Jorge Finatto
photo: jfinatto |
(...) há certos momentos em que sinto uma grande falta de um colo macio e morno onde recostar a cabeça e dormir tranquilamente - dormir, dormir, dormir, como se eu fosse apenas um passarinho.
Campos de Carvalho*
OS FIOS DE LUZ, esticados entre os postes, parecem a pauta de um caderno escolar. Ou as cordas de aço de um violão tocadas pelo vento.
A chuva não parou na tarde de sábado. Nessas ocasiões vou até a janela especular o invisível. Perto, a uns vinte metros, estava a pomba cinza descansando sobre o fio. Melhor dizendo: tomava um banho de chuva. Parecia tão calma, distante de tudo e aconchegada.
Cheguei a ficar preocupado: estaria ela sem forças, doente, e por isso não se animava a bater asas e buscar abrigo? Dava a impressão de estar um pouco cansada. Talvez, como eu, com saudades de um colo.
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Mas ela estava muito segura de si, não esboçava sinal de fraqueza, qualquer tremor ou desequilíbrio. Às vezes fechava os olhinhos mergulhando num doce cochilo. Peguei a máquina e fiz algumas fotos, sem estardalhaço. Notei que ela percebeu meu movimento, mas não se incomodou.
Permaneceu ali por muito tempo, curtindo a chuva que caía sem pressa. Livre, sozinha, na santa paz. E eu me lembrei da frase em epígrafe desse livro encantador que é A lua vem da Ásia, do grande escritor mineiro Campos de Carvalho (1916 - 1998). Um belíssimo e cálido achado. Como esta tarde, esta chuva e a pomba de asas azuladas.
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*A lua vem da Ásia, pág 41. Campos de Carvalho. Editora Autêntica, 5ª edição, Belo Horizonte, 2016.
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