"Saudosa dor, eu bem vos entendo" *
Luís de Camões
Navegar é despedir-se um pouco cada dia.
No mar da terrível procela, vinha eu no meu desditoso barco, enfrentando a fúria sem compaixão do trovão, do raio, do vento e da melancolia.
Vinha pelejando nas altas ondas contra a dor e o pó do esquecimento.
Só eu e meu coração à mercê de tudo que fere a alma e endurece o tempo.
A bordo da frágil nau do sonho me lancei ao mundo. Entre feros e mortais penedos, procurei descortinar-vos, Açores e Madeira, nos rigores do profundo oceano. Mas nada encontrei, só mais abismo, medo e desengano.
O tenebroso rugido da ventania arremessava as vagas contra tão despojada embarcação.
Triste fado meu que fez de mim o solitário do rochedo.
De repente, no horror da tempestade desumana, vi surgir na polpa salgada, álgida e insana das águas o brilho marfim e rosa de um búzio. A custo recolhi-o.
Escutei então aquela voz que de longe vinha.
Era a voz da minha amada que por encanto eu ouvia. Uma voz moça e já extinta.
Queria saber de mim, onde eu andava, com quem estava, o que fazia. Imaginava se eu ainda sorria.
Queria saber de mim, onde eu andava, com quem estava, o que fazia. Imaginava se eu ainda sorria.
Disse-lhe que não fizesse cuidado do vazio em minha alma. Eu era só mais um barco seguindo em meio à solidão do grande mar, desviando a fraga imensa. Era tudo o que em mim havia.
Quisera nunca ter perdido do seu abraço a moradia, musa minha que partiste mal surgia a aurora em nossa vida.
Viver pra mim, hoje, é despedir-se um pouco todo dia.
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*Lírica. Luís de Camões (1524-1580). Verso do poema Cantiga (2), p. 28. Editora Itatiaia e Editora da Universidade de São Paulo, 1982.
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