terça-feira, 28 de outubro de 2014

A hora solitária

Jorge Adelar Finatto

photo: j.finatto
 

Há uma hora solitária em que as estrelas não se apagaram ainda e nem o sol se levantou na linha do horizonte. Uma hora de expectativa e angústia.

O pássaro ensaia os primeiros movimentos do seu canto perto da minha janela. Eu passei a noite lidando com palavras. Frio e cansaço habitam essa hora erma.

Fecho as cortinas. Desligo as luzes. Puxo a manta até o pescoço, me estico no sofá do escritório.

Dom Quixote e Sancho Pança, exaustos de tantas andanças nas páginas do velho livro, dormem num canto da estante. Os personagens dos outros livros fazem o mesmo no silêncio e obscuridade das prateleiras.

Precisamos todos descansar das palavras. Precisamos dormir, dormir e esquecer. Não queremos claridade nem rumor de páginas tão cedo.

O dia avança como um touro louco pelas ruas da cidade. Corre furioso atrás de um incauto e distraído leitor. O touro nada sabe de livros. Leitores são presas fáceis na aurora.
 

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