sábado, 31 de dezembro de 2016

A luz do novo tempo

Jorge Finatto
 
photo: Clara Finatto, Ipanema, Rio de Janeiro

AS IMAGENS de Clara Finatto nos remetem a um momento de rara beleza e emoção neste último dia do ano. As fotos são da praia de Ipanema no Rio de Janeiro. As pessoas estão reunidas olhando o pôr do Sol. Ao fundo, à direita, o Morro Dois Irmãos.

Clara conta que os admiradores aplaudem quando o Sol se põe. O mesmo fazem quando ele nasce lá longe sobre o mar, na linha do horizonte.

photo: Clara Finatto. Morro Dois Irmãos, Rio de Janeiro

O tempo leva tudo pela frente. Passa como o vento e não pede passagem. Atropela, arrasta a pobre criatura. Um ano não significa nada na vida de uma estrela, de uma montanha como Dois Irmãos. Mas na vida de um efêmero ser humano faz muita diferença. O que isso quer dizer? Que cada dia é um tesouro que não deve ser desperdiçado.

Olhando as imagens que a Clarinha colheu, percebo que a vida e o mundo são belos demais. Devemos agradecer sempre a oportunidade que nos foi dada.

Desejo a todos bons motivos para aplaudir o dia que se vai e o dia que nasce. Que cada um colha o que semeou em 2017. E que consigamos não levar tudo tão a sério. O riso é uma arma poderosa contra o desespero e o niilismo. Que possamos rir mais, apesar de tudo.

photo: Clara Finatto, Ipanema, RJ

Que haja mais justiça na distribuição do pão, da alegria, do amor, do bem-estar, dos bens materiais. Que todos tenham tempo para viver. E possam refazer a semeadura, caso tenham errado a mão.

Que Deus nos dê saúde para enfrentar os dias difíceis, para aproveitar os de júbilo, para repensar nossas prioridades. Possamos enxergar, ouvir e tentar entender as razões do outro (quando mais não seja, porque somos o outro do outro).

Luz pra todos.
 

sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Veneza no Café do Porto

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto

 Exposição fotográfica mostra a face pouco conhecida de Veneza, no Café do Porto, a partir de 03 de janeiro


VENEZA é uma das cidades mais visitadas e fotografadas do planeta. Uma cidade de espelhos, segredos e mistérios. Perambular sem pressa e sem itinerário por seus tortuosos caminhos (as fondamenta,  à margem dos canais) é essencial para descobrir seu corpo cheio de cálidas surpresas. 

A pé, numa gôndola ou num vaporetto (embarcação típica de Veneza, usada como meio de transporte pelos canais, com motor a diesel, e não mais a vapor como antigamente), o passeio é sempre revelador.
Não nos cansamos de admirar a arquitetura, as pontes, as paredes de tijolos à vista, as janelas com flores, os telhados, as roupas secando ao vento, as praças com pessoas de todos os lugares (talvez você dê sorte e encontre um veneziano em meio à multidão...), os longos e estreitos corredores que se perdem na bruma dos séculos.

photo: jfinatto

Veneza se deixa visitar, olhar, fotografar. Mas não se iluda o visitante: poucos terão acesso a seus aposentos interiores, à sua alma. Estes lugares não são para olhos estrangeiros. 

Recatada, a bela senhora nunca se deixa desvelar por completo. É preciso saber tocá-la com a ponta dos dedos, delicadamente. Como quem toca uma estrela muito frágil fadada a desaparecer (o aumento do nível das águas e os processos geológicos locais, embora lentos, estão levando ao afundamento da cidade).

Nesta exposição, reuni imagens que buscam mostrar o lado pouco conhecido de Veneza, longe dos clichês e do corre-corre dos turistas. Gostaria de compartilhar com você essas impressões sobre a querida República Sereníssima. São 17 painéis que estarão à mostra no acolhedor Café do Porto, a partir do dia 03 de janeiro de 2017.
 
photo: Jorge finatto


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Mostra fotográfica OLHAR SOBRE VENEZA
Autor: Jorge Finatto
Café do Porto, de 03 a 16 de janeiro, 2017
Rua Padre Chagas, 293, bairro Moinhos de Vento
Porto Alegre
 

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Cemitérios nos caminhos da Serra

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto

UMA COISA que chama atenção nos cemitérios da região serrana do Rio Grande do Sul é que estão sempre enfeitados com flores. O vivo colorido torna-os menos tristes nas beiras de estrada. Às vezes, estão localizados no núcleo das cidadezinhas, misturados ao casario.

