terça-feira, 19 de janeiro de 2016

Gratidão

Jorge Adelar Finatto
 
Oliver Sacks. photo: Jurgen Frank/Corbis. The Guardian¹ 

Não consigo fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca, li, viajei, pensei, escrevi. Tive meu intercurso com o mundo, o intercurso especial dos escritores e leitores.
 
Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal que pensa, neste belo planeta, e só isso já é um enorme privilégio e uma aventura.²
                                
                                          Oliver Sacks
 
A descoberta do escritor e médico neurologista britânico Oliver Sacks (Londres, 1933 - Nova Yorque, 2015) aconteceu na semana passada. Estava na livraria quando vi na estante seu livro Gratidão. Comecei gostando do título e de sua capa branca, enlaçada com uma linda ilustração em forma de cinta.
 
O formato delicado e as letras de bom tamanho (para quem usa lentes de fundo de garrafa é uma bênção) fizeram com que abrisse e lesse algumas linhas. Foi o quanto bastou para lê-lo de um só fôlego nos dias seguintes, sorvendo cada palavra com calma e meditação. Como passei tanto tempo sem conhecer este autor?
 
Continua em seguida (agora vou sair e dar uma caminhada neste fim de tarde).

Voltei. A obra compõe-se de quatro ensaios publicados originalmente no jornal The New York Times, entre 2013 e 2015, ano de sua morte, em 30 de agosto. Escritos nos últimos dois anos de sua vida, Oliver Sacks reflete sobre a vida, a velhice, a doença terminal e a morte. E o faz com sentimento, lucidez e generosidade, sabendo que estava próximo da maior perda que um ser humano pode experimentar, a própria finitude.
 
Não há melodrama nestas linhas, nem vulgar apelo à emoção do leitor. Mas o autor tampouco sonega seus sentimentos, não tem vergonha deles. Escreve com naturalidade, sinceridade, como se estivesse conversando com as pessoas no sofá de sua casa, a bela casa de sua alma.

São pensamentos de quem sabe que se despede da vida e que, tudo somado, só tem gratidão em suas derradeiras palavras. Não omite a dureza do vivido, mas sente que, acima de tudo, houve troca, gentileza, amor e dádivas recíprocas com seus semelhantes. Viveu e viver valeu a pena.

Com várias obras publicadas, professor emérito em sua especialidade, este cientista-poeta abriu caminhos. O livro Tempo de despertar, de 1973, inspirou o filme homônimo com Robert De Niro e Robin Williams (fazendo o papel do Dr. Sacks num hospital, história real e extraordinária).

A luz que dimana das páginas de Gratidão é daquela espécie que nos faz bem, que nos sereniza, que nos faz querer ser o nosso melhor, sabendo que cada um é único em sua passagem pela vida e tem uma contribuição importante a dar.

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¹ The Guardian
 
² Gratidão. Oliver Sacks. Tradução de Laura Teixeira Motta. pág. 30. Companhia das Letras. São Paulo, 2015.

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