofresse de bipolaridade. Quem sabe?
O fato é que Vincent sobe a ladeira e a morte o espera no alto da colina.
O fato é que Vincent sobe a ladeira e a morte o espera no alto da colina.
Que louco amor ou pura desilusão carrega no peito magro? Que cores o acompanham agora pelo caminho? Em que instante retirará do bolso do casaco o pequeno revólver e o segurará entre os dedos trêmulos? Quem, minutos após, terá apertado o gatilho em meio do campo de trigo, disparando a bala que o ferirá mortalmente?
Em 21 de maio de 1890, mudou-se para Auvers-sur-Oise, que tinha tradição em acolher pintores, muitos deles atraídos pelo médico Paul Ferdinand Gachet (que tem consultório em Paris e uma casa em Auvers). Hospeda-se no Auberge Ravoux*, onde é bem recebido pelo proprietário e sua família (hoje funciona no local a Maison de Van Gogh, que merece uma visita).
Gachet é pintor amador e amigo de artistas plásticos. Aceita tratar Van Gogh, que veio para a cidade após um período de internação voluntária em hospital nas cercanias de Saint-Rémy-de-Provence.
Em Auvers Van Gogh experimenta um dos melhores períodos de sua breve existência. As coisas vão bem até o dia em que, sem razão aparente, desfere um tiro contra o abdômen, no campo, em 27 de julho de 1890. Morre dois dias depois, em 29 de julho, a uma e meia da manhã, tendo ao lado da cama, no quartinho do sótão do Auberge Ravoux, perplexo e devastado, o irmão Theo.
Último quarto de Van Gogh. Last bedroom of Van Gogh. Auberge Ravoux. photo: j.finatto |
Escada que leva ao quarto de Van Gogh. photo: j.finatto |
Em 21 de maio de 1890, mudou-se para Auvers-sur-Oise, que tinha tradição em acolher pintores, muitos deles atraídos pelo médico Paul Ferdinand Gachet (que tem consultório em Paris e uma casa em Auvers). Hospeda-se no Auberge Ravoux*, onde é bem recebido pelo proprietário e sua família (hoje funciona no local a Maison de Van Gogh, que merece uma visita).
Gachet é pintor amador e amigo de artistas plásticos. Aceita tratar Van Gogh, que veio para a cidade após um período de internação voluntária em hospital nas cercanias de Saint-Rémy-de-Provence.
Igreja de Auvers. photo: j.finatto |
photo: j.finatto |
Em Auvers Van Gogh experimenta um dos melhores períodos de sua breve existência. As coisas vão bem até o dia em que, sem razão aparente, desfere um tiro contra o abdômen, no campo, em 27 de julho de 1890. Morre dois dias depois, em 29 de julho, a uma e meia da manhã, tendo ao lado da cama, no quartinho do sótão do Auberge Ravoux, perplexo e devastado, o irmão Theo.
Eu tenho dúvida quanto à versão do suicídio, embora os informes nesse sentido. Concordo com os que acham que alguém pode ter atirado no pintor.
O que aconteceu realmente quando chegou ao campo? Quem o esperava? Haveria uma disputa pelo amor de uma mulher que teria resultado numa briga e ele levou a pior? Teria havido uma discussão com jovens da cidade com quem se encontrou uma ou outra vez, e alguém disparou um tiro? Quem sabe? Talvez só os corvos.
O que aconteceu realmente quando chegou ao campo? Quem o esperava? Haveria uma disputa pelo amor de uma mulher que teria resultado numa briga e ele levou a pior? Teria havido uma discussão com jovens da cidade com quem se encontrou uma ou outra vez, e alguém disparou um tiro? Quem sabe? Talvez só os corvos.
De qualquer forma, ele não fez qualquer revelação acerca das circunstâncias do tiro antes de morrer. A verdade morreu com ele. Não parece plausível que tenha se matado justamente num período de intensa felicidade e de profunda integração na vida e na arte, tendo produzido cerca de 70 quadros no curto tempo em que ali esteve.
A absurda calma de Vincent, ferido e fumando seu cachimbo, deitado na desconfortável cama de metal do quarto que nem janela tinha, viria do fato de antever na morte a libertação do sofrimento que o acompanhou pela vida toda?
"Fracassou" em quase tudo. Não teve um trabalho que lhe assegurasse o sustento, não encontrou uma companheira, não constituiu uma família, não teve amizades duradouras, não foi amado nem amou como esperava. Sempre dependeu do irmão mais novo, Theo, comerciante de quadros em Paris que lhe garantiu a subsistência. Van Gogh personificou aquilo que hoje se denomina, de forma crua, asquerosa e grosseira, um perdedor.
Quem fracassou e perdeu o quê? Vincent libertou as cores e legou à humanidade uma das obras mais impressionantes que um artista já construiu. Com que régua se mede este perdedor? Quem é vencedor neste teatro do absurdo que é viver?
photo: j.finatto |
Sofreu a indiferença dos contemporâneos, a falta de reconhecimento. Não fez quadros para agradar, não foi o queridinho da imprensa e dos críticos. Vendeu pouquíssimas obras em vida, fala-se em um quadro apenas (O vinhedo vermelho), talvez dois, talvez três. Mas sabia o que estava fazendo com suas mãos, viu o que ninguém mais conseguia ver.
O "perdedor" foi o único que não se beneficiou da extraordinária obra que entregou ao mundo. Somos herdeiros da maravilha e nada fizemos por merecê-la. Que pelo menos haja, de nossa parte, em homenagem ao artista, um esforço para valorizar e respeitar os que andam pela vida sem eira nem beira, os solitários, os abandonados, os invisíveis, vários deles vivendo ao nosso lado. Como Van Gogh eles podem guardar tesouros.
O que moveu Van Gogh nos últimos momentos de vida nós nunca saberemos. Mas temos motivos para acreditar que sua arte nasceu de um profundo sentimento de angústia e revolta diante da realidade, misturado à sua dificuldade de comunicar-se. Alimentava um incompreendido amor pela vida e pelas pessoas.
Vincent e Theo repousam no chão, entre heras, um ao lado do outro, no pequeno cemitério junto ao campo de trigo em Auvers.
Amarelo, silêncio.
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*Maison de Van Gogh:
O último quarto de Van Gogh:
É bom ler isto. Estive em Auvers Sur Oiser e andei pelos mesmos lugares que Vincent percorreu um dia. Vi os céus, campos e cores que lhe inspiraram os trabalhos mais intensos. Magoou-me perceber as homenagens e reverências agora que ele se foi, sabendo de todo desprezo e abandono com que foi tratado em vida. Um passeio para realmente se repensar a vida, os valores e se encantar silenciosamente. Quero voltar lá muitas vezes ainda.
ResponderExcluirTem razão, a vida e a obra de Van Gogh nos convidam a repensar a existência, muito além das mesquinharias cotidianas. Obrigado pela visita e comentário.
ExcluirO brilho de Vincent era imenso demais para essa terra, cegaria olhos desprotegidos. Hoje ele brilha mais que todas as estrelas que em vida ele viu. Tão solitário e abandonado que veio buscar Theo. O medo de permanecer sozinho pela eternidade não deu escolhas. Sua saga precisa continuar sendo retratada.
ResponderExcluirValeu! Obrigado.
ExcluirExcelente reflexão.
ExcluirObrigado pela visita. Feliz 2022
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