Vida e morte lado a lado, sem ataques de nervos.

São espaços que nada têm de fantasmagóricos. Última morada coisa nenhuma: lugar de passagem, transição para outra esfera.

Os pequenos territórios de ausência têm muros de pedra baixos e portões de ferro com trepadeiras enlaçadas. As sepulturas são rentes ao chão, algumas cobertas de heras; outras com vasos floridos. E há aquelas que possuem flores plantadas em volta.

Na Serra até a morte parece fazer parte da vida. Os mortos têm direito a flores o ano inteiro e ocupam um lugar cálido na memória dos que ficam.
 

sábado, 24 de dezembro de 2016

As mãos estendidas de Deus

Jorge Finatto
 
Criação de Adão. Miguel Ângelo. Capela Sistina. photo: Wikipédia

 
AOS LEITORES do blog, onde estiverem, desejo um Natal com saúde, amor no coração, paz de espírito, esperanças no peito, humildade, comunhão.

Que Deus estenda a mão, ou um dedo que seja, em nossa direção, e que, ao acolher esse gesto, sintamos que existe algo muito anterior e muito além das nossas vãs filosofias.

Celebremos o Menino Jesus, as mãos estendida de Deus. Vale o mesmo pra você que é ateu (quem não é, às vezes, em meio à esculhambação em que está o planeta!) Vamos com fé. Tudo de bom a todos.
 

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

A Vênus de Milo

Jorge Finatto

Vênus de Milo, Museu do Louvre, Paris. Fonte: Wikipédia.
Autor: Mattgirling
 

DE ALGUMA FORMA me reconheço nela. Somos pães da mesma fornada. Deve ser isso, ou algo assim. O tempo que nos tocou viver juntos nessa passagem terrestre. Antes de desembarcar no planeta alguém colocou o carimbo na minha testa: vai precisar viver com ela.

Ela, estrela do meu caminho. Eu precisava desesperadamente dela ao meu lado desde muito antes de aqui desembarcar. Vim nem sei de onde. Aí um dia ela surgiu, um dia, no cerne da escuridão. O dia da minha sorte.

Um sol no inverno, uma iluminação. Nunca precisei de aventuras românticas pra me justificar. Precisava dela pra me ligar ao mundo, pra respirar, pra tornar a vida possível. Só isso. Um elo de afeto, uma nesga de ternura neste mundo de barbaridades.

Ela, estrela aberta. A corda que segura o astronauta quando está fora da nave, flutuando no sombroso léu. Do contrário me pulverizava.

Você me compreende, ou talvez não, diz que sofro de mutilação do ser-no-mundo, que sou triste-fraco. A palavra da moda é resiliente. Pode ser, pode não ser. Cada um sabe onde viver lhe dói. Abismos do coração. As faltas no interior da pessoa.

A Vênus de Milo é bela e eu amo. Mas não é mais bela que essa mulher. Está escrita na alma minha.
 

sábado, 17 de dezembro de 2016

Impromptus

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 
A RAZÃO DE SER da palavra escrita é trazer luz onde habita a escuridão.  
 
Existem assuntos que só podem ser considerados em profundidade na intimidade da escrita, nesse diálogo silencioso do leitor com a página. Como existem aqueles temas que só encontram compreensão possível no silêncio de um abraço.

A ideia de trabalhar na construção do texto, cujos tijolos são palavras, traz em si uma tentativa de aproximação. O texto carrega a marca da imperfeição, expressando nossa realidade de seres humanos. O que seria o texto ou a obra de arte perfeitos? Jamais alguém saberá, pois o perfeito é uma categoria a que ninguém nunca teve acesso.

Leonardo da Vinci desistiu da pintura porque encontrava imperfeições em seus quadros e não se conformava com isso. O que era imperfeito para Leonardo era genial para os mortais. Mas a obsessão pelo belo absoluto (seja lá o que for isso) não o deixou seguir adiante, privando-nos de sua grande arte. Trilhou outros caminhos nos quais seu gênio universal mostrou-se.
 
Escrever é um artesanato cotidiano, uma criação na casa simples e misteriosa dos dias. Nunca está completo nem é perfeito, é experimental, está sempre em progresso. E é belo por isso. Como nós, carece.
 
A composição é um mosaico das tantas coisas de que somos feitos e do que sonhamos. Vivemos e escrevemos de improviso. Vida e obra, nada é definitivo.

Só a morte é o círculo perfeito. Mas este remate não interessa a ninguém.
 
Obra inconclusa, vida provisória, longe da perfeição, mulheres e homens que vieram do humano barro forjado no abraço, predestinados ao sublime e à finitude.

