segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Sob os telhados de Paris

Jorge Adelar Finatto

 
Um dos bons livros que chegaram às minhas mãos neste ano é Minha Paris, Minha Memória,¹ do filósofo, historiador, economista e sociólogo francês Edgar Morin (94 anos). A obra foi escrita entre 2012 e 2013 (ano do lançamento na França). Originou-se do discurso de agradecimento que o próprio Morin proferiu ao ser homenageado como cidadão de Paris, na prefeitura da cidade, em 5 de junho de 2012.
 
Já manifestei minha admiração pelo pensador aqui no blog.² Um homem corajoso que nunca deixou de assumir posições em favor dos direitos humanos contra as forças da escuridão, inclusive com risco pessoal. Foi, por isso, em algumas ocasiões, chamado de traidor. O desdobramento dos acontecimentos sempre lhe deu razão contra as investidas do fascismo, na França e em qualquer parte. Um homem que, apesar do que passou, não perde a alegria de viver e conviver.
 
A história do indivíduo Morin perpassa a maior parte da história da França e de Paris no século XX. Foi contemporâneo dos principais eventos e personalidades. Por isso, o seu livro de memórias é tão rico e faz jus à sua amada Paris. Em suas páginas percorremos bairros, ruas, praças, parques, cemitérios, metrô, museus, o Sena, conversas, situações graves e outras alegres, tudo temperado pela vivência e pela humanidade do escritor. Alguém que espera da vida nada menos do que liberdade, igualdade e fraternidade entre as pessoas. 
 
Dizer que ele é um pensador judeu é muito pouco. Ele é, sobretudo, um ser humano sensível aos dramas, sofrimentos, mesquinharias e grandezas dos indivíduos de todas as origens. Um pensador universal, sem sectarismos. É crítico, por exemplo, do Estado de Israel na sua política opressiva em relação aos palestinos.
 
Não espere o leitor memórias açucaradas ou forjadas em irreparável melancolia. O autor nos remete a coisas do passado, mas não perde de vista o presente. Em muitas de suas observações é o presente que pulsa iluminado por sua rara percepção. É um livro lúcido e realista, sem perder a poesia.
 
Ouçamos uma passagem:
 
Um dia, num táxi, o motorista africano me disse, falando não me lembro mais de quem: "Pois eu quero mais é que esse sujeito se...!" E eu pensei, encantado: "Aí está, ele já é dos nossos!" O bar do bistrô parisiense continua firme, e esses lugares onde se brinda e se conversa são autênticos microfóruns da cultura parisiense. (pág. 220)
 
O que se sobressai nesta obra, além do conteúdo notável, é a mão do escritor. Ele sabe como dizer as coisas, e tem um jeito todo particular e encantador de fazê-lo. Ah, sim, Sob os telhados de Paris³ é o título do primeiro capítulo e de uma das canções antigas e inesquecíveis que Morin leva em seu largo e profundo coração.
 
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¹ Minha Paris, Minha Memória. Edgar Morin. Tradução de Clóvis Marques. Editora Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 2015.
² Edgar Morin. Post de 7 de outubro, 2010:
³ Letra de René Nazelles, música de Raoul Moretti, 1930.
 

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