segunda-feira, 20 de abril de 2020

Fanicos e farfalhas

Jorge Finatto
 
photo de joaninha: Wikipédia. Autor: Jon Sullivan (PD-PDphoto.org]


Quem viu alguma vez uma JOANINHA caminhando na página de um livro ou sobre uma folha verde sabe do que estou falando.

É o acontecimento mais importante do universo.
 
Nenhuma literatura, nenhum cinema, nenhuma filosofia do mundo valem os passos da joaninha. Só que pouca gente percebe o engenho e a arte por trás da construção e da vida da frágil joaninha.

Existem muitos outros assuntos importantes para se tratar, está bem. Um escritor-fotógrafo a sério não devia ignorar isso. Tudo bem. O fato, contudo, é que me encanto com os farelos do mundo, com a coisa pouca ou nenhuma que somos. Com um raio de sol na parede ou caído dentro de um copo dágua sobre a mesa.

As coisas pequenas me atraem, me cativam, me elevam. As outras me enfadam, quando não revoltam. Encontro beleza e claridade nos fanicos da existência.

Tudo que é breve e pequeno se parece com ser humano e com estar vivo e ser transitório, e isso me interessa sobretudo.

Os verdadeiros e últimos sentidos habitam muito além das aparências, é assim que eu vejo. E o que eu mais enxergo, quando penso profundamente na vida, é a pequenina joaninha.

O mundo silencioso das migalhas me é, por isso, muito caro e diz muito mais sobre o que nós somos - ou o que sou eu, ao menos - do que um tratado ontológico. Quando perdemos a capacidade de expressar o que sentimos, é como se perdêssemos a vida.

Deus nos livre e guarde.

Na arte, ao menos, podemos voar, sonhar, levitar acima dos mausoléus e crematórios existenciais. Mas sei também que ninguém pode viver entre nuvens. 
 
Deve haver um caminho de passagem entre as farfalhas da vida e a copa das estrelas; entre a imensidão da Via Láctea e os passos humildes e comoventes da joaninha.
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Texto revisto, publicado antes em 25/11/2012.

2 comentários:

  1. Respostas
    1. Eu estava recordando das andanças pelas madrugadas da Osvaldo Aranha e pelos bares como o Alaska e o Márius, ouvindo o vento soprar nas folhas das esguias palmeiras. Quando o pior insulto que se podia dirigir a alguém (naquele rebelde território de resistência e busca de alegria) era chamá-lo de arenista. A ditadura era perversa. Mas havia um futuro pela frente, a vontade (e necessidade) de mudar e a nossa juventude. Hoje estamos no "grupo de risco"... Sinto uma profunda repulsa pelo que está acontecendo, alguns querendo a volta da escuridão. Sempre acreditei que as coisas só mudam para melhor quando nós mudamos, procuramos enxergar com olhos de ver, sem mistificações nem sectarismos (à direita e à esquerda), quando levamos o coração em conta nas decisões, e pensamos em "nós" e não apenas em "mim". Deus nos livre dos "salvadores" políticos. Esperança no agora e nos dias que vêm.
      Muito obrigado pelas palavras, Carlos. Um abraço do teu amigo aqui em Passo dos Ausentes.

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