Vida sem manual de instruções, sem ensaio prévio, sem roteiro a seguir.

Vamos na inspiração, no suor, na raça, do jeito que dá.

Impromptus: improvisos na arte como na vida.
 

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

2018, ano da nossa esperança

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto


O TEMPO ajuda a ver as coisas de um modo, digamos, menos desesperado. Nesses momentos obscuros, procuro manter o desespero sob controle, embora não seja fácil. Nunca vi um quadro tão dramático na vida brasileira. Mas penso que não devemos nem podemos entregar os pontos para os corruptos que afundaram o país. É preciso resistir.
 
Durante a ditadura civil-militar (1964 a 1985), a escuridão tomou conta, mas havia vida sob os escombros. A esperança brilhava nos olhos e corações. A democracia era um sonho e uma certeza de dias melhores.

A sociedade lutou pela democracia e ela amanheceu. O que temos hoje, no entanto, é uma indigência ética nunca antes vista, vinda da esquerda e da direita, de cima e de baixo, de todos os lados. A corrupção alastrou-se como fogo sobre gasolina, explodindo a economia, abalando a vida de milhões e milhões de pessoas, além de deteriorar direitos sociais duramente conquistados (art. 6º e seguintes da Constituição Federal de 1988).
 
Para que se viva numa democracia é fundamental que as instituições funcionem. Isto significa que não podem existir cidadãos acima da lei como existem no Brasil. A baixíssima estima ao bem comum e a quase certeza da impunidade levaram muitos políticos e empresários a subtrair quantias incalculáveis de dinheiro público. O resultado é um país quebrado com 12 milhões de desempregados, serviços públicos depauperados e a conta disso tudo sendo "socializada" entre toda a população, que não aceita mais esta situação.

A realidade mostra que os três poderes da República precisam passar por uma grande renovação. Com honrosas exceções, os representantes do povo estão aquém das expectativas. O que se vê é um cenário de profundo desalento. Basta um olhar sobre os últimos acontecimentos na Câmara Federal, Senado, Presidência da República e Supremo Tribunal Federal para ver que a coisa está muito difícil.

A imprescindível mudança já está em andamento com a lava-jato. A Justiça, notadamente no primeiro grau, está fazendo seu trabalho, apurando e responsabilizando a quem de direito. É preciso ter paciência. Antecipar eleições neste momento seria um erro. Deixemos que a depuração continue e afaste do poder quem não tem condições morais mínimas para seu exercício. Depois vamos ao voto em 2018, renovando tanto quanto possível os parlamentos estaduais e federal, bem como os chefes do Poder Executivo, a nível Federal e Estadual, tirando de lá quem traiu a população  e não merece confiança.

No âmbito do Poder Judiciário, é urgente a alteração dos critérios de nomeação de ministros do STF. Não é mais possível que a indicação de seus integrantes recaia única e exclusivamente na vontade do soberano da hora (Presidente da República). A sabatina a que é submetido o candidato a ministro pelo Senado, sabe-se, é meramente formal e homologatória.

A mais alta Corte do país precisa democratizar-se e ampliar sua legitimidade. Umas das possíveis alternativas é que a escolha dos ministros parta de vários setores: do próprio Judiciário, do Congresso Nacional, da OAB, do Ministério Público, da Presidência da República. Com origem nessas cinco instituições, já haveria certa pluralidade na composição do Tribunal. Não afasto, inclusive, a possibilidade de eleições para escolha dos ministros do STF. O importante é mudar a regra atual que fixa numa única pessoa o poder de escolha. Isto não serve ao bom senso nem à democracia.

Não podemos desacreditar no futuro por mais que os fatos digam o contrário. Somos mais de 200 milhões de habitantes a viver nesta Terra de Vera Cruz. Todos merecem ter uma vida.

É tarde demais pra desistir do Brasil.
 

sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Todo vivente carrega

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 

TODO VIVENTE carrega
seu fardo de solidão
nas entranhas

cheiros rudes no corpo
primaveras esquecidas
na caduquice
da memória

se eu prossigo
no caminho
não se iludam
é pura teimosia

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Poema do livro Claridade, de Jorge Finatto. Prefeitura Municipal de Porto Alegre, 1983.

domingo, 4 de dezembro de 2016

O mistério das flores, o vento

Jorge Finatto
 
photo: jfinatto
 
O ESCRITOR japonês Haruki Murakami diz, no texto de apresentação de seu livro Ouça a canção do vento & Pinball, 1973, que certa vez encontrou na rua um bolo de dinheiro. Caminhava com a mulher tarde da noite, ambos cabisbaixos, porque não tinham dinheiro para pagar um empréstimo bancário que vencia no dia seguinte.
 
Na época, anos 1970, haviam contraído dívidas para abrir um bar com piano em Tóquio. Ele era duro de grana e não queria arrumar um emprego tradicional. Amava o jazz. Resolveu unir o útil ao agradável. Músicos das redondezas faziam pequenos shows durante a semana, ganhando um cachê baixo. O escritor fazia sanduíches, preparava coquetéis, expulsava bêbados inconvenientes.
 
Sempre que tinha um tempo livre, pegava um livro pra ler. Adorava romances russos do século XIX. Tinha vinte e tal anos e trabalhava muito junto com a companheira. A coisa não era fácil.

Com o dinheiro achado, pagam o banco. Afirma que deveriam ter entregue o achado à polícia mas, diante da difícil situação, não podiam pensar em boas ações.

Em 1978 tem uma espécie de epifania e decide ser escritor. Assim que, todas as noites, depois de terminar o trabalho do bar, senta à mesa da cozinha e começa a escrever. Ali nascia o grande autor.

photo: jfinatto
 
Eu nunca achei dinheiro na rua. Cada centavinho que ganhei foi muito chorado. Mas coisas misteriosas e boas acontecem na vida de toda gente. Tudo, na verdade, é um mistério.

Basta lembrar que não temos a mais remota ideia de como viemos parar nesse mundo (por que fomos escolhidos?) e menos ainda para onde vamos depois que tudo acabar. Mistério.
 
As flores, por exemplo. São obras de arte que se revelam graciosamente aos olhos do mundo todos os dias, e nada cobram por isso. Dão-se de boa vontade a quem quiser. São. Duram pouco, mas enquanto estão no mundo fazem o seu melhor, que é ser flor. Iluminam a vida.

Olhemos, respiremos, conversemos com as flores em tempos tão difíceis. E, como diz Murakami no título de seu belo livro, ouçamos a canção do vento.
 

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Ouça a canção do vento & Pinball, 1973. Haruki Murakami. Editora Alfaguara, Rio de Janeiro, 2016. Tradução de Rita Kohl. Trata-se de duas excelentes novelas que marcaram o início da carreira do escritor, pela primeira vez publicadas no Brasil.
 

quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A noite passada

Jorge Finatto
 
menino torcedor da Chapecoense. photo: Nelson Almeida/AFP
 
Passei parte da noite lendo poemas, ou pelo menos tentando. Ler poemas, numa hora de tantas crises e tragédias? - perguntará talvez o leitor. Sim, é uma maneira de sobreviver emocionalmente diante do sofrimento que assola o mundo e o Brasil.
 
Por aqui, regredimos a um estado tal de selvageria e velhacaria em alguns setores importantes da vida pública que fica difícil prever melhores dias no futuro próximo. Algo está muito errado em nosso modo de ser, de discernir e enfrentar os fatos. Com a realidade posta, estamos repetindo um passado de obscurantismo e negação do humano.

Estamos revivendo o que há de pior em nossa história: indiferença ao bem comum, individualismo doentio, indigência ética. Triste. Não é catastrofismo: é a duríssima conclusão diante do quadro de descaramento, irresponsabilidade, desmandos e criminalidade de colarinho branco. Só a consciência ativa dos cidadãos de bem e a Justiça podem nos valer.
 
Falta amor social no Brasil. Me refiro àquele afeto mínimo que deve existir entre as pessoas em sociedade, que começa com o respeito ao outro. Por isso certas figuras se sentem tão à vontade de agir como agem, à sombra, à socapa, na calada da noite, no reduto do inferno.

Existem pessoas honestas e preocupadas com o país na esfera pública. Elas não podem permitir que a turma do outro lado deixe o Brasil afundar mais do que já afundou.
 
Os colombianos deram uma demonstração extraordinária de solidariedade ao Brasil na noite de ontem. No Estádio Atanasio Girardot lotado, em Medellín, milhares de pessoas homenagearam as vítimas e abraçaram a dor dos familiares e amigos dos desaparecidos no terrível acidente com o avião que levava a Chapecoense. Era a hora em que deveria estar sendo realizada a primeira partida da final da Copa Sul-Americana entre Atlético Nacional e Chapecoense.
 
Aquelas pessoas pegaram a nossa dor como sua. Abriram os braços e o coração, sem qualquer intenção de marketing, de espetáculo ou de dar lição a quem quer que seja. Emocionante. Inesquecível. Inspirador.